FRENTE ANTIFACISTAS SLZ

Plano de protesto pró-democracia em São Luís esbarra em incitação a atos de violência

Por todo o Brasil, grupos se contrapõem ao presidente da República, e Bolsonaro chama grupos antifascistas de “marginais e terroristas”

Manifestantes em ato contra o presidente Bolsonaro, em São Paulo, no último domingo. Foto: Divulgação

A nova onda de iniciativas da sociedade civil que pede respeito à democracia chegou a São Luís, no último domingo (31). Nessa data, de forma aleatória, por meio da internet, pessoas anônimas se articularam e criaram o grupo de WhatsApp “Frente Antifascistas SLZ”. A ideia principal seria organizar um ato público na capital maranhense, de repúdio às atitudes do presidente Jair Bolsonaro. Ocorre que cerca de 500 membros foram arrastados para a sala virtual do aplicativo, e alguns deles fizeram comentários de incitação e apoio a atos de vandalismo. A Polícia Civil do Maranhão investiga o caso. O delegado Armando Pacheco alerta para o fato de que quem publica esse tipo de conteúdo está cometendo crime.

Armando Pacheco é titular da Superintendência Estadual de Investigações Criminais do Maranhão (Seic-MA). De acordo com o superintendente, quem faz postagens na internet e redes sociais de apoio aos atos de depredação de patrimônio público ou privado, comete o crime de “incitação ao crime”, previsto no artigo 286 do Código Penal Brasileiro.

“Analisamos que, no grupo do aplicativo WhatsApp Frente Antifascista SLZ, alguns participantes organizavam manifestações contra o fascismo e contra o governo Federal. Foram extraídos, em algumas postagens, um preparatório de atos de vandalismo, como quebrar colégios, bancos, restaurantes”, informou o delegado, fazendo menção às seguintes mensagens: “ei, a gente vai quebrar vidro de banco?”, “levem garrafa e óleo de carro”, “aquele belo banco dourado na porta da AABB”, “só lembrando que o dono do Coco Bambu (restaurante) é ‘bolsonazi’”, “Flor de Vinagreira (restaurante) que se foda”.

Todo ou parte desse conteúdo foi printado se espalhou na blogosfera e nas redes sociais, já na segunda-feira, 1. No dia seguinte (terça-feira, 2), a Seic começou a intimar pessoas envolvidas na Antifa (abreviação de Antifascistas) de São Luís. Armando Pacheco disse a O Imparcial que os depoimentos deste caso começaram efetivamente na quinta-feira (4), e serão finalizados na segunda-feira (8). O titular da Seic informou que, até o fim da manhã desta sexta-feira (5), cinco estudantes e um publicitário já tinham sido ouvidos pela Polícia Civil.

O Superintendente informou que os delitos estavam em ato preparatório, ou seja, não foram consumados. “Nos termos de depoimentos, alertamos das implicações jurídicas. “Os depoentes se comprometeram a não realizar atos de vandalismo, e a não participar de manifestações para não aumentar as taxas de contaminação da Covid-19, em São Luís. As próximas atitudes da Seic serão no sentido de acompanhar grupos que tendem a ter o mesmo comportamento do Frente Antifascista SLZ”, concluiu o delegado.

A Polícia Civil do Maranhão informou ainda que atos violentos, cometidos de forma física e/ou verbal, contra pessoas e patrimônios públicos podem configurar vários crimes, a exemplo: ‘dano ao patrimônio público’, ‘lesão corporal’, ‘ameaça’, ‘injúria’, ‘difamação’, ‘apologia ao crime’ e até crimes contra a Lei de Segurança Nacional. Conforme a Polícia Civil do Maranhão, tudo dependerá das ações que são praticadas em tais manifestações.

Onda de manifestações

Na madrugada daquele domingo, 31 de maio, dia que em os organizadores da Frente Antifascistas SLZ criaram a sala virtual compartilhada no aplicativo de WhatsApp, um grupo de extrema direita, os 300 do Brasil, protestou diante do Supremo Tribunal Federal, em Brasília. A líder, Sara Winter, tinha sido alvo de operação da Polícia Federal, na semana anterior ao protesto de os 300 do Brasil.

Também no domingo, um ato a favor da democracia, com a presença de torcedores de clubes rivais, ocupou parte da Avenida Paulista, em São Paulo (SP), mas a polícia acabou reprimindo a manifestação com bombas de efeito moral e balas de borracha, após tensão com um grupo pró-Bolsonaro.

Nas redes sociais, na segunda (1º) e terça (2), uma onda antifascista tomou conta de diversos perfis do Brasil. Usuários publicaram o símbolo do movimento Antifa como resposta às repressões sofridas nos últimos dias.

O Antifa é um movimento de origem na Alemanha e nos EUA dos anos de 1920 e 1930, quando o mundo vivia a ascensão da extrema direita, especialmente com Adolf Hitler e Benito Mussolini. Células se organizaram àquela altura para lutar contra as organizações fascistas e nazistas.

Nas redes sociais, pessoas associaram sua profissão ao símbolo antifascista. E, claro, também surgiram memes como o “bom dia grupo” antifascista.

Outro lado

Em São Luís, a Frente Antifascistas SLZ informou que não foi realizado nenhum ato público, e que não há nenhuma manifestação na agenda do movimento para a capital maranhense. Mas o movimento frisou que há a possibilidade de realização de um protesto pacífico, organizado e suprapartidário, observando todas as medidas sanitárias de prevenção à Covid-19, e disposições legais.

A Frente Antifascistas SLZ disse também que o grupo de WhatsApp foi desfeito, e a mobilização migrou para twitter.com/antifascismoma  e instagram.com/antifascismoma. Sobre as mensagens no aplicativo, o movimento reiterou que não tem qualquer interesse em depredar patrimônio público ou privado, e que o conteúdo nos prints são pensamentos individuais, expressados livremente nas redes sociais.

Quem se manifestou nos últimos dias

Estamos juntos – Inspirado nas Diretas Já, o manifesto prega a defesa da vida, da liberdade e da democracia. Assinado inicialmente por artistas, intelectuais e políticos de campos ideológicos diversos, abriu para adesões na internet e tem quase 300 mil assinaturas.

Basta! – Organizado por juristas e advogados, o texto passou de 42 mil assinaturas na internet. Cobra respeito à Constituição e as instituições.

Somos 70 por cento – A campanha virtual foi criada pelo economista Eduardo Moreira. A hashtag, em referência ao apoio de cerca de 30% a Bolsonaro registrado em pesquisa, foi usada por políticos de variados partidos, além de celebridades como a apresentadora Xuxa.

Pacto pela democracia – Coalisão que agrega 150 entidades da sociedade civil, publicou manifesto contra o que chamou de “a incessante escalada de intentos autoritários” pelo governo. Entre os signatários estão movimentos de renovação política, ONGs de direitos humanos, e grupos ambientais.

Esporte pela democracia – Lançado por atletas e ex-esportistas, prega respeito à democracia e abraça a luta antirracista. Walter Casagrande, Gustavo Kuerten, Raí e Ana Moser são organizadores, mas personalidades de outras áreas aderiram.

Comissão Arns de Direitos Humanos – Entidade formada por intelectuais e ativistas, afirma se preocupar com “manifestações desestabilizadoras” contra o STF e seus ministros.

As Forças Armadas e a Democracia – Manifesto assinado por 170 profissionais ligados ao direito, entre eles três ex-ministros da Justiça, pede que as Forças Armadas respeitem a democracia.

Presidentes dos Tribunais de Justiça do País – Presidentes de 27 Tribunais de Justiça do Brasil manifestaram, em carta, “integral apoio” ao Supremo Tribunal Federal e clamaram harmonia entre os Poderes.

Bolsonaro chama grupos ditos antifascistas de “marginais e terroristas”

O presidente da República classificou como marginais e terroristas os integrantes dos chamados grupos antifascistas, que tem promovido protestos contra o governo. Bolsonaro defendeu retaguarda jurídica para atuação policial nas manifestações.

“Começou aqui com os Antifa em campo. O motivo, no meu entender, político, diferente (daquele dos protestos dos EUA). São ‘marginais’, no meu entender, terroristas”, disse Bolsonaro na noite de terça-feira (2), segundo gravação divulgada por apoiadores.

Na segunda-feira (1º), o presidente já havia dito a seguidores que eles não deveriam ir às ruas neste domingo (7), como fazem todos os fins de semana, já que, neste, está marcado um ato contra o fascismo e em oposição ao governo.

Atos contra o governo não podem ser associadas a terrorismo

Enquanto setores da sociedade civil organizam marchas com discurso antifascista para este domingo (7), o presidente Jair Bolsonaro prepara uma estratégia para tentar diferenciar esses atos das manifestações semanais de seus apoiadores. O presidente insiste que seus apoiadores organizam movimentos pacíficos, enquanto a oposição adota métodos violentos.

Em 2016, a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei Antiterrorismo (nº 13.260), que tipifica o terrorismo no Brasil. O texto estabelece que manifestações, mesmo de extremismo político, não podem ser enquadradas como terrorismo. Os protestos dos grupos de Black Block por exemplo, não podem ser enquadrados como terrorismo, mas a lei explicita que atos violentos em protestos ou manifestações estão sujeitos aos crimes tipificados no Código Penal.

O advogado Rafael Silva, presidente da Comissão dos Direitos Humanos, da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Maranhão (OAB-MA), informou que os atos públicos são assegurados constitucionalmente pelo Princípio da Liberdade. “Se trata de uma conquista histórica, assegurada pela Constituição de 1988. Porém não é uma criação do fim do século 20, mas os direitos à Liberdade são discutidos desde o século 17. E, sobre os atos de violência, eles afetam a convivência democrática”, declarou o advogado.

A O Imparcial, a Frente Antifascista SZL mencionou que forças policiais têm dispensado tratamento diferenciado entre as manifestações pró-Bolsonaro, e os atos antifascistas no país. O presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OAB informou que a Polícia Militar deveria ser uma garantidora da proteção para que os manifestam possam realizar suas manifestações em segurança.

“A polícia, num regime democrático, não deve reprimir as manifestações contra os governos. A polícia deve garantir a tranquilidade para que essas expressões legítimas das diferenças políticas se manifestem”, declarou Rafael Silva.

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