OPINIÃO

OPINIÃO: Hoje proíbem livros. Amanhã os queimam

Por que o Brasil tem tanto medo de (re)descobrir sua história e discutí-la?

Maio de 1933: multidão se aglomera na praça Bebelplatz, em Berlim, para assistir à queima de livros com conteúdo contrário ao regime. (Foto: Reprodução)

No último dia 2 de outubro, vários portais eletrônicos noticiaram que o Colégio Santo Agostinho, do Rio de Janeiro, retirou do catálogo de leitura dos alunos do sexto ano o livro Meninos Sem Pátria, de Luiz Puntel, integrante da Coleção Vaga-Lume. Trata-se de uma obra ficcional lançada em 1981 que conta a história de jornalista perseguido pelo regime militar e que teve que se ausentar do país com sua esposa e filhos em virtude da perseguição por sua oposição ao regime. O livro teria sido retirado da lista de leitura do Santo Agostinho a pedido dos pais, que acusam seu conteúdo como “de esquerda” e de “incentivar o comunismo”.

No dia anterior, o atual presidente do STF, Ministro Dias Toffoli, declarou em um evento na USP sobre os 30 anos da Constituição Federal que prefere chamar o golpe militar de 1964 de “movimento”. Segundo o portal eletrônico JOTA, o ministro considera que os militares se desgastaram com a direita e a esquerda, sofrendo críticas de ambos os lados. Em sua etimologia, a palavra movimento, além do seu conceito clássico de “ação ou efeito de mover”, tem como significado a possibilidade de desenvolvimento e divulgação de uma tendência ou doutrina. Contudo, o Excelentíssimo Ministro desconsidera que a divulgação das doutrinas (de direita) impostas pelo regime militar brasileiro, foi precedida de uma ruptura constitucional, ou seja, de um golpe.

O que esses dois fatos têm em comum? A negação da História, da memória nacional. “Un pueblo sin memoria es un pueblo sin futuro”. Esta frase está estampada em uma faixa no Estádio Nacional de Santiago, transformado em um centro de detenção e tortura na ditadura militar chilena. No último dia 11 de setembro milhares de velas foram acesas no Estádio Nacional para lembrar os 45 anos do golpe (sim, foi golpe!) militar perpetrado por Augusto Pinochet. Até hoje, parte da arquibancada da arena esportiva é isolada e fica vazia em dias de jogo para lembrar dos horrores e violações e crimes contra a humanidade ali cometidos.

Porque a sociedade brasileira tem tanto medo de (re)descobrir sua história e discuti-la? Porque o processo de escravidão brasileira (segundo pesquisa hospedada no site slavevoyages.org, o Brasil foi o país que mais recebeu negros africanos de maneira forçada: cerca de 4,8 milhões) não merece um aprofundamento nos estudos escolares? Porque a ditadura militar brasileira também não merece o mesmo aprofundamento de estudos?

Países que souberam enfrentar o seu passado de terror e violações a direitos humanos (como Japão, Alemanha, Espanha, Argentina, Uruguai, Chile, África do Sul) têm conseguido períodos de estabilidade democrática (seja com governos de esquerda, seja com governos de direita) mais consolidados que o nosso. E porque fazer esse enfrentamento é importante? Fico em apenas dois exemplos: no campo do trabalho análogo à escravidão, tramita no Congresso projeto de lei (PLS 432/2013) para flexibilizar seu conceito e legalizar as condições degradantes de trabalho, semelhantes àquelas que encontrávamos no século XIX. No segundo, as recentes manifestações de exaltação a reconhecidos e cruéis torturadores do regime militar brasileiro, sob os olhares de cumplicidade do Judiciário. Na Alemanha, exaltar o nazismo é crime. No Uruguai, um general foi preso por manifestar-se politicamente. A Constituição deles proíbe. E, talvez para a surpresa de alguns, a nossa também.

O famigerado projeto denominado Escola Sem Partido, caso siga adiante, tem chances de aprofundar essa situação. Oficialmente, idealizadores do projeto dizem que o mesmo tem por objetivo vedar “manifestações de defesa de uma posição política dentro de sala de aula”, o que não faz sentido algum, já que toda manifestação do homem e da mulher é uma manifestação política. A construção do Escola Sem Partido, vejam bem, é uma manifestação política. Minha coluna é uma manifestação política. Sua leitura e análise desta coluna é uma manifestação política. Rechaçar a violência é uma manifestação política. Defender direitos é uma manifestação política. Ensinar é uma manifestação política. Aprender é uma manifestação política.

Felizmente, o avanço de projetos como o Escola Sem Partido tem sido barrado, seja pela atuação dos próprios poderes legitimados para proposição, discussão e criação de leis (executivo e legislativo) ou pelo controle de legalidade e/ou constitucionalidade feita pelo Poder Judiciário. Contudo, na prática, atos como o do Colégio Santo Agostinho revelam a concretização dessa proposta.

Hoje proíbem livros. Amanhã os queimam. Hoje negam o acesso e discussão à História. Amanhã desconstroem a própria História. Hoje, eu posso escrever essa coluna. Como será o amanhã? O que irá me acontecer? O meu destino será como eu quiser?

*Igor Almeida é Mestre em Direito pela UFMA e professor universitário.

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