OPINIÃO

Para a mulher que aborta, repouso

O dia 28 de setembro é o Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta Pela Descriminalização do Aborto, e, em ano eleitoral, onde todos se apressam em se postar contra o aborto, precisamos trazer a discussão a público.

(Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

O dia 28 de setembro é o Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta Pela Descriminalização do Aborto, e, em ano eleitoral, onde todos se apressam em se postar contra o aborto, precisamos trazer a discussão a público.

Primeiro que de sã consciência ninguém, nem as mulheres que morreram por praticá-lo são “favoráveis”, “defensoras” do aborto. Essa é uma falácia que esvazia o sentido público deste debate, problema ou pauta como queira se posicionar que se interessa pelo mesmo. Em tese, quem é contra a legalização seria a favor da vida, seletivamente, não a vida das mulheres. Quem defende legalização do aborto não é favorável à pratica, nem contra a vida de ninguém. Legalizar é apenas situar a questão no campo correto o da saúde pública visando permitir que as mulheres que desejam abortar o façam de forma segura, em locais especializados, evitando, assim, atendimentos de emergência após o aborto inseguro.

É preciso ter em mente, senão o respeito à vida das mulheres, de seus corpos e da decisão destas sobre os mesmos, um uso mais racional do sistema de saúde, tendo em vista que um dos maiores gastos do SUS são com procedimentos e internações feitos para tratar as complicações de aborto mal sucedido. Trata-se, ainda, da quinta maior causa de morte materna.

“Basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados”. Essa famosa citação de Simone de Beauvoir nunca fez tanto sentido. Nos últimos 3 anos a discussão sobre legalização do aborto retrocedeu de tal modo que quase se perde os permissivos legais atuais.

Opera-se um contrassenso total com o prevê a constituição. Tanto é que está em julgamento no Superior Tribunal Federal (STF) a Arguição de Preceito Fundamental – APF nº. 442/2017, que questiona perante a ordem constitucional os artigos 124 e 126 do Código Penal, que criminalizam a prática do aborto. A ação propõe que se exclua do âmbito de incidência dos dois artigo a interrupção voluntária da gravidez nas primeiras 12 semanas de gestação.

(Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Por diversos motivos, existe a presunção de que a criminalização do aborto se justificaria para proteger a vida do embrião ou do feto, e que este seria um direito previsto no ordenamento constitucional. No entanto considerando precedentes da própria corte, o pressuposto é discutível, pois, a criminalização não salva a vida de fetos e embriões, tampouco preserva a das mulheres.

Assim, a ADPF afere a solução jurídica, onde o que importa são os sentidos de justiça da criminalização do aborto à luz da ordem constitucional. Quais seriam as e as evidências científicas relevantes à pacificação constitucional desta controvérsia? Há justa causa em as mulheres serem presas por abortar? A criminalização se sustenta à luz da ordem constitucional vigente e de instrumentos internacionais de direitos humanos?

Em direito se afirma que direitos fundamentais só adquirem o sentido pleno do justo na convivência harmoniosa entre si e com outras normas constitucionais, combinando passado e futuro. O teórico Ronald Dworkin
nomeia esse processo de desenvolvimento de “o direito como integridade”, partindo disso, deve-se entender os precedentes de opinião do Tribunal e a linha de continuidade entre as decisões da Corte no HC 84.025, ADI 3.510, a ADPF 54 e HC 124.306, os quais estabelecem premissas para o enfrentamento da questão constitucional do aborto, e apontarão para a conclusão de que não há argumento constitucional para que continuemos tratando a questão pela senda do crime.

É um debate de fôlego que não deve ser pautado na premissa maniqueísta de ser a favor ou contra, sobretudo quando as mulheres que abortam estão todas em nossas famílias, precisam de repouso, não de cadeia.

As feministas, na organização de suas lutas, resumem o que deveria ser a justa posição de toda sociedade, incluindo por óbvio as conclusões jurídicas: em se tratando de aborto, a mulher decide, a sociedade respeita e o estado garante. As mulheres precisam de educação sexual para decidir, contraceptivo para não engravidar e aborto legal pra não morrer.

 

*Ana Carolina Barbosa é advogada.

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