Inspiração

“Ninguém sabe da minha história”, diz maranhense de 60 anos aprovada em vestibular

Ana Maria Cabral é técnica de enfermagem, e agora estudante de Pedagogia pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).

Foto: Arquivo Pessoal

No dia do estudante (11 de agosto) eu conversei com alguém que está mais ansiosa do que criança quando vai para a escola pela primeira vez. Conversei com a mais nova universitária do pedaço: Ana Maria Cabral, 60 anos, técnica de enfermagem, e agora estudante de Pedagogia pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), aprovada no último Processo Seletivo de Acesso à Educação Superior (PAES 2021).  Nervosa em conceder a entrevista, ela me disse que ainda está caindo a ficha de que ela irá cursar uma faculdade. “Um sonho que tinha, que sabia que ia realizar, mas não sabia quando. Deus é que sabia quando ia chegar o meu tempo. Eu não sei nem o que dizer. Estou muito agradecida por ele ter realizado um dos meus sonhos, porque tenho outros”, disse ela.

Um sonho que tinha, que sabia que ia realizar, mas não sabia quando.  Deus é que sabia quando ia chegar o meu tempo. Eu não sei nem o que dizer. Estou muito agradecida por ele ter realizado um dos meus sonhos, porque tenho outros

As aulas na UEMA começarão no dia 14 de setembro, apenas 4 dias depois que ela tiver completado 61 anos. “Tem noção do que é isso? Será um presente para mim, mas ao mesmo tempo vem  um misto de medo, ansiedade, nervosismo, insegurança”, disse Ana. Segundo ela, tudo se justifica pela idade que tem, de como será recebida, de como serão seus colegas. “Não tenho parado de pensar. A última vez que sentei em um banco de escola foi quando saí do ensino médio.  Depois foi só para fazer curso e concurso profissional.  Está me dando um medo que é natural, é como se tivesse indo para a escola pela primeira vez. É tudo muito novo” (ri).

Foto: Arquivo Pessoal

Quando saiu o resultado, o filho mais velho, Heide, logo tratou de demonstrar o orgulho pela mãe em publicações nas redes sociais. As repercussões geraram muitos comentários. Alguns positivos e outros tantos, negativos. Isso assustou Ana. “Muita gente está feliz por mim, mas outros estão me criticando. Me dizendo que não passei antes porque sou burra, ou desmerecendo a aprovação. Ninguém sabe da minha história. Aconteceu tanta coisa na minha vida. Meus concursos me ajudaram a criar meus filhos. Eu não fiquei de braços cruzados esse tempo todo. Não é como se eu não tivesse passado porque não quisesse”, contou.

Ninguém sabe da minha história. Aconteceu tanta coisa na minha vida. Meus concursos me ajudaram a criar meus filhos. Eu não fiquei de braços cruzados esse tempo todo. Não é como se eu não tivesse passado porque não quisesse

Ana terminou o ensino médio em 1979. Ao concluir, fez cursos na área da saúde e logo começou a trabalhar. O tempo foi passando, fez cursos, tinha também um sonho de entrar para a marinha (foi a primeira colocada em São Luís), não teve êxito nas últimas etapas, mas foi aprovada em dois concursos para a área da saúde. Hoje, Ana trabalha em uma unidade mista de saúde na área de vacinação contra a gripe influenza.  Com três filhos crescidos, Heide (28), Heitor (27), e Hellen (24), antes era preciso priorizar a família.  Mas o sonho de cursar uma faculdade, esse nunca passou. “Eu não tentei vestibular 36 vezes, e nem todas as vezes nesses 36 anos. Durante esse tempo eu fui tentando algumas vezes. Parei, recomecei. Aconteceram muitas situações que me fizeram parar, eu tive filhos. A minha jornada sempre foi essa: de começo e recomeços. E estou recomeçando novamente”, afirma.

A inscrição para o vestibular foi feita ainda no ano passado pelo companheiro de Heide, mas somente este ano as provas foram realizadas, por causa da pandemia. Confessa que estudava quando dava, mas destaca que por ter sido sempre uma boa aluna, isso pode ter ajudado na aprovação. Ah, e o processo seletivo na UEMA foi a primeira tentativa dela, de tantas outras que fez em outras universidades.

“Quero ser mais um exemplo”

Foto: Arquivo Pessoal

Heide é o filho que ela considera seu braço forte em várias questões, inclusive quanto às questões tecnológicas. Ele, por enquanto, é o único com formação superior. E agora, com Ana cursando uma faculdade, ela espera ser mais um exemplo para os filhos. “Os meus filhos sempre torceram para que eu buscasse realizar meu sonho porque eles têm visto a minha luta. Não foi fácil, eu não tive um relacionamento muito bom com os pais deles, e essa situação foi uma das coisas que me fez parar com esse sonho, e priorizar a família. Mas digo para eles que nunca é impossível, que eles não desistam de nada.  Para Deus realizar sonhos não existe tempo”.

Os meus filhos sempre torceram para que eu buscasse realizar meu sonho porque eles têm visto a minha luta. Não foi fácil, eu não tive um relacionamento muito bom com os pais deles

Durante o curso na faculdade ela não sabe o que a espera, mas tem a expectativa de ter um tempo bom e pensa positivo para que coisas boas sejam atraídas. Ela diz que quer fazer um trabalho de excelência e já pensa na frente. “Meu desejo é lecionar. Quero ir para sala de aula e dar aula para crianças, que eu gosto muito, já faço um trabalho com crianças na minha igreja, e eu quero ser exemplo também para essas crianças que vão ser minhas alunas, se Deus quiser. Quanto a outros sonhos? Sempre se tem”, finaliza.

Foto: Arquivo Pessoal

Meu desejo é lecionar. Quero ir para sala de aula e dar aula para crianças, que eu gosto muito, já faço um trabalho com crianças na minha igreja

Foto: Arquivo Pessoal
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