TRISTE REALIDADE

Quanto vale a vida de uma mulher?

Em 2017, foram registrados pelo menos 4.473 homicídios dolosos, destes, 946 casos de feminicídio, crime de maior gravidade devido à motivação de ódio pela condição de gênero

Foto: Reprodução

Mulheres vêm lutando há séculos para terem direitos igualados na sociedade e pouco a pouco conseguem desconstruir barreiras, mostrando que a capacidade e notabilidade não vêm de gêneros, mas da dedicação.

A humanidade já veio de períodos extremamente machistas em que mulheres eram tratadas como um objeto de desejo ou obrigação para um homem, serviam para cuidar da casa, do marido, dos filhos, costurar, cozinhar e não tinham direito à educação ou independência financeira. A vida de uma mulher não valia mais que a de um animal irracional e, mesmo após a consolidação de tribunais judiciários no modelo do que se conhece hoje em dia, muitas mulheres eram assassinadas com a prerrogativa da legítima defesa da honra, quando homens alegavam o direito de ceifar a vida das esposas ou namoradas por serem traídos e precisarem manter a honra.

Falando assim, parece que esses tempos sombrios ficaram bem lá atrás e que coisas tão absurdas já não cabem na sociedade moderna e evoluída de hoje. Dados de uma pesquisa sobre a violência recente apontam que em média doze mulheres são assassinadas todos os dias no país. Em 2017, foram registrados pelo menos 4.473 homicídios dolosos, destes, 946 casos de feminicídio, crime de maior gravidade devido à motivação de ódio pela condição de gênero.

Interrompida

Sempre que um caso de violência contra uma mulher acontece, a humanidade retrocede mais um pouco. Ela pode vir na forma de assédio, abuso, estupro e chegar a níveis extremos como o assassinato. A comoção gerada por ele só não é maior que a dor das famílias que perderam um ente querido por razões muitas vezes fúteis. No Maranhão, em 2016, houve vários casos de violência que ainda ficarão na memória das pessoas por muito tempo, alguns pela forma cruel que aconteceram, dando às vítimas pouca ou nenhuma chance de defesa. Segundo dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública, em 2017, foram registrados 50 casos de feminicídio.

Este ano, até agora, 11 mulheres já foram assassinadas em crimes realizados quase sempre por ex-companheiros inconformados com términos de relacionamento. Nomes como Rosângela de Jesus Gonçalves, de 43 anos, Alanna Ludmila, de 10 anos, Dielli Viana, de 22 anos, ou Maria Jeane Pereira Rodrigues, de 40 anos, não podem ser esquecidos pela violência que sofreram, tendo o valor de suas vidas ignorado por homens que machucaram seus corpos e destruíram suas almas.

Apoio

Quebrar o silêncio e expor casos de abusos, mesmo que se manifestem nas menores formas como o assédio e comentários desrespeitosos feitos no meio da rua, são as maiores armas das mulheres que abraçaram o direito de se sentirem empoderadas e colocar um ponto final em pensamentos e atitudes machistas de outrora. A coordenadora das Delegacias da Mulher, Kazumi Tanaka, comenta que as políticas públicas de segurança das mulheres têm melhorado, e isso faz com que o sentimento de proteção aumente, além de ser um incentivo para que muitas mulheres não fiquem mais caladas diante da violência. “Dentro do sistema de segurança pública, temos vários aparelhos como a Coordenadoria da Mulher, a Patrulha Maria da Penha, Departamento de Feminicídio, as Delegacias da Mulher no estado inteiro e o Plantão de Gênero cobrindo a região metropolitana 24 horas por dia. Isso foi um grande avanço para todos nós e pretendemos avançar para que se consiga proporcionar um ambiente em que a mulher realmente acredite que sua vida possa ser transformada”.

Em 2015, foi aprovada a Lei 13.140, que coloca o feminicídio no Código Penal como circunstância qualificadora do crime de homicídio. O caminho para a mudança de valores ainda é longo e necessita da adesão de todos. A juíza titular da 2ª Vara da Mulher, Lúcia Helena Heluy, diz que a proteção integral das mulheres através de medidas judiciais propicia o progresso cada vez mais legível das ações de proteção e segurança das mulheres. “Àquelas mulheres vítimas, seja de violência física, sexual, moral, patrimonial ou psicológica, a lei prevê a possibilidade de um juiz, em um prazo de 48 horas, conceder as medidas preventivas de urgência, que são, em regra, o afastamento imediato do agressor, a sua proibição de se aproximar da vítima e o estabelecimento de um espaço físico entre o agressor e a vítima”.

Desde a instalação da 2ª Vara Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher em São Luís, a quantidade de Medidas Protetivas de Urgência (MPU) expedidas vem aumentando gradativamente, saindo de 178 MPU em setembro de 2016 para 314 em fevereiro de 2017. A juíza Lucia Helena Heluy diz que esse aumento é fruto de trabalho conjunto entre poderes. “Desde a instalação da 2º Vara, já foram 1.617 medidas protetivas. Eu atribuo esse crescimento a fatores como a maior divulgação do mecanismo e também a inauguração da Casa da Mulher Brasileira, onde oito delegadas estão mandando os procedimentos, o que provoca este crescimento”.

A delegada Kazumi Tanaka ressalta a importância do envolvimento da sociedade não deixando que agressores fiquem impunes quando as vozes de mulheres vítimas são abafadas. “As pessoas têm que entender que não é um problema do outro, é um problema seu também. Elas precisam desenvolver a capacidade de se colocar na pele do outro e tentar sentir o que é a dor do outro. Eu preciso não apenas esperar do Estado a reação, mas fazer minha parte me incomodando, denunciando, estimulando e informando para que as mulheres se libertem dessa situação”.

Recomeço

Acreditar em um recomeço após passar por situações de violência é difícil mesmo para as mulheres mais fortes. Isso acontece geralmente pelo sentimento de culpa que estes crimes geram nas vítimas. Especialistas acreditam que muitos casos passam anos em segredo até que se quebre o silêncio. “Por um misto de medo e culpa, muitas delas passam décadas sem compartilhar a dor com ninguém”, explica a psicóloga Elizabeth Vieira Gomes, do Comitê Nacional de Enfrentamento de Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes.

Segundo a delegada Kazumi Tanaka, esse cenário vem mudando com o passar dos anos, principalmente pelo apoio encontrado por muitas mulheres em redes sociais, e a tolerância cada vez menor da sociedade para crimes desse tipo. “O nível de informação atual das mulheres tem proporcionado o empoderamento. Porque, a partir do momento que ela se informa, descontrói padrões que para ela foram passados como naturais, ela se modifica. As redes sociais têm ajudado consideravelmente pelas campanhas que costumeiramente vemos falando sobre os direitos das mulheres, cultura do estupro, entre tantas outras, o que tem feito com que homens e mulheres tenham despertado maior curiosidade sobre o que é o universo feminino. Tudo isso possibilita que a mulher tenham maior acesso a informação e buscar ajuda em situações que está vivenciando, mudando a sua realidade e a de outras mulheres também”.

Para a juíza Lucia Helena Heluy, a valorização do lugar da mulher na sociedade parte do reconhecimento da sua importância singular e da modificação de padrões sociais que foram ultrapassados. “No meu entendimento, é preciso que haja a construção de uma nova cultura, ou seja, uma nova forma de ver a questão de gêneros, inclusive no relacionamento entre homem e mulher. Porque é exatamente em decorrência desse sistema patriarcal, da existência notória do machismo, que existe a desigualdade, e essa desigualdade acaba criando a falsa ideia de que o homem é mais forte, tem mais diretos e deve se sobrepor à mulher. Se conseguirmos desconstruir isso na criação dos filhos para as próximas gerações, talvez se consiga estabelecer uma vivência mais igualitária entre homens e mulheres”.

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