ENTREVISTA EXCLUSIVA

“Percebemos que a estratégia que usamos não foi correta (…), não tem como pensar em vida se não tiver alimento e remédio em casa”, diz prefeito de Imperatriz

A declaração do prefeito Assis Ramos sobre a reabertura do comércio, quando a cidade chega perto dos 2 mil casos de coronavírus e quase 100 mortes, divide opiniões de entidades de classe e do judiciário.

Em pouco mais de dois meses da confirmação do primeiro caso de coronavírus em Imperatriz, dia 26 de março, a segunda maior cidade do Estado também ocupa a segunda posição na lista das cidades maranhenses com mais casos da Covid-19, atrás da capital São Luís.

Já são 1902 diagnósticos da doença, com 94 óbitos num intervalo de 45 dias, a primeira morte foi divulgada dia 14 de abril, média de 2 mortes por dia. Os dados do último boletim da Secretaria de Estado da Saúde (SES) contabilizaram mais 97 casos e 7 mortes em Imperatriz – que aconteceram nos dias 21, 26 e 27 de maio. O boletim atualmente aponta 92% de ocupação nos leitos de UTI no Hospital Macrorregional, mantido pelo estado, e 100% de ocupação dos leitos clínicos.

Mesmo com a curva ascendente de contágio do coronavírus na Região Tocantina, as medidas de distanciamento social que entraram em vigor dia 24 de março, com o fechamento do comércio em geral, aos poucos foram sendo descumpridas pela população e relaxadas, por força de decreto. “As medidas, sem a devida fiscalização, com a desobediência das pessoas, não estavam surtindo efeito e aí a gente não sabe dizer, infelizmente as autoridades de saúde não sabem, enfim, toda a gestão não sabe que dia essa curva pode ir pro declínio”, declarou o prefeito Assis Ramos ao reconhecer a ineficiência na fiscalização.

O crescimento exponencial da doença e a ocupação dos leitos de UTI quase sempre no limite fizeram o Núcleo Regional da Defensoria Pública de Imperatriz pedir à Justiça o bloqueio total de circulação pessoas e serviços não essenciais, o lockdown. O pedido assinado por doze defensores foi negado pelo juiz Joaquim da Silva Filho, da Vara da Fazenda pública, e a Defensoria ainda recorreu ao Tribunal de Justiça, que mais uma vez indeferiu, no dia 21 de maio. O Ministério Público também ingressou com Ação Civil Pública na Justiça Federal pedindo a suspensão do Decreto municipal nº57/2020, que flexibilizou a abertura do comércio não essencial de forma parcial na semana passada, mas o juiz federal Cláudio Cezar Cavalcantes entendeu, dia 22 de maio, que o julgamento da causa competia à Vara da Fazenda Pública.

Paralelo ao crescimento dos casos e número de mortes, o Decreto municipal nº 60/2020 que entrou em vigor na última terça-feira (27)  flexibilizou ainda mais as medidas de distanciamento nos estabelecimentos que prestam serviços não essenciais, permitindo a abertura de restaurantes, shoppings, academias e templos religiosos, com restrições.

Em entrevista exclusiva, o prefeito de Imperatriz, Assis Ramos, falou sobre as ações para o enfrentamento à pandemia e o impasse com a reabertura do comércio nesse cenário que beira o colapso na ocupação das UTIs, mas que “não adianta a coisa pública, nem o presidente Bolsonaro, nem o Governador Flávio Dino, nem os prefeitos agirem, aumentarem vários leitos de UTI, toda a estrutura possível, se não houver a conscientização da população”.

Leia a entrevista:

A Região Tocantina tem apresentado um significativo aumento no número de casos da Covid-19. A Defensoria e o Ministério Público já pediram o bloqueio de atividades não essenciais, o lockdown, negado pela Justiça. Como o senhor avalia essa celeuma? O Executivo pensa nessa possibilidade?

Assis Ramos – A gente não podem descartar totalmente, mas hoje a gente não pensa nisso. O problema é que nós não temos condições de executar o lockdown. Desde o início a gente adotou medidas restritivas, e as medidas restritivas não tiveram a resposta que a gente quer aqui em Imperatriz, porque nós não tínhamos meios de fiscalizar. Não adianta ter o amparo científico se a gente não consegue executar lá na ponta. O comércio estava funcionando de forma clandestina e nessa clandestinidade as pessoas estavam sendo mais expostas. A gente aumentou a fiscalização, fechamos estabelecimentos, mas não tem como conter, é como se fosse um tsunami e a gente ali sem conseguir conter. Devido à ineficiência dos meios, aí estou me incluindo também [a prefeitura], não estou jogando pro estado. Eu tenho 84 guardas municipais, boa parte deles teve que ir pra casa, pra se tratar porque eles também foram infectados pelo Covid, e a gente não tem condição de executar esse lockdown e nem tampouco as restrições, mesmo que a Justiça decretasse. Claro que eu não ia ser contra a Justiça, ia fazer de tudo como fiz no início da pandemia, um detalhe é uma coisa que tá na teoria, outra coisa é o que está acontecendo na prática e os meios que você tem pra tirar aquilo da teoria e aplicar efetivamente. Eu vejo o lockdown como uma situação bem delicada diante dos instrumentos que nós dispomos.

Imperatriz agora tem 1902 casos confirmados e 94 mortes. De fato era hora de permitir a reabertura de restaurantes, academias, shoppings?

Assis Ramos – Esse pico ele vem constate há tempos, eu lembro muito bem que disseram que depois da semana santa ia ter um declínio. Nós esperamos a semana santa, esperamos até bem mais depois da semana santa, acho que 20, 30 dias, não baixou. Por outro lado, as medidas, sem a devida fiscalização, com a desobediência das pessoas, não estavam surtindo efeito e aí a gente não sabe dizer, infelizmente as autoridades de saúde não sabem, enfim, toda a gestão não sabe que dia essa curva pode ir pro declínio. A economia cada dia que passava fechado ou parcialmente fechado trazia e traz um problema grave para todos. As pessoas que precisam ir pras ruas para trabalhar, para se alimentar não estavam indo, a pressão em cima do prefeito é muito grande, observe: ‘os números estão aumentando, Dr. Assis. Mesmo assim o meu comércio tá fechado, além de eu poder morrer do Covid eu também vou morrer de fome. Meu filho tá aqui doente, como é que eu vou comprar analgésico pra ele?’. Essa é a tônica desse período e essas pessoas estavam reclamando diante da ausência de uma previsão de quando essa curva ia declinar. Esperamos o que podíamos, por isso a gente tomou essa atitude.

Há representantes de classes empresariais de Imperatriz que defendem a volta do comércio mesmo com a incerteza na propagação do vírus. Qual sua avaliação?

Assis Ramos – A gente tem que fazer essa flexibilização com responsabilidade, mesmo sem ter os meios de fazer a fiscalização. A gente tá convencendo o comerciante, convencendo as pessoas que estão diretamente atingidas para que a gente não tenha que retroagir, isso é a grande fala minha. Eu digo pro comerciante, pro empresário, através dos nossos auxiliares e às vezes eu mesmo, pessoalmente: ‘se tu queres ter teu comércio aberto procura ter as medidas, não vende mais clandestinamente, sem o álcool em gel, sem as medidas restritivas, porque essa pandemia ninguém tem controle. Daqui a pouco pode vir um lockdonwn não por mim, mas pelo governador ou mesmo pela Justiça. Os números a gente tem que baixar e você faz parte dessa força-tarefa, não adianta colocar [a responsabilidade] só pro prefeito’. Essa era a minha fala pra eles e a gente acredita que esse censo de responsabilidade tá mais aguçado agora, porque eles sabem que podem ser prejudicados.

Quem faz a fiscalização ao funcionamento de estabelecimentos não essenciais?

Assis ramos – Guarda municipal, vigilância sanitária, a equipe de planejamento urbano, a defesa civil, a polícia militar também, nós fazemos em conjunto. Podemos fazer essa conta rapidinho: não passa de 100. E a polícia militar ajuda a gente eventualmente porque eles já têm uma função muito pesada e eu sei com propriedade, que é a segurança da cidade. Não tem efetivo principalmente pra conter milhares de estabelecimentos. Não é só comércio, são as igrejas, por isso que nós apelamos pra consciência dos comerciantes, dos empresários, e das pessoas que estão sendo atingidas. Todo mundo está sendo atingido, mas principalmente esses que estavam clamando por uma flexibilização.

A que o senhor atribui o grande número de pessoas infectadas em relativamente pouco tempo?

Assis Ramos – À desobediência mesmo, né!? Por mais que a gente esteja tentando conter essa proliferação, na minha análise bem superficial, porque eu não sou um profissional da saúde, é que em dado momento nós vamos pegar também. Eu ainda não tive. O grande objetivo hoje da gestão é não deixar que todo mundo pegue ao mesmo tempo. Só que desde o início, por mais que tenham as restrições, as pessoas não obedecem, sempre ultrapassam o limite. Ontem eu fui fiscalizar uma obra lá no São José, que é periferia, de uma escola que a gente tá reformando, e as pessoas estavam sem máscara. O problema é a falta de conscientização, parece que a população não entendeu. Não caiu a ficha de que é uma coisa bem grave.

Que ações estão sendo desenvolvidas pela gestão municipal para o enfrentamento da doença na cidade?

Assis Ramos – Desde o início a gente juntou esforços no sentido de evitar isso aí, esse colapso, e tentar ao máximo salvar vidas. O Hospital de Campanha pra mim, o primeiro do Maranhão, feito pelo município de Imperatriz – de cara nós abrimos 10 leitos e 69 enfermarias – é ação de maior destaque nosso, mais concreta. Além disso nós reforçamos o cronograma das Unidades Básicas de Saúde (UBS). Eu tinha um cronograma de chamar pra não ter impacto na nossa folha de pagamento, 150 médicos, mas no decorrer do ano, até dezembro, eu tive que chamar 150 logo de cara. Não só médicos, mas enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeuta, todo o corpo de saúde que ia ser convocado para o município durante oito meses, nós chamamos em 15 dias quando deu aquele disparo, aquele alarde todo que ainda hoje continua muito grave. Aumentamos o horário de algumas unidades básicas de saúde pra ficar até às 20h, pra evitar aglomeração nas UPAS, São José e da Bernardo Sayão, que apesar de ser todo estado todo mundo procura ali porque é centralizado. A Guarda Municipal também ia ser chamada paulatinamente, mas nós chamamos logo 84 guardas, o que tinha do concurso, porque a gente sabia que numa eventual restrição não dava pra fazer [fiscalização] só com a vigilância ou com o planejamento urbano, tinha que ter a guarda municipal com o poder de polícia. Essas são as ações macro que nós fizemos, mas essa parceria com o Governo do Estado também existe, eu sempre tô em contato com eles através do Clayton Noleto, que é quem tá coordenando aqui essa situação.

A ajuda estrutural prometida pelo Governo do Estado e pelo Governo Federal no combate ao coronavírus chegou?

Assis Ramos – O Governo Federal dobrou os recursos de média e alta complexidade, que é pra pagar remédios, do Socorrão, da saúde que reabilita, não a saúde preventiva. A preventiva entra no PAB, que é da Atenção Básica. Isso ele  dobrou pra gente, foi uma coisa extraordinária. Inclusive tá vindo uma nova ajuda agora do Governo Federal, acredito que na próxima são 21 milhões, vai ser dividido em 4 vezes. Isso já é uma importância muito grande apesar de ter sido uma compensação. Nós perdemos com ISS, nós perdemos com ICMS, nós perdemos com o FPM, que são as receitas que sustentam o município. Houve uma certa compensação mas a gente tá recebendo menos do que recebia, no geral a arrecadação tá sendo menos do que antes da pandemia. A ajuda do estado chegou com o reforço dos leitos, lógico que se atinge a nossa população, atinge o município também como um todo,  a rede municipal de saúde. Chegou também com o ambulatório, uma ideia sensacional da iniciativa privada que tem o apoio nosso, tem o apoio do Governo do Estado; o reforço na UPA São José, eles mandaram respiradores e aumentou a capacidade de atendimento da UPA São José por conta do apoio do Governo do Estado.

Na seara política, há um descompasso entre a posição do comando dos governos federal e estadual. Como o senhor avalia isso? De alguma forma esse conflito pode prejudicar as cidades maranhenses?

Assis Ramos – Eu acho que não. O Governo Federal tá dando apoio para os municípios diretamente, então não tá tendo impasse. Claro que se tivesse uma união seria bem melhor. O Governo Federal tá vendo os municípios sem o viés da política, eu não enxergo esse descompasso entre o Governo Federal e Estadual que esteja prejudicando a gente, nesse caso.

Os leitos de UTI já chegaram à  lotação máxima embora esta semana tenha tido uma leve  queda. Há previsão de abertura de mais leitos?

Assis Ramos – Leito de UTI é um negócio bem deliciado. Não é só pegar um leito, botar uma respirador e os equipamentos.  Leito de UTI tem que ter profissionais e o médico intensivista não é um médico que você encontra em qualquer lugar, é uma especialidade da medicina bem escassa aqui em Imperatriz. Eu tenho muito receio de dizer que vou abrir 10 leitos de UTIs, e cadê os profissionais? Aumentamos os 10 leitos, o estado também aumentou. Eu acredito que não tem outra saída, é procurar aumentar, mas não posso dizer que o município daqui a 10 dias vai aumentar. O que nós vamos fazer daqui pra frente é tentar atingir de forma eficaz aqueles casos que são tratáveis no primeiro e segundo estágio [da Covid]. Porque essa diminuição [na ocupação de leitos] que tá acontecendo? Por causa do ambulatório. Muita gente que ia direto pra UPA ou então procurava só depois que já estava no estágio grave, foi medicada no ambulatório, nas UBS [Unidades Básicas de Saúde] e acabou se curando. Um ponto importante que tem que ser falado também é que o número de cura aumentou porque houve essa união.

Assim como em São Luís, diante do aumento de casos, podem ser usados leitos da rede privada?

Assis Ramos – A gente já usa. O município tem leitos da iniciativa privada pagos pelo município. O Governo do Estado também já usa. O detalhe é que esses leitos não são suficientes e esse problema de leitos não é uma coisa de agora. Agora se agravou. A gente já tem um déficit de 5, hoje foi aumentando por eles [estado] e por nós, específico pro Covid, mas ainda temos um déficit de 5 leitos do que a gente já tinha e o déficit, em termos de população, é muito grande. Está muito aquém do que a gente precisa pra atender não só Imperatriz, mas a região. É uma coisa que a gente insiste em dizer, se torna até repetitivo, mas a gente não atende só Imperatriz, atende uma região de 800 mil habitantes.

Qual o planejamento para os próximos dias?

Assis Ramos – A gente vai manter esse trabalho no ambulatório. Me fizeram umas reivindicações porque a demanda está grande e surtiu um efeito positivo. Nós não vamos deixar de unir esforços no sentido de não fechar porque foi uma coisa importantíssima, a gente vai tentar manter toda aquela estrutura. Vamos tentar evitar porque seria um retrocesso. Além disso, tem os medicamentos que a gente está adquirindo e vai tentar o mais rápido possível implantar essa distribuição e atendimento nas UBS, Unidades Básicas de Saúde.

Qual a mensagem para a população de Imperatriz?

Assis Ramos – Apesar de ter muitas pessoas que não concordam com essas atitudes que nós tomamos, a mensagem é que não é uma flexibilização geral e não é uma flexibilização movida por pressão política ou qualquer coisa relacionada ao momento que estamos vivendo, que é um período pré-eleitoral. Mas porque nós percebemos que a estratégia que nós usamos não foi a estratégia correta, porque as pessoas além de estarem sendo prejudicadas na sua saúde também estavam sendo prejudicadas nas suas finanças e não tem como pensar em vida se não tiver alimento em casa, se não tiver remédio em casa. Aí a grande mensagem é a de dizer que não liberou geral, as cautelas têm que continuar acontecendo. Porque não adianta a coisa pública, nem o presidente Bolsonaro, nem o Governador Flávio Dino nem os prefeitos agirem, aumentarem vários leitos de UTI, toda a estrutura possível, se não houver a conscientização da população. Se não usar a máscara, procurar não se aglomerar, procurar as Unidades Básicas de Saúde, e as medidas de segurança na saúde têm que ser mantidas.

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