Intolerância Religiosa

Membros da Casa Fanti Ashanti denunciam ataques

Direção da casa de culto afro procurou os órgãos especializados e registrou boletim de ocorrência.

Integrantes de uma igreja evangélica que fica em frente à Casa, proferiam palavras e discursos contrários à religiosidade da Casa de Tambor de Mina.(Foto: Reprodução)

Era um dia de festa para Ogum, na Casa Fanti Ashanti, no bairro Cruzeiro do Anil, mas a festividade foi interrompida por manifestações de pessoas de outra religião.

No domingo, 24, enquanto mães, pais e filhos de santo da Casa se reuniam, integrantes de uma igreja evangélica que fica em frente à Casa, proferiam palavras e discursos contrários à religiosidade da Casa de Tambor de Mina.

A direção já procurou as autoridades e órgãos competentes e registrou um boletim de ocorrência.

A Casa Fanti Ashanti foi fundada em 1954, portanto tem mais de 70 anos. Nos últimos anos, segundo Mailson Jorge dos Santos Costa, ogã da Casa e filho da Mãe de Santo, Mãe Isabel de Xangô com Oxum (Mãe Kabeca), uma igreja evangélica foi construída ali em frente. O ataque de ontem à Casa foi o mais incisivo, mas costumeiramente eles são alvo de intolerância religiosa. 

“Uma pessoa que foi até criada com a gente, mas não sei o que deu na cabeça dela, ela fica incitando algumas pessoas que fazem parte da igreja a ofendendo, insultando, inclusive a minha mãe. Ontem à tarde eles ficaram em frente ao terreiro, com carro de som, catando e dizendo que nossa Casa era do satanás. Aí a gente foi para a porta e eles ainda continuaram, nós filmamos, e eles recuaram”, disse.

O receio é que outros ataques possam acontecer, desta vez, com danos ao patrimônio ou mesmo, que possam pôr em risco a vida dos integrantes. 

“Se vai alguém para o terreiro, eles ficam abordando, mostrando a bíblia, fazendo gestos, eles sempre ficam atacando, xingando, até as crianças já foram alvo deles. Em contrapartida, o terreiro nunca retrucou ou disse algo que pudesse gerar essa confusão. Ontem estávamos em festa, tinha bastante gente, mas nossa preocupação é eles fazerem isso quando tiver pouca gente, e a maioria é idosa, minha mãe tem 68 anos. Do jeito que eles estavam ontem, em cima da calçada, nós ficamos com medo de gerar um conflito ali. Eles querem acabar com o terreiro? ”, indagou Mailson.

A Comissão de Liberdade Religiosa da Ordem dos Advogados do Brasil no Maranhão informou que está acompanhando de perto essa situação, de possível violação de direitos relacionados à liberdade religiosa.

“A comissão já está averiguando e apurando os fatos para requerer as medidas que sejam necessárias perante as autoridades competentes.  A Comissão de Liberdade Religiosa reitera que buscará, como meio de resolução deste possível conflito, o diálogo entre os envolvidos e prestará todo o acompanhamento institucional que o caso necessite conforme as suas atribuições regimentais”, informou Alda Fernanda Bayma, presidente da Comissão da Liberdade Religiosa da Ordem dos Advogados do Brasil.

Denúncias precisam ser formalizadas

No ano passado, em apenas dois meses (junho e julho), foram registradas quatro denúncias de ataques a casas de culto afro e pessoas ligadas a religiões de matrizes africanas na Região Metropolitana de São Luís. Um deles foi no Anjo da Guarda e quase terminou em tragédia.

Vândalos invadiram o Terreiro de Mina Dom Miguel e atearam fogo no espaço. Duas pessoas estavam na casa, e felizmente, nada aconteceu com elas. De acordo com o dono do terreiro, Pai Lindomar, antes o terreiro já vinha tendo sucessivos ataques.

Também o terreiro do Pai João, na Vila Nova, Papai Oxalá e Mamãe Oxum, foi desrespeitado na sua religiosidade. Grupos de outra religião confrontaram o pai de santo na frente de seu terreiro, e ele foi impedido de realizar seu culto.

Em resposta a esses ataques, no mês de julho do ano passado, houve uma reunião com diversos representantes de instituições que combatem a intolerância e defendem os direitos humanos para debater o enfrentamento a esses ataques, principalmente com o apoio, representação e posicionamento das autoridades públicas.

Segundo Alda Fernanda Bayma, as denúncias raras vezes chegam aos canais de comunicação da OABMA.

“Em 2021 tivemos apenas 2 denúncias formalizadas, neste ano, 1 denúncia, sendo que as vítimas estiveram conosco na OAB-MA e foram repassados esclarecimentos e solicitadas informações perante as autoridades, pois, já existe uma demanda judicial em tramitação. No caso acima citado, apesar de ainda não ter tido formalização perante a OAB já está havendo apuração dos fatos para que possamos dar os encaminhamentos necessários com o fito de fiscalizar e coibir atos de intolerância religiosa”, disse a advogada Alda Bayma.

Alda Fernanda Bayma, presidente da Comissão da Liberdade Religiosa da Ordem dos Advogados do Brasil.

As secretarias de Igualdade Racial, de Direitos Humanos e Participação Popular e outros órgãos estão avaliando o caso in loco para se posicionar e dar os desdobramentos que precisam ser feitos.

As vítimas de violações de direitos, que inclui a intolerância religiosa, podem denunciar pelo Disque 100, e ainda buscar a Ouvidoria de Direitos Humanos, Juventude e Igualdade Racial, a Delegacia de Racismo e Crimes de Intolerância, a Defensoria Pública, o Ministério Público, a Comissão da Liberdade Religiosa da OAB.

A OAB orienta que a primeira medida a ser tomada é acionar o 190 na situação de iminente risco e perigo, a exemplo de atos de vandalismo de depredação.

“O registro do boletim de ocorrência com a solicitação de apuração por parte do delegado é fundamental, pois  ele fará um primeiro levantamento dos fatos verificando a ocorrência ou não do racismo religioso, e, encaminhará o inquérito para a justiça com o fit de oferecimento de denúncia por parte do Ministério Público”.

Crime 

Intolerância religiosa diz respeito a todo material escrito, imagens ou qualquer outro tipo de representação de ideias ou teorias que promovam e/ou incitem o ódio, a discriminação ou violência contra qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos, baseado na raça, cor, religião, descendência ou origem étnica ou nacional.

No Brasil, o direito à liberdade de religião ou crença está previsto no artigo 5º, VI, da Constituição Federal, que determina que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”.

Além disso, constitui crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões prevendo pena de reclusão de 1 a 3 anos, além de multa (Lei nº 7.716/1989).

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