COMPORTAMENTO

Tirar selfie em excesso pode ser sinal de distúrbio

A prática da selfie aliada às redes sociais é popular entre os mais jovens. A repetição desmedida desse hábito já não é muito saudável

Quem não gosta de tirar fotos? O período de férias é também época de se realizar diversas atividades. Passeios, shopping, viagens e festas com os amigos completam a agenda, especialmente dos mais jovens, com energia e tempo para aproveitar cada minuto.

E nada mais justo do que registrar os momentos felizes para a posteridade, lembrando-se dos dias memoráveis que trarão risadas e conversas no futuro. Até aí parece que está tudo bem, porém, neste ato tão inocente como tirar uma selfie com os amigos ou sozinho, pode estar escondido um distúrbio sério que tem afetado muitas pessoas atualmente.

A estudante Raissa Alves diz que faz parte do cotidiano. “Eu gosto de tirar fotos, mostrar o que faço, compartilhar com os amigos. Acho que hoje em dia as pessoas têm necessidade de saber o que as outras estão fazendo”, afirma.

O termo selfie está relacionado a uma fotografia, geralmente digital, que uma pessoa tira de si mesma (autorretrato). Com o crescimento cada vez mais exponencial das redes sociais, o termo foi se popularizando, aparecendo de forma recorrente em partilha de fotografias. Em aplicativos como Instagram, são mais de 320 milhões de registros de selfies. Segundo especialistas, esse exagero começa a gerar preocupação com o aparecimento cada vez mais frequente do distúrbio nomeado de selfitis.

Necessidade de atenção

Fatores relacionados à intensa exposição social que se vive hoje são agentes motivadores desse distúrbio, segundo aponta o estudo. O encantamento com o ambiente, competição social, busca por atenção, mudança de humor, autoconfiança e conformismo social foram os seis fatores mais poderosos que, de acordo com a pesquisa, levam a maioria das pessoas a se registrar com câmeras fotográficas e celulares. A necessidade em ampliar o status social para se sentir parte de um grupo também é vista como incentivadora para que o distúrbio de tirar selfies de maneira excessiva cresça. Afirmações como a de que publicar selfies tem o sentido de criar uma competição saudável com amigos e colegas são indicadores de que a pessoa já sofre do distúrbio mesmo que em nível moderado, segundo um questionário com vinte perguntas elaborado pelos pesquisadores do estudo.

Entre outras afirmações, estão: “Ganho muita atenção quando divido minhas selfies nas mídias sociais”; “Reduzo meu nível de estresse quando tiro selfies”; “Eu me sinto confiante quando tiro selfie”; Ou ainda “Sou mais aceito dentro de um grupo quando publico selfies nas mídias sociais”.

A estudante Raissa Alves diz que os jovens são muito competitivos na geração atual, e isso faz com que uma disputa sempre frenética por curtidas seja empreendida por eles nas redes. “Você sempre que ter mais likes e por isso a gente está sempre postando fotos. É meio que uma competição amigável entre aqueles seus amigos de escola, ou da vizinhança. Você tira uma foto, manda no grupo de amigos, posta, espera eles comentarem e curtirem. Isso é comum hoje em dia”.

Imagem na hora certa

O problema em discussão na pesquisa não se refere ao ato de tirar selfies, mas nas agravações que o descontrole deste hábito pode trazer. Um dos problemas de saúde mental que podem estar ligados a esse transtorno é outro conhecido como transtorno dismórfico corporal, problema relacionado à imagem corporal, em que o indivíduo tem uma preocupação exagerada com um ou mais defeitos percebidos em sua aparência.

Quanto mais um cresce, mais o outro também pode se evidenciar, já que ao passo que uma pessoa enxerga em si própria defeitos que ela julga que são notados por outras pessoas que a veem, esta mesma pessoa não se contentará enquanto não tirar a selfie que ela acredita ser perfeita, fazendo um verdadeiro ensaio fotográfico de si mesma.

Para quem está viajando com a família, como o estudante Jadiel Reis, que é da cidade de Codó e veio visitar São Luís, as selfies têm hora e não sobrepõem o momento do encontro familiar. “Às vezes, você está com a família toda unida e só tirando fotos, não vive o momento juntos. Eu estou aqui passeando e a gente tira selfies, claro, para registrar, mas não sou muito de ficar perdendo tempo só com isso”.

Jadiel e família aderiram à selfie para registrar o passeio em pontos turísticos de São Luís.

O que dizem os estudos

Selfitis, termo descrito no International Journal of Mental Health and Addiction, é relacionado a uma desordem que afeta todos os que, inconscientemente, se sentem obrigados a publicar continuamente imagens de si próprios nas redes sociais.

O termo surgiu pela primeira vez em 2014, com o intuito de descrever esta obsessão como uma desordem, em uma notícia falsa que indicava que a American Psychiatric Association iria classificar este distúrbio.

A partir dos boatos, investigadores da Universidade de Nottingham Trent e da Escola de Administração de Thiagarajar, na Índia, decidiram estudar a possibilidade de haver este distúrbio. Os estudos realizados com a participação de 225 voluntários e aplicação de pelo menos 400 questionários apontaram o aparecimento de selfitis determinando indicadores deste distúrbio, numa escala de 1 a 100. Com isso, foi elaborada a Escala de Comportamento de Selfitis, que pode ser usada para avaliar a gravidade nas pessoas afetadas.

Os graus do distúrbio são definidos em três etapas. Iniciando com a chamada Selfitis boderline, que são aquelas pessoas (na borda) que tiram até três selfies por dia, mas que não as publicam em redes sociais. A Selfitis aguda diz respeito àquelas que tiram pelo menos três selfies por dia e publicam uma delas on-line. Já a Selfitis crônica se caracteriza por tirar várias selfies num só dia, sentindo necessidade incontrolável de fazê-lo buscando o melhor ângulo, e publicar mais de seis on-line por dia.

Para a advogada Joseane de Almeida, existem pontos positivos e negativos com a exposição exacerbada que a sociedade vive nos dias atuais. “O positivo é que você tem oportunidade de conhecer novas pessoas, lugares, ser mais sociável, o que é bom para sua vida pessoal e trabalho. Porém, o ruim é que tem casos em que essa exposição é muito grande, tira a privacidade e aumenta a distância entre as pessoas, que ficam limitadas ao contato virtual e algumas ficam obcecadas por ter a foto perfeita no status”.

Segundo ela, que não utiliza as redes sociais, o contato humano ainda é mais importante e não pode ser deixado de lado. “Eu gosto mais do contato pessoal, até acho um pouco chato as redes sociais que já tive. Acho importante você usar quando necessário, mas não deixar que sua vida se limite a expor fotos on-line”, diz a advogada.

Selfie da morte

O vício em tirar a selfie perfeita e arrecadar milhares de curtidas nas redes sociais, às vezes, vai contra um dos instintos mais primitivos do ser humano, o de sobrevivência. Pelo menos foi isso que aconteceu com algumas pessoas que resolveram inovar na hora de fotografar a si mesmas e acabaram perdendo a vida em acidentes. É o caso de um turista japonês que morreu depois de cair das escadas da entrada do famoso monumento Taj Mahal, na Índia, enquanto tirava uma foto de si mesmo. O turista, que estava acompanhado de outras três pessoas, não foi o único a cair. Um dos seus companheiros também tropeçou e quebrou uma perna.

Deleon Alonso Smith, um jovem de 19 anos do Texas, nos Estados Unidos, também morreu em agosto de 2015 depois de um tiro na garganta disparado acidentalmente pela arma com a qual se fotografava.

Quem também teve um fim trágico foi a romena Anna Ursu, de 18 anos, que tentava tirar uma selfie perfeita e acabou eletrocutada em uma estação de trem de Iasi, na Romênia. A jovem decidiu se registrar em um trilho de trem e, ao subir no local, seu corpo ficou em chamas, e uma amiga que a acompanhava foi derrubada pela força da descarga elétrica, conforme publicou o jornal Daily Mail.

São inúmeros casos como estes de pessoas que tiveram consequências seríssimas por conta da ânsia em registrar tudo que acontece em suas vidas. O estudo relata que agora que a existência do transtorno selfitis parece ter sido confirmada, espera-se que novas pesquisas sejam realizadas para entender mais sobre como e por que as pessoas desenvolvem esse comportamento potencialmente obsessivo, assim como o que pode ser feito para ajudar as mais afetadas.

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