“A mulher se liberta, mas o homem continua violento”, diz Delegada Kazumi Tanaka
Em entrevista a O Imparcial, a Delegada Kazumi Tanaka relatou os progressos e desafios no combate à violência contra a mulher
Os números da violência contra a mulher são gritantes: já foram registrados no Maranhão, só neste ano, 29 casos de feminicídio e 13 tentativas, de acordo com o Departamento de Feminicídio da Polícia Civil. Atitudes desempenhadas por parte dos parceiros que geralmente começam com possessividade, busca por controle, evoluem para agressões físicas e podem terminar em assassinato. Em entrevista a O Imparcial, a Delegada Kazumi Tanaka relatou os progressos e desafios no combate ao feminicídio.
Pergunta: Como é que se combate a violência contra a mulher?
Resposta: O que faz com que a gente possa mudar esse quadro é o fortalecimento e estabelecimento de políticas públicas voltadas à reversão desse quadro e ao respeito e à liberdade de cada um sendo cidadão e cidadã. Isso vai fazer com que as pessoas mudem as suas relações e o seu comportamento para, a partir daí, fazer prevalecer o respeito e o direito da igualdade entre o homem e a mulher. Todas essas medidas aliadas ao comprometimento do governo em dar garantias à mulher do seu direito.
P: Tem havido mais denúncias?
R: Não tem aumentado nos últimos anos não. A gente observa que há um leve aumento, mas fica no nível mais estável do número de denúncias que chega. Mas o que a gente percebe, pelo discurso das mulheres que acessam o serviço, é que elas vêm acreditando que a polícia vai fazer com que realmente a sua vida seja mudada. E vieram porque as pessoas as estimularam, porque assistiram uma palestra, porque viram uma entrevistas. Estão vindo porque estão acessando informação e pedindo ajuda.
P: E depois da denúncia?
R: A primeira concepção de justiça que a população tem é a polícia. É o órgão que elas têm como busca de direito. Então, elas vêm em função dessa informação que não tinham até então, e às vezes permanecem naquela relação por falta dessa informação. Se o homem diz: ‘Vai lá, denuncia! Só que a casa é minha e eu quero ver como é que tu vai te virar com teus filhos’, aí ela acredita naquilo. A partir do momento em que ela se percebe que não é bem assim, aí ela realmente procura. Se a gente só abrir inquérito, vai resolver? Não resolve. Eu preciso encaminhar ela pra toda uma rede de atendimento, para o jurídico, para um atendimento multidisciplinar com um psicólogo, um assistente social para ver se ela está inserida nos programas assistenciais do governo, encaminhar ela para uma capacitação profissional…
P: Mas e aí, ela volta pra casa?
R: Depende da situação. Às vezes, ela vem procurar os serviço quando já está separada e o “ex” está inconformado. E se ela disser que onde ele mora está em segurança, tudo bem, mas se ela disser que não, a gente dá a possibilidade de ser encaminhada, com seus filhos, para uma casa-abrigo. Se ela estiver passando por violência doméstica e familiar, pode pedir medida protetiva de urgência, logo ao registar o Boletim de Ocorrência. Ela pode pedir que o juiz determine que aquele agressor não se aproxime dela, que não tenha contato com ela, que ele pague pensão provisória pra ela, que ele saia de casa, e se ele tiver porte de arma, que seja retirado.
P: E tudo isso é realmente cumprido? Porque a gente sabe que mesmo com as medidas, as tragédias acontecem.
R: Primeiro, vamos entender no que essa mulher está inserida. Essa mulher dividiu ou divide ainda a vida com uma pessoa que conhece toda a sua intimidade. Embora separados e com medida protetiva, ele sabe onde ela trabalha, onde moram pai e mãe, a parada do ônibus que ela pega, os horários dela, sabe o horário que pega os meninos na escola. Tem conhecimento amplo de todos os passos da vida dela. Ele sabe de todas as informações que são privilegiadas. O que o estado disponibiliza é a medida de proteção. Caso ele não obedeça, o que nós temos é a Patrulha Maria da Penha como estratégia para poder monitorar, acompanhar como essas mulheres estão após a medida de proteção determinada pela Justiça. É um mecanismo que foi estendido para Imperatriz. No primeiro dia de trabalho, já prenderam três homens. É um mecanismo que é interessante, porque imagina: ela está em casa e chega a Patrulha e disponibiliza atendimento. E o homem agressor fica com medo, porque ele é covarde.
P: E sobre o homem agressor?
R: Vendo essa situação, a Lei Maria da Penha previu que os estados poderiam criar centros de ressocialização dos agressores, porque a mulher se liberta, mas o homem continua violento. Não vai ser a reprimenda do Estado que vai fazer com que ele mude. Por isso que tem essa possibilidade do Centro, que ainda não temos aqui. O que temos aqui, como experiência também exitosa, é um trabalho na Vara da Mulher. onde tem um grupo reflexivo. Lá, eles fazem reuniões periódicas com homens que foram identificados como praticantes de violência familiar e doméstica contra a mulher. Tem um acompanhamento de psicólogo, assistente social durante determinado tempo, e aí eles vão colocando as questões. Durante alguns meses, são acompanhados e questionados sobre o porquê daquela violência. A experiência é altamente positiva. Os conceitos que eles tinham antes são diferentes depois do acompanhamento, mas não é uma coisa fácil de desconstruir.