Entrevista / Pedro Almeida

“O karatê é o meu maior patrimônio”, conta mestre Pedro Almeida

Considerado uma referência no ensino da prática do karatê no Maranhão e no Brasil, o mestre e professor Pedro Almeida fala sobre a sua vivência ao longo de mais de quatro décadas na arte marcial

Sensei Pedro Almeida academia Budokan

Reprodução

O karatê é um esporte-arte fundamentado nos princípios do respeito mútuo e equilíbrio corpo/mente, de forma a buscar a elevação do caráter e harmonia no convívio social procurando sempre a correção dos erros numa visão de autoestima e respeito ao próximo. E é com base nestes princípios filosóficos do karatê, com trabalho e dedicação, que o mestre e professor Pedro Almeida se dedica há 46 anos à prática do esporte em São Luís.

O Sensei (palavra em japonês usada como um título honroso para tratar com respeito um professor ou um mestre) começou a treinar arte marcial, que hoje é reconhecida como esporte, aos 18 anos, com José Ribamar Alves, um pioneiro do karatê na Ilha.

Em entrevista a O Imparcial, Pedro Almeida, professor de karatê e proprietário da Academia Budokan, que em março completou 40 anos, revelou como foram seus primeiros passos no esporte, as dificuldades que enfrentou, os seus sonhos, a importância do karatê em sua vida e outros assuntos. Confira a entrevista na íntegra.

O Imparcial: Como o senhor descobriu o karatê?

Pedro Almeida: Eu comecei a treinar com um dos pioneiros do karatê aqui em São Luís. Eu tinha 18 anos, quando voltei do Rio de Janeiro, onde eu passei três anos. Eu estudava no Liceu Maranhense, quando um amigo meu me perguntou se eu não queria treinar karatê. Eu já tinha treinado cinco meses de judô no Rio, em um clube do Banco do Brasil que ficava no bairro da Tijuca. E estava querendo fazer uma prática esportiva. Isso me despertou. Eu nunca fui bom de bola, de futebol, de vôlei e não me adaptei muito aos outros esportes, mas me chamou muito a atenção o karatê.

Fui e me inscrevi no dia 3 de junho de 1973 na escolinha de karatê que funcionava no Ginásio Costa Rodrigues. Nessa época, Claudio Vaz dos Santos, que foi um grande arquiteto do esporte no Maranhão, era o coordenador de esporte do Costa Rodrigues, que tinha todas as modalidades, inclusive o karatê. As aulas eram dadas pelo mestre José Ribamar Alves, que a gente chamava carinhosamente de professor Zé. E aí comecei a treinar.

E como foi mergulhar no universo do karatê?

Foi muito interessante. Ao longo dos quatro anos que eu treinei com professor Zé, percebi que o seu karatê era muito forte. Treinava de uma forma muito contundente e, por conta disso, muitos não gostavam. Muitos abandonaram o karatê. Eu via a evasão. E fico me perguntando por que aquilo acontecia.

De repente, em um dia, eu olhava 100 alunos. E no outro dia, eu olhava o mesmo número, mas não eram as mesmas pessoas que estavam treinando karatê e aquilo me chamou a atenção. Mas eu não tinha despertado o interesse de ter uma academia própria. Treinei com ele no Costa Rodrigues e na academia dele. Depois, eu comecei a perceber que o karatê poderia ser treinado não só pelas pessoas da comunidade e da classe média. Eu me perguntava o que faltava para que essas pessoas da classe alta treinassem o karatê. Alguma coisa está errada. Daí sim! Comecei a despertar a ideia de ter meu próprio Dojô (sala de treinos) onde eu pudesse passar o karatê de uma forma mais amena, não esquecendo a linha do karatê, mas que ele fosse menos chocante para quem olhasse. E no dia 3 de março de 1978, eu comecei a dar aula de karatê na Budokan.

Ao longo desse tempo, a gente buscou fazer um karatê melhor, onde todos pudessem praticá-lo, a criança, o adolescente, o juvenil, adulto, assim como as mulheres. Graças a Deus, a maior prova de que trabalhamos corretamente são estes 40 anos trabalhando e vivenciando o karatê todos os dias.

E quais foram suas maiores dificuldades?

Eu cresci fazendo o karatê. Tudo que eu tenho na minha vida quem me deu foi o karatê. Até a minha própria família. E graças a Deus, toda a minha família gosta de karatê, meus filhos, meus netos. Ao longo desse tempo, a gente não viveu só de rosas. Tivemos algumas dificuldades que a gente superou que fez com que o karatê fosse visto de uma forma mais adequada, onde todo mundo pudesse treinar, todas as classes sociais.

Hoje eu me sinto uma pessoa realizada. Lógico que não vou parar com 40 anos. Quero ir muito mais além. Na minha vida, eu fui vereador na minha cidade de Mirinzal por dois mandatos. Realizei o grande sonho da minha vida que era ser piloto de avião. Piloto privado. Meu sonho era chegar voando sozinho na minha cidade para mostrar que fui eu que levei o avião e eu que pousei e que decolei. Isso eu fiz inúmeras vezes. Mas eu era piloto, vereador e professor de karatê. A política não me agradou. Voar foi um sonho que realizei. Mas eu optei pelo karatê, que se transformou em meu maior patrimônio.

E hoje como o senhor vê o karatê?

O karatê hoje é treinado com mais responsabilidade. Não que ele não fosse antes. Mas hoje os mestres têm um cuidado maior com quem o pratica, para que não se machuque e machuque o outro por violência. O karatê é uma arte marcial que te dá disciplina, melhora o teu caráter, te dá uma formação, te torna mais humano, te lapida, te dá respeito. Hoje eu sou conhecido no Brasil inteiro. O karatê, como eu disse, é o meu maior patrimônio, pois foi ele que me deu a minha família, amigos e meus alunos. Fui várias vezes surpreendido em São Paulo e no Rio de janeiro por pessoas que treinaram comigo na infância e que me reconheceram. Fico gratificado em ser uma pessoa conhecida. Me tornei uma pessoa pública, e isso é muito bom. Hoje encontro pais e alunos que até hoje me agradecem por ter vivido o karatê, e isso não tem preço.

O karatê virou esporte olímpico. Como o senhor vê este reconhecimento?

O karatê já devería estar nas Olimpíadas há mais tempo. Fico feliz de ter contribuído de alguma forma para que o karatê hoje seja visto como esporte, participando das Olimpíadas de Tóquio 2018. Esta foi uma batalha de muitas pessoas, de muitos mestres que lutaram para esta conquista. O karatê cresceu e hoje é reconhecido como esporte e não só como arte marcial. Eu fico muito feliz de estar vivo e ver o quanto o karatê se desenvolveu.

Qual é hoje a sua graduação dentro do karatê?

Dentro das artes marciais existe o sistema de graduação que é feito por faixas e Dan, que são graus maiores dados às pessoas que praticam o karatê de forma mais profunda mediante a um exame. Hoje no karatê existe até o 10º Dan, onde só os grandes mestres que recebem essa graduação. Se um mestre ele está no nono Dan e ele morre, automaticamente é oferecido a ele o 10º Dan. Hoje eu sou 6º Dan. Até o sexto Dan, é obrigatório passar por um exame de faixa para uma banca com três mestres de graduações duas vezes superior àquela que você está se submetendo. Quando eu fui fazer exame para 5º Dan, na minha bancada tinha mestres com graduações de 7º, 8º e 9º Dan, por aí você vê o grau de exigência do karatê. Já quando fui fazer exame para 6º Dan, eu não fui submetido a um exame de faixa.

Eu tive que fazer como uma espécie de monografia sobre o karatê e falar especificamente de um assunto. Esse trabalho monográfico, digamos assim, também passa pela mão de três mestres que fazem toda uma avaliação, não só do trabalho escrito, como o seu currículo, sua vida pregressa, sua conduta dentro do karatê. Eles acompanham tudo sobre você. A pessoa não pode ter nada que desabone sua conduta. Nada juridicamente que vá de encontro a você. Você tem que ter uma vida ilibada. A gente tem um trabalho de 46 anos como karateca e 40 anos na Budokan, e a graduação de 6º Dan.

Pedro Almeida – mestre faixa preta . Foto: Gilson Teixeira/OIMP/D.A Press.

Quem foi a sua inspiração e o grande mestre no karatê que o senhor tem admiração?

A minha grande inspiração na realidade foi o meu professor José de Ribamar Alves, que a gente chamava de professor Zé. Ele era excelente. Mas tinha a sua maneira forte e contundente de ensinar karatê. Ele em si me inspirou muito. Depois do professor Zé, eu tive que trazer muitos mestres para que nós que fazemos e vivemos o karatê pudessemos estar crescendo. Eu trouxe para São Luís mais de quinze mestres para Ilha, além de fazer fora do estado cursos de aperfeiçoamentos. Um grande professor que eu tive o prazer de conhecer e ter um bom relacionamento, que eu senti que gostava muito de mim e que existia uma reciprocidade, foi o professor Takashi Shigeeda. Ele era uma pessoa excepcional que infelizmente nos deixou ano passado.

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