EDUCAÇÃO BÁSICA E A CRISE DA COVID-19

Inadimplência e cancelamento de matrículas provocam demissões em escolas do Maranhão

Professor de Direito esclarece como funciona o cancelamento de matrícula; escolas também têm direitos.

Foto: Divulgação

“Eu não poderia continuar pagando um serviço que não estava sendo necessário, né? Tenho que economizar neste momento, ainda mais porque o meu marido ficou desempregado. Está sendo muito difícil para todos nós”, conta uma mãe que prefere não se identificar, sobre a retirada da sua filha de três anos de idade da escola onde estava matriculada até pouco tempo atrás.

Por causa da pandemia, o mundo está vivendo um período de crise e de constantes adaptações. Várias pessoas ficaram desempregadas, planos foram interrompidos e as instituições de ensino suspenderam as aulas presenciais. Sem o suporte do ambiente escolar para o desenvolvimento social e afetivo dos pequenos, muitas famílias, especialmente as que têm crianças de 0 a 3 anos de idade, têm optado por retirá-las da escola, cancelando as matrículas.

“Quando eu conversei com a diretora, ela tentou me fazer mudar de ideia, até me deu um desconto na mensalidade, mas não tem como pagar por um ensino que não está sendo repassado. Minha filha tem 3 anos, ela não vai conseguir se concentrar na aula on-line“, explicou H.C, que resolveu cancelar a matrícula da filha no início de junho. “Eu até demorei para tomar essa decisão porque achei que tudo iria se normalizar, mas, pelo visto, esse ano já ‘acabou’ mesmo”, acredita a empresária.

Inadimplência 

A pandemia do novo coronavírus causou diversos estragos financeiros

São inúmeros os motivos que estão levando os responsáveis a tomarem essa decisão, porém, sem dúvidas, o aperto financeiro decorrente da crise econômica provocada pela pandemia é o principal deles.

Dados divulgados pela Federação Nacional das Escolas Particulares (FENEP), uma das entidades que representam os estabelecimentos particulares de ensino do Brasil, aponta que a inadimplência teve um aumento significativo este ano, passando de 9% para 35% em todo o país.

No Maranhão, com a debandada dos alunos da educação infantil e com a inadimplência, cerca de 4 mil professores da educação básica devem ser demitidos, de acordo com um estudo de impacto econômico da crise da Covid-19 encomendado pelo Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Maranhão (SINEPE-MA), filiado à Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – outra entidade que representa o segmento nacionalmente.

“Era esperado o aumento da inadimplência, mas em patamares menores, pois, temos a convicção de que a educação de nossos filhos é obrigatória. Porém, os números têm sido altos e têm se concentrado majoritariamente nas creches e na educação infantil”, conta Paulino Pereira, presidente do SINEPE-MA.

“Sabemos que 60% das escolas particulares em nosso estado possuem um número na faixa de 160 alunos e a maioria está enfrentando seríssimas dificuldades que, segundo estudo de análise de impacto encomendada pelo SINEPE, poderá atingir o universo de 45 mil estudantes e provocar aproximadamente 4 mil demissões de professores no ensino básico”, informa o presidente.

Paulino Pereira presidente do SINEPE-MA

O que diz a lei

De acordo com a Lei de Diretrizes Básicas da Educação, o responsável só é obrigado a matricular a criança na escola a partir dos 4 anos de idade, o que explica a evasão escolar no maternal. Entretanto, antes de retirar o estudante da escola, é preciso ficar atento à legislação, principalmente aos direitos e as obrigações do consumidor.

“A pandemia é um fato extra vontade dos contratantes, mas, no caso de desistência após o início das aulas, entende-se que pode ser cobrada uma multa pactuada no contrato. Porém, o CDC [Código de Defesa do Consumidor], em seu artigo 6º, inciso V, prevê que também é direito básico revisar cláusulas  contratuais em razão de fatos supervenientes. Ou seja, a cláusula que prevê a multa  pode ser modificada em meio a uma situação excepcional”, esclarece o professor de Direito Claudson Santos.

As instituições de ensino que se sentirem lesadas com os cancelamentos também têm os seus direitos assegurados pela lei.

“Diante deste cenário, as instituições devem aplicar o princípio da conservação dos negócios jurídicos, visando a manutenção dos contratos, uma vez que a prestação de serviços continua sendo realizada, não havendo inadimplemento por parte das instituições de ensino. O rompimento contratual não pode ser justificado apenas pelo fato da pandemia; mas as partes poderão entrar em acordo analisando a situação de cada contratante”, destaca Santos.

Professor de Direito Claudson Santos

Efeito dominó

E sem o recebimento das mensalidades, as escolas não conseguem pagar os professores, ocasionando as demissões.

“Fui contratada em janeiro e dispensada em maio, uma decisão que me abalou muito, pois eu estava animada com o meu novo emprego e com todos os benefícios que eu estava recebendo”, conta B.C, que também prefere não se identificar. “Antes da demissão, todos os funcionários foram colocados de férias, mas assim que elas acabaram, recebi um telefonema que me informou sobre o meu desligamento”, detalha.

B.C, que está desempregada há dois meses, atualmente trabalha vendendo artesanato, uma opção que surgiu diante da crise.

“Tem sido um momento complicado, por isso acabei abrindo uma lojinha de artesanatos. Também tenho dado aulas particulares remotas para dois alunos, forma que eu encontrei de continuar a fazer o que eu gosto”, diz a professora que não desanimou e tem participado de vários processo seletivos.

Em casa

Sem previsão de qualquer volta das atividades escolares neste ano, a mãe que falou lá no início da reportagem vai ensinando a filha em casa, com a ajuda de livros e desenhos educativos.

“Tenho tirado um horário, todos os dias, para estimular o aprendizado dela, já que ela não vai à escola há bastante tempo. No início, foi um pouco difícil, mas agora já peguei a prática. Não vejo a hora de voltarmos para a nossa rotina”, desabafa.

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