CORONAVÍRUS

Veja os principais efeitos após dois meses de isolamento

O governo decretou as medidas de isolamento social. O que dá para dizer sobre algumas dessas ações?

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Passados dois meses do primeiro caso confirmado do novo coronavírus no Maranhão, o que podemos observar das principais medidas implementadas até agora? Qual a situação do Maranhão? Em dois meses o Governo Federal emitiu mais de 28 Medidas Provisórias (MPs), e, por aqui, o governo decretou as medidas de isolamento social. O que dá para dizer sobre algumas dessas ações?

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O auxílio emergencial e o crédito às empresas

Até agora, o Governo Federal conseguiu cobrir 86% dos potenciais beneficiários que podem ser atendidos com o espaço fiscal criado no orçamento, que, em tese, somam 58 milhões de pessoas. Contudo, a estimativa dos que necessitam desse auxílio beira os 80 milhões, o que significa que, embora o auxílio emergencial consiga ser de ampla cobertura, ainda ficarão de fora pouco mais de 20 milhões de pessoas! Por enquanto, o programa custa cerca de 2% PIB (soma da riqueza gerada numa economia em certo período), o equivalente a 5 programas Bolsa Família. A dúvida importante que fica é a capacidade do auxílio em sustentar a atividade econômica com a recomposição parcial da renda perdida.

Potencialmente, essa capacidade é de pouco mais da metade da redução verificada na renda. Ao final de 2019, a massa de salários da economia (desses beneficiários) correspondia a R$ 64,2 bilhões/mês, com o auxílio, passará a R$ 35,5 bilhões. Mas, quando consideramos o grupo de pessoas que estão fora do Bolsa Família, essa reposição alcançará apenas de 37% do rendimento habitualmente recebido antes da crise sanitária. Portanto, mesmo com o auxílio emergencial a massa de salários desse grupo sofrerá queda de quase 2/3. Essa situação é ainda mais agravada pelo processo sistemático de destruição de postos de trabalhos e o lento ciclo de recuperação econômica que deverá ocorrer. Daí o debate atual que começa a se formar pela perenidade do programa, que, também, já encontra barreiras em função do elevadíssimo custo fiscal.

No tocante as concessões de crédito, até o dia oito de maio, chegaram a impressionantes R$ 540,3 bilhões (7,2% do PIB!). Destes, 70% foram novas contratações. De fato, o volume é impressionante, e foi superior em 81% ao registrado entre março e abril de 2019. Do total destinado às empresas, 74,4% foram tomados pelos grandes empreendimentos e 14,8% pelas médias empresas. As micro e pequenas empresas tomaram apenas 10,7% das novas concessões de crédito, refletindo o problema de sempre: concentração e desigualdade no acesso. Este último tem sido agravado pela necessidade de garantias colaterais exigidas dos varejistas, que tinham, nos recebíveis de cartões de crédito, o principal ativo para dar em garantia. No entanto, esse ativo foi drasticamente reduzido em função das medidas de isolamento, dificultando as garantias necessárias ao crédito.

Contudo, o mais importante a se destacar é o total fracasso do programa de financiamento da folha de pagamento às empresas. Apenas 3,7% dos R$ 40 bilhões do programa de crédito foi usado. Esse projeto foi um dos primeiros instrumentos anunciados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, com potencial para atender cerca de 1,4 milhão de empresas e 12 milhões de trabalhadores. No entanto, até o momento chegou a apenas 4,5% dessas empresas e a somente 8,3% desses trabalhadores!

O fracasso do programa foi, provavelmente, causado pelo desenho equivocado da assistência às micro e pequenas empresas. Utilizou-se de dois instrumentos concorrentes entre si: a MP n° 936/2020 abriu a possibilidade de redução de salário e jornada de trabalho ou mesmo a suspensão do contrato de trabalho, mas com a manutenção do emprego, e ofertou crédito para cobrir a folha de pagamento. O primeiro (necessidade de manutenção do emprego) acabou desestimulando a contratação do segundo (crédito): quem se endividaria para sustentar a folha de funcionários com incertezas sobre o faturamento?

O gasto para saúde pública ainda é muito tímido

Do ponto de vista do financiamento à saúde é importante deixar claro que, ao longo dos anos, o Sistema Único de Saúde (SUS) sofre com o subfinanciamento crônico, o que foi agravado pela aprovação da Emenda Constitucional n. º 95 (Teto dos Gastos), que, pelas novas regras, fez a saúde pública perder R$ 22,48 bilhões, entre 2018 a 2020. Apesar dessas dificuldades, o SUS ainda é uma arma fundamental no combate à Pandemia do Covid-19.

A partir da análise dos dados do Orçamento Federal para enfretamento da Pandemia de Covid-19, até o dia 16 de maio, dos R$ 255,83 bilhões autorizados apenas R$ 87,72 bilhões tinham sido efetivamente pagos. Do montante pago, apenas R$ 8,47 bilhões, ou seja, cerca de 9,65%, foram destinados ao “enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”.

Outro fato preocupante é que a primeira abertura de crédito extraordinário, não foi, necessariamente aporte de recursos novos, mas foi resultado de remanejamento de recursos da atenção básica de saúde e assistência hospitalar e ambulatorial, cerca de R$ 4,8 bilhões, para o combate à crise sanitária. Assim, resta claro que o Governo Federal precisa abandonar sua atuação tímida e ampliar, efetivamente, os gastos em saúde, dando maior celeridade aos desembolsos necessários ao enfrentamento à pandemia.

A situação da Covid-19 no Maranhão

A experiência da Covid-19 no Maranhão é duríssima. O Governo do Maranhão decretou lockdown a partir do cinco até o dia 17 de maio. Até o dia quatro, tínhamos registrado 4.530 casos confirmados e 271 óbitos. Quando comparamos com os dados do dia 18 de maio, temos 14.198 casos e 604 óbitos. Isso significa uma elevação de 313,42% nos casos confirmados e de 222,87% nos óbitos.

Pegando a variação da contaminação – que é uma forma de localizar a circulação da Covid-19 pela população – e dos óbitos nos últimos 30 dias, podemos verificar que no dia 18 de abril tínhamos 1.205 casos e 48 óbitos no Maranhão, a uma taxa de letalidade de 3,9%. Trinta dias depois, 18 de maio, os números da Covid-19 se alteraram para 14.198 casos confirmados e 604 óbitos, ou seja, um índice de 1.178,26% nos casos confirmados e 1.258,33% dos óbitos.

Os dados indicam que há uma tendência à difusão da contaminação pelo continente do Estado. Por que esse número é preocupante no caso do Maranhão?

Segundo o censo de 2010, 62,67% dos municípios estão agrupados na faixa populacional de até 20 mil habitantes, embora isso represente cerca de 25,85% da população. Temos hoje no Maranhão casos confirmados em 201 dos 217 municípios do Estado, isto é, 92,63% dos municípios existentes. O Maranhão tem hoje – dados do dia 19 de maio –, 15.114 casos confirmados, 634 óbitos e taxa de letalidade de 4,19%.

Mesmo com a adoção de medidas mais duras de lockdown e rodízio da frota ativa de veículos, os dados extraídos do Índice de Isolamento Social indicam que tivemos em média apenas 45,68% de isolamento social no período do lockdown. Estamos bem distantes do percentual aceitável para uma situação crítica, que é delimitado em torno de 70% de isolamento social. Na prática, as medidas do governo não têm impactado de maneira mais decisiva sobre a redução da circulação das pessoas, logo, sobre a circulação do vírus. Aspectos culturais e a presença de teorias negacionistas adotadas pelo governo Bolsonaro contribuem, sobremaneira, para o relaxamento social das pessoas comuns.

Diante dos números que atestam a evolução da Covid-19, o Maranhão é o terceiro estado com mais casos e óbitos no Nordeste, ficando atrás apenas do Ceará (29.043 casos e 1.856 óbitos) e Pernambuco (21.274 casos e 1.745 óbitos). No comparativo com o país, o Maranhão está na sétima colocação, atrás de São Paulo (66.049 casos e 5.147 óbitos), Rio de Janeiro (27.813 casos e 3.080 óbitos), Amazonas (22.132 casos e 1.491 óbitos) e os estados do Nordeste já citados.

Não é possível ainda garantir o impacto das medidas mais recentes adotadas do Maranhão. Porém, a experiência internacional aponta que a flexibilização das medidas de relaxamento social potencializa a circulação do contágio e pressionam o sistema de saúde. A situação dos leitos no Maranhão é delicada, pois a taxa de ocupação dos leitos de UTI é de 92,89% e dos leitos clínicos de 75,86%, isso considerando toda a Região Metropolitana de São; em Imperatriz 94,29% e 86,36%, respectivamente; e nas demais regiões 75,56% e 66,06%.

Os dados mostram que 54,1% dos maranhenses vivem com menos de R$ 406 por mês; além disso, mais de 81% não têm acesso a saneamento básico adequado, contra a média nacional de 35,9%. Para 29,2% dos maranhenses, não há abastecimento de água tratada. Como podemos ter a adoção em larga escala de home office na realidade do Maranhão, quando o Estado tem o maior percentual de trabalhadores informais do país: temos apenas 64,9% dos trabalhadores ocupados, em dados de 2018. Outro dado importante é que apenas 300 mil pessoas têm acesso a planos de saúde, de uma população de cerca de 7 milhões de pessoas.

Portanto, embora ainda seja muito prematuro para uma conclusão sólida, é inegável que a trajetória dos efeitos iniciais demostra ainda uma relativa timidez das políticas de enfrentamento à pandemia da Covid-19.

*Doutor em Desenvolvimento. Prof. Adjunto do Departamento de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioeconômico da UFMA.

**Doutorando do PPGPP-UFMA e Prof. do Departamento de Economia da UFMA.

***Mestrando do IE/UNICAMP-SP

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