A rua explica

Quatro avenidas da cidade e as histórias que contam

Os 405 anos de São Luís podem ser contados através dos nomes que batizam quatro grandes avenidas da cidade

Reprodução

São Luís é uma cidade histórica. Não apenas o seu Centro, a cidade antiga, mas toda ela está cercada de vultos que recontam o passado de mais de quatro séculos todos os dias, mesmo com o vaivém da modernidade tecnológica. Um exemplo disso são os nomes adotados em quatro grandes avenidas da cidade, que sequer passam pelo Centro Histórico: São Luís Rei de França, Jerônimo de Albuquerque, Colares Moreira e Daniel de La Touche.
Esses homens, cada um figurando em um momento único da história da cidade, e do Maranhão, remontam a um tempo onde não existiam carros, onde o tempo parecia passar mais devagar e entraram para a história e, mais tarde, para os topônimos urbanos.

Reis e Santos

Antes mesmo de o Maranhão ser chamado assim, antes mesmo de Américo Vespúcio, Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral lançarem-se ao mar para o “Novo Mundo”, viveu Luís IX, da dinastia de reis franceses Capeto, o São Luís, um dos seis santos da Igreja Católica com este nome, segundo historiadores, mas o único que foi também um monarca, canonizado em 1297 pelo papa Bonifácio VIII.

À época da tomada da região pelos franceses, era Luís XIII ou Luís, o justo, que ocuparia o trono da França, era uma criança sob regência de sua mãe Maria de Médici, “uma católica intransigente” até sua morte em 1643. Sob seu reinado, a França conheceu um período de “robustecimento das empresas navais, sobretudo coloniais, com destaque para a França Equinocial”, como explica Luís Fabiano de Freitas Tavares, em sua tese O Novo Mundo Na França: Discursos Poderes.

A quantidade de monarcas com o mesmo nome causou certa confusão tanto em estudiosos quanto na população maranhense, mas como explica o Professor Carlos Aberto Ximenes, do Departamento de História e Geografia da Universidade Estadual do Maranhão – Uema, de fato o nome do forte, e mais tarde o nome da cidade, são uma homenagem à Luís IX. “Na realidade o nome do forte é dado em homenagem a Luís IXrei devotado a religião que foi canonizado pelo papa Bonifácio VIII em 1297. Luís XIII era uma criança quando Daniel de La Touche chega ao Maranhão a regente do trono é sua mãe Maria de Médici. E a igreja católica não o canonizou”.

O Professor também contou que sob o comando de Jerônimo de Albuquerque o nome do forte mudou para São Felipe, em homenagem à Felipe III de Espanha, voltando mais tarde para São Luís. O vai e vem é retrato tanto da expulsão dos franceses quando da ascensão e esfacelamento da União Ibéria. “Acredito que, após o fim da União Ibérica (1580-1640), era preciso apagar algumas marcas do período, no caso, a referida homenagem ao soberano es-panhol. Em segundo, era interessante para os colonos do Maranhão manterem viva na me-mória que eles ou os seus ancestrais foram responsáveis pela expulsão dos franceses como uma forma de obter dividendos políticos e econômicos de tal fato”.

O sonho da França Equinocial

Diretamente responsável pelo nome da cidade, Daniel de La Touche, Senhor de La Ravardiè-re (nome também do Palácio onde fica a Prefeitura Municipal de São Luís), foi o Lugar-tenente general da Marinha francesa do século XVII. Nobre e protestante, ele atuou sob o comando da rainha regente Maria de Médici em 1612, dando início às pretensões de coloni-zação do Norte do Brasil. As terras além-mar que seriam chamadas de França Equinócial (em referência ao antigo nome pelo qual era conhecida a Linha do Equador).
Foi ele quem organizou a construção da estrutura de madeira sob o nome de “Fort Saint Louis”, o Forte de São Luís, em homenagem ao Santo Rei Luís IX.

As ligações entre as terras não colonizadas e a França repercutem até hoje, seja nos nomes citados, seja nas recentes comemorações de 400 anos de São Luís, em 2012, com a inaugura-ção de um busto de La Touche, em Cancale, na França, onde nasceu o personagem histórico. La Touche era um francês protestante, parte dos chamados huguenotes, e mesmo que seja este um nome utilizado para caracterizar os protestantes durante as guerras religiosas da França no séc XVI, o lugar-tenente general estava sob comando de uma rainha regente cató-lica bastante devota.

Dessa relação de poder e econômica entre católicos e protestantes nas-ceu o nome do Forte de São Luís, como explica o professor Ximenes. “O nome escolhido para o forte, na minha opinião, era uma forma a mais de obter o apoio da família real para o em-preendimento e também uma forma de agradar os sócios católicos que financiaram o em-preendimento”, disse Ximenes.

O milagre da pólvora

Jerônimo de Albuquerque Maranhão é conhecido como o capitão-mor da conquista e coloni-zação portuguesa no Estado, filho do colono português, Jerônimo de Albuquerque, e de uma índia pernambucana, Maria do Espírito Santo Arcoverde. Albuquerque Maranhão foi o princi-pal orquestrador da expulsão dos franceses do Maranhão. Lutou a Batalha de Guaxenduba, em 1614, diante do Forte de Santa Maria, hoje município de Icatu, contra as tropas de Daniel de La Touche, outro nome constante em nossa história. Jerônimo de Albuquerque lutou ao lado de índios flecheiros, que o ajudaram a provocar baixas nas tropas francesas e posterior-mente a desistência das mesmas.

Durante a batalha de expulsão dos franceses, teria acon-tecido o que entrou para o conjunto de lendas do Maranhão o “Milagre de Guaxenduba”, contado no livro História da Companhia de Jesus na Extinta Província do Maranhão e Pará, escrito em 1759, mais de 100 anos depois da batalha de expulsão dos franceses, onde o pa-dre José de Moraes relata a aparição de Nossa Senhora da Vitória entre os batalhões portu-gueses, o que teria reavivado o ânimo das tropas e, principalmente, agido diretamente de forma sobrenatural ao transformar areia em pólvora e seixos em projéteis. Pelo Milagre de Guaxenduba, a santa é padroeira de São Luís, e aparece ao lado do herói português, retra-tando a lenda, em um monumento colocado na avenida Jerônimo de Albuquerque, no tre-cho que corta o bairro do Vinhais. Em reconhecimento aos seus serviços, Jerônimo de Albu-querque Maranhão foi nomeado capitão-mor da Capitania do Maranhão. Ele faleceu em 1618, no Engenho Cunhaú, no Rio Grande do Norte, onde está enterrado até hoje.

Atos de poder

Colocar nomes de personalidades da história nacional e do estado nas ruas anda longe de ser uma escolha popular, mas um ato de poder imposto pelas instâncias de governo, segundo o geógrafo Luiz Eduardo Neves dos Santos, professor mestre na Universidade Federal do Ma-ranhão – UFMA, ainda que seja um processo “fundador de identidades, narrativas e discur-sos”. “Os nomes das grandes avenidas de São Luís foram criados via poder público municipal (decretos ou leis) com intuito de homenagear figuras que ajudaram na formação histórica inicial de São Luís, daí termos nomeações de personagens que participaram da ocupa-ção/colonização de São Luís”, explicou.

Sobre o poder narrativo da imposição desses nomes, o professor deu como exemplo o cha-mado mito da colonização francesa no Maranhão, reforçado diariamente nos nomes das ruas e avenidas da capital do estado. “A construção do discurso sobre a fundação de São Luís pelos franceses foi iniciada no fim do século XIX por uma minoritária elite intelectual na cidade. O Maranhão, que vivia um período de decadência e marasmo socioeconômico, precisava da criação de um mito para que sua população pudesse orgulhar-se de seu passado. Foi então inventada a ideia de que os franceses fundaram o lugar, já que nessa época o modelo cultural da França era universal e São Luís não fugia à regra”.

A República Velha

A despeito dos outros personagens estarem diretamente ligados ao Maranhão Colônia, uma outra grande avenida da cidade, ligada à Jerônimo de Albuquerque, dá um salto no tempo e foi batizada de Colares Moreira, senador durante o período da República Velha, ou Primeira República. Ganhou posição de destaque ao atuar no comando da Guarda Nacional, já que a “República precisou também de força para se consolidar”, como contou o professor Carlos Aberto Ximenes. Mas o fato em nada tem de estranho, como explica o professor Ximenes, uma vez que na cidade existam tantas outras “ruas, avenidas, praças que fazem referência a outros personagens de República Velha”. Como exemplo, ele citou a Avenida Gomes de Cas-tro, Praça Benedito Leite, Parque Urbano Santos,Rua Tarquínio Lopes, Travessa Marcelino Almeida.

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