ARTIGO

A carta de 46

Por que comemorar os 69 anos da Constituição de 1946? Hans Kelsen ajuda-nos a responder à pergunta com a formulação da Constituição Histórica, constante nas Declarações de Direitos, incorporadas ao cotidiano das sociedades politicamente organizadas em estados. O Brasil, independente desde 1822, regeu-se durante o período imperial pela Carta de 1824. A República, oriunda do […]

Por que comemorar os 69 anos da Constituição de 1946? Hans Kelsen ajuda-nos a responder à pergunta com a formulação da Constituição Histórica, constante nas Declarações de Direitos, incorporadas ao cotidiano das sociedades politicamente organizadas em estados. O Brasil, independente desde 1822, regeu-se durante o período imperial pela Carta de 1824. A República, oriunda do golpe de Estado, juridicizou-se pela Constituição de 1891, da lavra de Rui Barbosa, revogada por outro golpe de Estado denominado de Revolução de Trinta.
Em 1934, adveio nova Carta Política, calcada na Constituição de Weimar de 1919, inspirada em contribuições de Kelsen, de Max Weber, que a Segunda Guerra Mundial, se encarregou de desacreditar. Pouco antes da conflagração, em 1937, Getúlio Vargas, surfando na onda do corporativismo nazifascista, impôs mais uma Constituição ao país. Chamada “polaca”, redigida por Francisco Campos, adotou o modelo da Carta Constitucional da Polônia.
A Constituição de 46 é a quarta do Brasil republicano. Promulgada em 18 de setembro, insere-se, como acentuou Fábio Konder Comparato, no interregno de dois autoritarismos: o fim do Estado Novo com a queda de Getúlio Vargas, deposto em 29 de outubro de 1945, por um grupo de militares liderados pelo general Góis Monteiro, e a eclosão de novo golpe militar, o de 31 de março de 1964, que a revogou.
Não chegou a completar dezoito anos de vigência. Sua trajetória histórica interrompeu-se pelo Ato Institucional de 9 de abril de 1964, editado pelo Comando Supremo da Revolução, incialmente sem número, redigido pelo mesmo Francisco Campos. Depois, recebeu a epigrafe de número um, face a sucessão dos atos que se seguiram, totalizando em 17, suspendendo as garantias constitucionais por ela asseguradas.
No Brasil nunca houve uma revolução na acepção sociológica do termo. As rupturas no pacto político, com respaldo militar, são chamadas de revolução. Mas para Kelsen elas podem ser consideradas, desde que tenham operado transformações no universo político-jurídico. Para ele, importa mesmo é o que resta consolidado como direitos da sociedade.
Convocada pelas Leis Constitucionais de novembro de 1945, editadas pelo governo provisório do Ministro José Linhares, presidente do S.T F. e do T. S. E. Os seus representantes, eleitos em 2 de dezembro de 46, eram ao mesmo tempo parlamentares ordinários, escolhidos juntamente com o Presidente da República e os governadores dos estados. A situação repetiu-se na Constituinte de 88. Seus membros integravam, de igual modo, o Parlamento ordinário.
Explica-se. Essas constituintes não resultaram de revoluções sociais, mas de acordos entre as elites dirigentes. Torna-se assim necessário averiguar os indicadores de legitimidade, ou seja, de participação da sociedade nos seus trabalhos. É bom frisar, a Constituição de 46 é a primeira republicana a apresentar razoável índice de legitimidade. Seus representantes foram sufragados em voto secreto e instituições relevantes da sociedade civil contribuíram para a sua elaboração. Na parte dos direitos sociais, aprofundou os legados da Carta de 34, ampliou-os sob os impulsos democráticos das constituições socialdemocratas europeias de pós-Guerra, e do Estado do Bem-Estar Social dos Estados Unidos.
Assim, a Constituição Federal de 1988 é sua herdeira e sucessora, considerando a baixíssima legitimidade das cartas de 67, de curta duração, 20 meses; imposta pelo Presidente da República ao Congresso Nacional, que dispôs de 43 dias para votar o projeto, encaminhado segundo o Ato Institucional nº 4. Na verdade, o Chefe do Executivo desejava legalizar a legislação arbitrária. Logo sobreveio o Ato Institucional nº 5, de dezembro de 1968, suspendendo-a. E a de 17 de outubro de 1969, apelidada de Emenda nº 1, outorgada pela Junta Militar, sucessora do Presidente Costa e Silva.
A Emenda Constitucional nº 11, de outubro de 78, resultante do projeto de abertura Geisel/Golbery, revogou os atos institucionais. Permaneceu vigente a Carta de 69. Por meio de outra Emenda, a de nº 26, de 26 de novembro de 1985, convocou-se a Constituinte de 88. Apesar do Centrão, aglutinação de forças conservadoras, semelhantes às que atuaram em 46, quando PSD e UDN totalizavam quase 80% dos congressistas, alargou-se ainda mais os Direitos Sociais. A Carta de 46 é a matriz da democracia social, mesmo enfrentado as sucessivas quarteladas resultantes de conspirações articuladas por lideranças civis, o Estado do Bem-Estar Social avançou, ressalvando-se o pacto conservador constante do seu artigo 141, parágrafo 16, que impediu a Reforma Agrária, por exigir nas desapropriações a prévia indenização em dinheiro.
A Academia Maranhense de Letras Jurídicas no Seminário “Inovações na Prestação Jurisdicional” presta-lhe homenagem pelos 69 anos de promulgação, reconhecendo que a atual Constituição é a sua continuação.
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