Antibióticos durante a gravidez podem afetar o cérebro
O contato com esses medicamentos na fase fetal e na infância é relacionado a alterações no desenvolvimento da memória e reações emocionais.
A ingestão de antibióticos na gravidez ou bem no começo da infância, o que acontece, por exemplo, com prematuros, pode afetar o desenvolvimento do cérebro, segundo pesquisadores americanos. Em um estudo feito com ratos, os especialistas observaram que a exposição a essa classe de medicamentos ainda no útero ou após o nascimento está ligada ao desencadeamento de distúrbios cerebrais na infância.
As descobertas foram apresentadas na última edição da revista especializada EScience e corroboram a necessidade de reduzir o uso generalizado desses remédios e a importância de investir em alternativas viáveis para prevenir problemas de neurodesenvolvimento.
“Em trabalhos anteriores, observamos que a exposição de animais jovens a antibióticos alterava o metabolismo e a imunidade. Foi o que nos motivou a avaliar esse tema mais a fundo e a realizar uma análise com foco no início da vida”, relata, em comunicado, Martin Blaser, autor principal da pesquisa e diretor do Centro de Biotecnologia e Medicina Avançada da Universidade de Rutgers, nos Estados Unidos.
Para avaliar melhor o tema, Blaser e sua equipe compararam ratos que foram expostos a baixas doses de penicilina no útero ou imediatamente após o nascimento com cobaias que não tiveram contato com a medicação. A penicilina está entre os antibióticos mais usadas na infância no mundo, junto com a ampicilina e a amoxicilina. “Nos Estados Unidos, uma criança recebe, em média, quase três ciclos (tratamento contínuo por semanas ou meses) de uso de antibióticos antes dos 2 anos de idade. Taxas de exposição semelhantes ou maiores ocorrem em muitos outros países”, diz Blaser.
Nas análises das cobaias, a equipe descobriu que os camundongos que receberam penicilina experimentaram mudanças substanciais na microbiota intestinal e apresentaram alterações na expressão gênica (alterações de DNA) no córtex frontal e na amígdala, duas áreas-chave do cérebro, responsáveis pelo desenvolvimento da memória e pelas respostas ao medo e ao estresse, entre outras funções. “O estudo sugere que a penicilina muda o microbioma, os trilhões de micro-organismos benéficos que vivem dentro do nosso corpo, bem como a expressão gênica de áreas cerebrais essenciais para o desenvolvimento da criança”, enfatiza a equipe.
Os autores relatam que, nos últimos anos, surgiram diversas evidências que relacionam alterações no trato intestinal com mudanças no cérebro, um campo de estudo conhecido como “eixo intestino-cérebro”. Para eles, se essa via for perturbada, pode haver alteração permanente da estrutura e da função do cérebro e, possivelmente, gerar distúrbios neuropsiquiátricos ou neurodegenerativos no fim da infância e na idade adulta.
“O início da vida é um período crítico para o neurodesenvolvimento. Nas últimas décadas, tem havido um aumento na incidência de problemas do neurodesenvolvimento infantil, incluindo o transtorno do espectro do autismo, o transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e dificuldades de aprendizagem. Embora tenhamos registrado um aumento de atenção dos pais quanto a esses problemas de saúde e melhores diagnósticos, que, provavelmente, são fatores contribuintes para esse novo cenário, interrupções na expressão dos genes cerebrais no início do desenvolvimento também podem ser responsáveis por essas mudanças”, avalia Blaser.