OPINIÃO

O relato de uma mulher dependente de ansiolíticos

Fotógrafa lutou por mais de oito anos contra crises de ansiedade e depressão e terapias mal sucedidas antes de decidir tomar remédios controlados

A fotógrafa Andrea Piva, 33, se sentiu seduzida pela ideia de ter uma vida feliz ingerindo remédios depois de lutar por mais de oito anos contra crises de ansiedade, depressão e terapias mal sucedidas. Ela relata que em 2012 entrou no universo dos medicamentos controlados e, agora, vive o drama de não enxergar os efeitos do tratamento.

A seguir, o depoimento de Andrea ao jornal O Imparcial.

(Foto: Andrea Piva/Arquivo Pessoa)

Recebi o e-mail de uma jornalista de uma emissora de televisão interessada na minha história na luta contra a dependência de remédios benzodiazepinicos. Em seguida ela me encaminha a resposta do diretor do programa que não teve autorização para seguir a diante com a entrevista. Muito provavelmente deve ter recebido um bom cachê da empresa que produzia o remédio, ou de outras interessadas. E aí comecei a me questionar sobre a desumanidade desse sistema em que vivemos.

Mesmo assim posso usar outros meios para dar o meu relato sobre os riscos que os remédios benzodiazepinicos (ansiolíticos) podem causar, colocando nossa vida em risco.

No ano de 2004, ao voltar do colégio, tive uma forte dor de estômago. Fui levada ao hospital e ao sair de lá me senti estranha, com uma sensação de medo e melancolia que me acompanhou por três meses. Fui diagnosticada então com síndrome do pânico. Aqueles três meses me paralisaram. Tentei terapias alternativas como florais, remédios fitoterápicos, Yoga, análise… nada obteve uma melhora rápida… passei meses debitada com a doença.

Desde então pelo menos uma ou duas vezes por ano eu era surpreendida pelas crises e estado depressivo que durava meses. Isso me fez perder meses no cursinho, vestibulares, precisar interromper meu curso na faculdade, desistir de inúmeras viagens e me sentir sempre muito atrasada nos meus processos de vida. O que só piorava minha estima por não se sentir ajustada em uma sociedade que nos exige tanto e não nos dá espaço para sentirmos nossas dores e nos reerguermos em seu devido tempo. E foi então que, em 2012, em meio a uma viagem a trabalho, minhas crises de pânico voltaram. Eu tinha 27 anos, estava em um relacionamento sério, estava no melhor período de trabalho onde tinha a possibilidade de começar a construir uma vida independente. E eu não tinha tempo pra esperar a minha doença vir, se acomodar, eu me questionar, me compreender, e ver ela passar, pois esse processo duraria meses como nas outras vezes. Eu já estava esgotada com essas situações, minha família me aborrecia por não compreender a minha doença, e o mundo não ia parar pra eu me reerguer naturalmente. Foi então que decidi buscar um médico, depois de quase nove anos relutando para não tomar os remédios para ansiedade.

No consultório o médico me dizia com entusiasmo sobre o efeito daquelas drogas, e eu, seduzida com a ideia de ter uma vida feliz e produtiva me arrisquei a tomá-los. Um dos remédios, um receptador de serotonina, me causou efeitos colaterais perturbadores. O outro, um benzodiazepinico chamado Olcadil, me trouxe um alívio imediato. Voltei ao médico que, me orientou que eu seguisse tomando apenas o Olcadil, já que ele estava me dando alívio e segurança. Pediu então que ao voltar pra casa (estava viajando a trabalho), eu procurasse um médico psiquiatra que pudesse me orientar sobre o tratamento adequado.

Ao chegar na minha cidade natal procurei uma psiquiatra que disse que eu teria de continuar tomando o Olcadil por mais alguns anos e quis introduzir outra droga no tratamento. Tentamos alguns receptadores de serotonina, mas eu não me sentia bem com os efeitos colaterais e não conseguia seguir tomando eles. Mas já estava a meses tomando apenas o Olcadil. Minha médica não me orientou sobre o risco que eu estava correndo dando continuidade ao tomar o Olcadil todos os dias. Até que consultei um neurologista durante uma crise de enxaqueca que tive e ele me alertou que eu estava com um sério problema: a dependência química.

Foi então que comecei a buscar outros médicos psiquiatras para me ajudar a retirar o benzodiazepinico de forma segura. Mas todos os que eu encontrei me orientava a mantê-lo. E eu acreditava que então eu não estava correndo nenhum risco, e segui tomando eles por 5 anos.

Em janeiro de 2018 ao buscar o Olcadil com minha receita médica, descubro que a empresa que produzia o remédio havia anunciado o fim da matéria prima e por isso o fim da produção do remédio. Entrei em pânico, pois eu sabia que se eu parasse de tomar os remédios de forma abrupta eu teria sérios riscos de vida, já que já havia tentado outras vezes sem sucesso.

Foi então que troquei de psiquiatra porque o meu não havia me contado sobre a interrupção da fabricaçao do Olcadil. Encontrei uma psiquiatra em minha cidade e junto à ela traçamos um esquema de retirada e conseguimos remédios para fazer o desmame de forma gradual por um ano. Os remédios iriam vencer no mês de dezembro e então teríamos esse período para ir fazendo a redução. Então comecei a seguir o plano da psiquiatra e ele foi funcionando e eu estava bem otimista.

Em dezembro, faltando alguns dias para o fim dos meus remédios, diminui enfim para 0,5mg, que seria 1/4 da dose que tomei por 6 anos.

Eis que na noite de Natal eu senti uma tontura muito forte. Chamei minha irmã até meu quarto e lá tive um surto de pânico onde, naquele momento, se iniciara o começo de uma jornada que me levou para os dias mais difíceis da minha vida, onde eu estive entre a vida e a morte.

Naquele dia os meus remédios acabaram. No dia seguinte comecei a ligar no telefone da minha médica mas ela não me atendia. Ela havia saído para viajar, não deixou telefone e nem e-mail para eu tirar minhas dúvidas com ela. Ela havia me deixado uma caixa de diazepam para caso eu me sentisse mal e então sugeriu que passasse a tomar o diazepam para futuramente retirar ele.

No dia 26 de dezembro tive outra crise. Fui ao 24hrs do hospital da minha cidade onde me deram uma dose de diazepam. O remédio fez efeito e então tive alta. Mas ao chegar em casa tive um efeito rebote, resultando em uma nova crise de pânico e uma forte perturbação mental. Desse dia em diante eu passei 6 dias seguidos em hospital com diversas crises de pânico seguidas. Eles seguiam me dando diazepam no hospital, e eu seguia tendo efeito rebote e meu quadro ia piorando. Até que pedia pelo amor de Deus para que os médico não me desse mais o diazepam quando eu chegava no hospital com crise de pânico. E então passaram a me dar outras medicações. E assim foram 14 dias. Eu estava fisicamente debilitada, não conseguia comer, não conseguia andar, não podia ficar sozinha e isso estava esgotando a minha família que não podiam parar suas vidas para cuidar de mim.

Foi então que um médico pediu para que minha mãe buscasse um psiquiatra com urgência, caso contrário eles iriam me internar em um hospital psiquiátrico. Eu estava sem controle e perdendo a razão com tanto sofrimento.

Por sorte no dia 07 de janeiro os médicos da cidade voltaram a atender e eu consegui uma consulta com um psiquiatra. Me vendo completamente debilitada ele conseguiu mandar manipular o Olcadil. Então no dia seguinte eu voltei a tomar o remédio para que o médico iniciasse um novo plano de retirada e tratamento da minha ansiedade.

O remédio sanou a minha abstinência, mas me deu efeitos colaterais fortíssimos, que segundo meu médico iria desaparecer a medida que os dias fossem passando.

Eu estava no terceiro dia da medicação e tive uma crise horrível. Liguei para meu médico que disse que deixaria uma receita de um novo medicamento com sua secretária, pois estava saindo de viagem e não poderia me atender.

Ontem fui até o consultório do médico. Estava fechado e não havia secretaria e nem receita.

Como durante o dia eu havia me sentindo melhor psicologicamente, acreditei que estava segura em seguir tomando apenas o Olcadil manipulado. Um dos efeitos colaterais que ele me deu foi uma dificuldade imensa em respirar por completo e isso estava me assustando por um lado. Mas como eu não queria deixar minha família preocupada novamente, não comuniquei a ninguém sobre a falta de ar.

Então essa noite eu comecei a ter sintomas de apneia. Tomei o remédio que me deu uma sonolência intensa. Deitei na cama e senti espasmos e choques tão intensos que não me permitia adormecer. Então fui tentando dormir. E também tentei observar o que estava acontecendo. Minha respiração ia diminuindo até quase parar e então meu corpo entrava em choque. E então, mesmo com muito sono, assustada eu não consegui mais dormir por conta das paradas respiratórias.

Sentei na cama e adormeci sentada. Consegui descansar por duas horas e acordei com fortes dores no corpo e agora um sentimento de desesperança muito forte sobre a minha vida. Recebi também em meu e-mail a resposta de uma jornalista que foi impedida de fazer uma reportagem sobre os riscos que os remédios causam em nossas vidas. E isso me fez ficar menos crente sobre a vida.

Agora estou aqui, desabafando.

Não sei o que acontecerá comigo nos próximos dias. Minha vida está em risco. Eu não sei como conseguir ajuda nesse caso. Talvez além de desabafo esse texto seja um grito de desespero e um pedido de socorro.

E uma lição sobre os remédios e médicos, principalmente sobre o sistema que vivemos.

Não quero mensagens piedosas e nem otimistas. Apenas compreensão e respeito. Espero mesmo que me entendam.

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