O que foi dito na conversa entre Flávio Dino e Sarney?
Encontro entre o governador Flávio Dino e o ex-presidente José Sarney não foi apenas “conversa para boi dormir” – foi para valer e deve ter repercussões dentro da política maranhense
A pergunta básica sobre o encontro do governador Flávio Dino com o ex-presidente José Sarney é a mais óbvia possível e também a mais importante: “Qual o tema central dessa conversa inusitada, com tão forte apelo político?” Não foi sem motivo que o encontro obteve a mais ampla repercussão nacional e dentro das divisas do Maranhão. Afinal, José Sarney, com 89 anos, longe de qualquer mandato e sem o peso político que já carregou por longas décadas nos três poderes da República, mesmo assim, ainda tem simbolismo.
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Sarney foi e continua sendo o mais duro opositor de Flávio Dino. Este, por sua vez, nunca deixou por menos os contra-ataques desferidos nos embates que ultimamente têm ficado a critério do neto do ex-presidente, deputado estadual Adriano Sarney, na Assembleia Legislativa, hoje, o único da família com mandato eletivo. Nas duas eleições em que derrotou o seu grupo, tirou a filha Roseana Sarney da ribalta política e deixou o sistema sarneísta destroçado, Flávio Dino mereceu ataques raivosos do velho Sarney. Mas o momento é de amadurecimento e profissionalismo politico.
Tirana comparação
Em agosto de 2018, em plena campanha eleitoral, com a filha Roseana tentando voltar ao Palácio dos Leões e o filho Zequinha, ao Senado Federal, Sarney mostrou-se furioso ao saber que aproximadamente 100 vias e prédios públicos perderam o nome dele e da família por proposta de Flávio Dino à Alema, com base na Carta de 1988. Oficialmente, tais bens passaram a ser rebatizados com outras denominações. Sarney comparou o governador ‘comunista’ ao ditador Josef Stalin, “o maior tirano que a humanidade já conheceu”.
“Não estou irritado com isso. O que me fez avaliar até onde vai a mesquinharia foi querer tirar o nome de minha mulher da Maternidade Marly Sarney, que ela construiu com tanto amor”, escreveu Sarney em seu jornal, O Estado do Maranhão. Agora, ao se debruçarem, de forma amistosa, sobre o momento político nacional em que a “democracia corre risco”, Flávio Dino e José Sarney desanuviaram o ambiente encarrascado da política maranhense e abriram o horizonte nacional para o nome do governador, que se projeta como eventual candidato a presidente em 2022.
Lembrando Cafeteira
Nunca é tarde para tirar-se desse encontro lições do passado e apontar rumos para o futuro. A reunião, portanto, foi louvada e apoiada por deputados do MDB de Sarney, como Roberto Costa, que a classificou de conversa de “histórica”, até o presidente da Assembleia, Othelino Neto, do PCdoB. Para ele, o achegamento de Dino a Sarney “extrapola as divergências paroquiais, deixadas de lado, para buscar soluções para o país”.
Vale ressaltar que, no ramo da política, com Sarney não existe imponderabilidade. Quando o ex-senador e ex-governador Epitácio Cafeteira morreu, um ano atrás, Sarney esqueceu todo o passado de homéricas lutas política entre ambos para destacar o lado bom do ex-inimigo histórico e depois aliado de confiança. “Tivemos, por essas vicissitudes da vida e da política, de muitas vezes estarmos separados, adversários duros, em partidos diferentes. Tive, entretanto, uma grande sorte, e ele também dizia a mesma coisa, de reencontrá-lo, e, depois de ser seu adversário, nós nos reaproximamos, e eu o indiquei para governador, quando era presidente da República, e nele votei”.
E qual foi a conversa, afinal?
O tema central que dominou a aproximação, já que Dino e Sarney não iriam perder tempo botando conversa fora – conversa pra boi dormir – deve permanecer com o carimbo de “sigiloso”. Com apenas 6 meses à frente do governo no 2º mandato, o governador do PCdoB tem se mostrado presente em todo o debate nacional, inclusive fazendo palestras em universidades americanas e inglesas sobre a situação do Brasil. Ele é crítico intransigente das políticas anunciadas e medidas tomadas no âmbito do Legislativo, pelo presidente Bolsonaro.
Antes de encontrar-se com Sarney, Dino conversou também com os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em São Paulo, e Lula, na prisão em Curitiba. Dino é um dos líderes do Consórcio de governadores do Nordeste, cujos integrantes estão arredios sobre a Reforma da Previdência nos moldes pretendidos pelo Planalto. Ao procurar Sarney, Dino reconhece a sua importância histórica e a lucidez sobre o Brasil. E Sarney, que anda equidistante de Bolsonaro, tem uma considerável reserva política no centro.
A força do bolsonarismo
Dino hoje é a maior liderança nacional das esquerdas, fora Lula. Por isso, tem procurado o espaço franqueado com o desmantelamento do PT e dos partidos do mesmo universo continuarem sem uma estratégia unificada de ação. Além disso tudo, há o avanço da direita com Bolsonaro à frente no Planalto, fortalecido pela classe média e uma robusta bancada no Congresso.
A vitória de Bolsonaro em 2018 trouxe à tona nova situação política no Brasil. Como uma onda, o “Bolsonarismo” quebrou as expectativas políticas dos mais conhecidos partidos. Estribado nas redes sociais e suas inúmeras facetas, a “chamada nova política” continua firme perante o eleitorado que o elegeu, embora com a popularidade em declínio espantoso, apresentado nas pesquisas. O Ibope/CNI de quinta-feira passada deu-lhe apenas 32% de aprovação, o menor índice desde a posse.
É nesse ambiente de crise institucional na política, a economia arruinando a vida dos trabalhadores e levando de roldão também a classe média, que Dino se movimenta. Seu PCdoB é um partido minúsculo diante das bancadas que se uniram ao Centrão para decidir o destino das votações no Congresso. Por enquanto, Bolsonaro governa com um olhar no movimento de oposição e no segmento que ainda o segue devotando nas redes com o mesmo entusiasmo.
O risco do confronto
Quando Dino procura os líderes do PSDB, do PT e do MDB ele sabe que na conjuntura atual terá que formar uma frente que faça contraponto ao governo. Os três partidos cujas lideranças Dino procurou para discutir o Brasil são vozes que decidem e são capazes de passar ao Brasil uma visão abrandada da esquerda, longe do que a direita conseguiu enraizar na mente do público que carimbou a esquerda como o mal maior, graças aos governos do PT. Desmanchar isso é o maior desafio de uma eventual candidatura de Dino.
O analista político Valerio Arcay traça um rumo previsível para o que chama de “tática quietista” consiste em disputar o espaço de oposição e aguardar as próximas eleições. Quietismo deriva de ficar quieto, na moita. “A oposição deve aproveitar as posições institucionais que ocupa, nos governos estaduais, Prefeituras e nas Câmaras, Assembleias e no Congresso para a melhor redução de danos possível. A unidade de ação com os partidos do Centrão, sob o mínimo denominador comum, deve ser priorizada! A esquerda não deve desafiar, frontalmente, o governo, porque pode provocar um endurecimento das tendências bonapartistas”, ensina.