FEMINICÍDIO

O perigo estava dentro de casa

Foi constatado que 57% dos crimes aconteceram dentro da casa da vítima

Feminicídio é o termo usado para denominar assassinatos de mulheres cometidos em razão do gênero. (Foto: Reprodução)

De janeiro até os primeiros dias de novembro deste ano, o Maranhão já registrou 47 casos de feminicídio, de acordo com dados do Departamento de Feminicídio da Polícia Civil.  Desses casos, 9 ocorreram na Região Metropolitana de São Luís. No ano passado foram registrados 46 casos e em 2017, 51.  De acordo com uma análise criminológica da Polícia Civil, dos casos ocorridos em 2018, foi constatado que 57% dos crimes aconteceram dentro da casa da vítima, 84% foram cometidos por parceiros ou ex-parceiros (o chamado feminicídio íntimo) e 50% dos crimes foram cometidos por arma branca.

Para combater e prevenir situações como essas, começa neste domingo, 10, a III Semana Estadual de Combate ao Feminicídio, que ocorre até o dia 16 de novembro com várias atividades. A abertura será na Feirinha São Luís, a partir das 8h, na Praça Benedito Leite, com um ato-show e a participação de vários artistas locais.

A programação, idealizada pela Polícia Civil, e realizada em parceria com a Casa da Mulher Brasileira, Procuradoria da Mulher da Assembleia Legislativa, Associação Somos Todos Mariana, Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica do Maranhão, dentre outros órgãos parceiros, tem como foco a prevenção. De acordo com a delegada Viviane Fontenelle, Chefe do Departamento de Feminicídio do Maranhão, a atividade fim da polícia é a repressiva, mas também há atuação na parte preventiva junto à rede de proteção à mulher para que o feminicidio e a violência de gênero não aconteçam mais. “Nós temos 100% de elucidação de feminicídio. Aqui na Região Metropolitana é 100% de prisão.  Mas só isso adianta? Só o fato da lei ser mais dura adianta? Vão continuar acontecendo casos de feminicídios se essa cultura machista não mudar. O machismo é o pior resquício do patriarcalismo que a gente tem. E é ele que mata as mulheres, é ele que faz com que o homem se sinta superior, que acha que tem mais direito do que a mulher, que acha que tem direito sobre a mulher, sobre a vida e a liberdade dela. Então, tudo isso fomenta a violência, porque enquanto esse homem acha que tem direitos a mais e que é melhor do que essa mulher em alguma coisa, ele vai acreditar que pode usar da violência para fazer valer esses direitos que ele acha que tem. É isso que tem que ser modificado, enquanto não houver a educação necessária, enquanto não mudar essa cultura machista, a polícia pode prender 100%, como estamos prendendo, podem vir leis mais duras, como as que já temos e as mulheres vão continuar morrendo”, lamenta a delegada.

A Semana Estadual de Combate ao Feminicídio também pretende avançar nas medidas punitiva e protetivas para a mulher vítima de violência. Dos 9 casos registrados na Região Metropolitana de São Luís, apenas em 1 havia sido registrado boletim de ocorrência pela vítima.

Segundo a delegada Viviane Fontenelle, a conclusão disso é que as vítimas que estão denunciando estão ficando vivas. “São muitas denúncias por dia, muitas medidas protetivas de urgência, e isso demonstra a importância que tem de denunciar, de pedir a medida protetiva, porque aí a vítima passa a ser acompanhada pela Patrulha Maria da Penha, pois o descumprimento de medida protetiva é crime. Então funciona. É muito importante que a mulher denuncie. Só que às vezes ela não denuncia por medo, por dependência financeira, emocional, mas ela não é sozinha no mundo, ela tem uma vizinha, tem um parente, tem uma amiga… qualquer pessoa pode denunciar. A investigação vai ser aberta e ela vai ter a oportunidade de representar pela Medida Protetiva de Urgência. A delegacia vai investigar em que contexto aconteceu essa violência e oportunizar essa vítima para que elas tomem as medidas cabíveis para sair daquela situação de violência. E na Casa da Mulher Brasileira ela encontra os órgãos que podem ajuda-la. É um ambiente completo e que a população pode contar”, informa. De acordo com a Lei nº 13.104/2015, “o Feminicídio é uma forma qualificada de homicídio, quando a morte de uma mulher decorre de violência doméstica e familiar ou quando provocada por menosprezo ou discriminação da condição do sexo feminino”. Um crime qualificado como hediondo.

Segundo as Diretrizes Nacionais do Feminicídio, existem vários tipos desse crime: íntimo, não íntimo, infantil, familiar, por conexão, sexual sistêmico, por prostituição ou ocupações estigmatizadas, por tráfico ou contrabando de pessoas, transfóbico; lesbofóbico ou bifóbico; racista; por mutilação feminina.

Perguntas//Delegada Viviane Fontenelle

Delegada, como está a situação do feminicídio no estado? Qual a avaliação em relação a anos anteriores? 

Nós temos 100% de elucidação de feminicídio no Maranhão. Aqui na Região Metropolitana é 100% de prisão e no interior do estado é 75%. O Maranhão é um dos poucos estados que tem o protocolo de feminicídio, então por isso, que está sendo seguido por todas as autoridades do estado, feminicídio tem sido mais identificado do que nos outros anos. Por isso dá a sensação que teve um aumento. Teve um aumento de casos identificados, mas aumentou também a capacidade de identificação dos sinais simbólicos do feminicídio, porque o feminicídio sempre aconteceu. A morte violenta da mulher no contexto do feminicídio sempre aconteceu, mas cada vez mais está sendo melhor identificado pelas autoridades policiais por causa do protocolo de investigação de todas as mortes violentas de mulheres, que são investigadas como se feminicídio fossem para que a gente não perca vestígios que identifiquem esse crime. No decorrer da investigação a gente confirma ou descarta a tese. O Maranhão teve um avanço muito grande nesse sentido, porque nós temos o departamento que investiga todos esses crimes ocorridos na região metropolitana e também faz o acompanhamento dos casos do interior do estado e dá todo o auxílio que for preciso para a autoridade policial daquela localidade.

Desde que a senhora está à frente do Departamento qual crime mais chocou?

A morte da Alanna Ludmilla (no dia 3 de novembro de 2017, Alanna, de 10 anos, foi encontrada morta por vizinhos em uma cova rasa no quintal da sua casa, em Paço do Lumiar, com as mãos amarradas para trás e com um saco plástico na cabeça. Segundo a polícia, a causa da morte foi asfixia após abuso sexual) foi com certeza um dos mais chocantes, por se tratar de uma criança que foi violentada, morta e enterrada pelo próprio padrasto (Robert Oliveira Serejo). Cada um tem a sua particularidade, comigo não tem essa de polícia ser fria, eu sofro com todos os casos.  A gente quer trabalhar até elucidar o caso para dar um pouco de conforto para a família. Nada vai trazer a vítima de volta, mas uma condenação, uma prisão, acaba sendo um pouco confortante para a família da vítima. Por isso que às vezes a gente se revolta com algumas coisas que acontecem. Eu lembro do caso da menina que foi baleada na cabeça no motel, a Weslayne (no dia 5 de abril de 2018, Eliézer da Cunha Reis sequestrou Weslayne e a levou para um motel do Bairro de Fátima. Mesmo após horas de negociação com polícia, ele atirou na cabeça da refém. Eliézer foi absolvido no dia 12 de junho deste ano), na frente de um monte de testemunhas. Ela não morreu, mas perdeu a visão e ficou com bastante sequela. Aí ele foi ao júri e o Conselho de Sentença simplesmente absolveu. Para ver como a nossa sociedade ainda é machista. Isso revolta, mas não impede a gente de continuar trabalhando nos casos, não.  A gente faz a   nossa parte. A Polícia Civil é comprometida e estamos aqui para isso.

Qual caso está sendo investigado agora?

Estamos investigando a morte da Maria Goreth (o corpo de Maria Goreth Lima dos Santos, de 59 anos foi encontrado no dia 29 dentro de um veículo em um terreno abandonado na MA-204, em Paço do Lumiar. O marido dela, José de Ribamar Rubim dos Santos, 61 anos, estava próximo ao veículo em estado de choque e disse à polícia que os dois foram obrigados a tomar uma substância desconhecida e que foram vítimas de um roubo), mas não podemos afirmar que foi uma morte violenta, porque não recebemos o laudo ainda confirmando se ela foi envenenada ou não. Temos algumas linhas de investigação que temos que manter em sigilo. Antes desse caso teve o da Dayane (Dayane Christina Oliveira Nunes foi morta a tiros pelo ex-namorado Evaldo Lima Sampaio no dia 11 de outubro, durante uma discussão em um condomínio no bairro Outeiro da Cruz, em São Luís), que após ser morta pelo agressor, o mesmo se matou.

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