Maranhão lidera ranking de assassinatos de quilombolas, segundo relatório
Abaixo, Edvaldo Pereira Rocha (à esquerda) – morto a tiros em São João do Soter, em abril de 2022; e José Alberto “Doca” Moreno Mendes (à direita), assassinado em outubro de 2023
De janeiro de 2019 a julho de 2024, o Maranhão foi o estado brasileiro com maior registro de assassinatos de quilombolas — é o que aponta o relatório da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq);
Os crimes foram registrados em 10 municípios maranhenses e têm como principal motivação a disputa pela terra.
Os assassinatos registrados em Santa Rita e São Vicente Ferrer foram cometidos no mesmo quilombo. Já em Arari, as vítimas eram de quilombos diferentes.
- O IMPARCIAL procurou as Secretarias de Estado de Segurança Pública (SSP-MA) e de Direitos Humanos (SEDIHPOP) sobre o relatório da Conaq. Veja a nota do Governo do Maranhão na íntegra ao final desta matéria.
Segundo o levantamento da Conaq, os dez municípios maranhenses com registros de assassinatos de quilombolas foram:
- Arari (quilombos Fleixeiras/Búfalos e Santo António);
- Capinzal do Norte (quilombo Santa Cruz);
- Caxias (quilombo Olhos d’Água do Raposo);
- Codó (quilombo Palmeira do Norte);
- Itapecuru-Mirim (quilomno Jaibara dos Rodrigues);
- Pinheiro (quilombo Encantado);
- Santa Rita (quilombo Cedro);
- São João do Sóter (quilombo Jacarezinho);
- São Vicente Férrer (quilomnbo Bom Lugar)
Alagoas, Minas Gerais e Pernambuco tiveram três casos cada, assim como Goiás e o Tocantins, cada um com dois, e o Ceará, Paraná, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo, todos com um assassinato.
Outra situação de desumanidade, lembrada pela organização, foi a chacina que vitimou pessoas de uma mesma família, em novembro do ano passado em Jeremoabo, na Bahia.
O levantamento mostra também que em 29 dos registros (63%) as vítimas foram mortas com arma de fogo. Nesses casos, a Conaq destaca que muitas vítimas foram executadas com tiros na nuca ou na cabeça.
No que diz respeito à autoria dos crimes, aproximadamente metade (48%) dos suspeitos ou responsáveis identificados era ex-companheiros (21,2%), familiares ou conhecidos das vítimas (14,8%), vizinhos/posseiros/proprietários das terras em disputa (12,7%), membro de organização criminosa (6,38%), assaltante (4,26%) e policiais militares/agentes penitenciários (4,26%).
O documento ainda revela que quatro em cada dez vítimas (42%) eram lideranças ou pessoas vinculadas a elas. Uma informação adicional sobre o perfil das pessoas que perderam a vida é a sua idade média, de 45 anos, o que mostra as dinâmicas de militância e de transmissão de conhecimento.
“Querendo ou não, é a juventude que mais toma a frente. Falo jovem como adulto de 30, 40, 50 anos. Porque os nossos ancestrais, os nossos mais velhos têm mais locais de orientação, instrução, espiritualidade e raramente estão ali na primeira linha que vai para o embate, que busca, sai da comunidade, que tem acesso a informações e tecnologias. Isso é um fator determinante”, explica Holdry Oliveira, liderança quilombola da comunidade Carrapatos da Tabatinga, em Minas Gerais.
“O principal impulsionador dos assassinatos de quilombolas é o conflito pela terra (aproximadamente 35% dos casos), seguido da violência doméstica/familiar (aproximadamente 24% dos casos). Nos casos em que os assassinatos ocorrem devido ao conflito por terra, na data do crime a maioria dos quilombos estava em fase de certificação, com processo de regularização fundiária aberto no Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], mas sem grandes avanços para obter a documentação. Outros territórios estavam em fase de autoidentificação como quilombo, iniciando o processo de certificação”, diz a entidade.
“Nos casos de conflito pela terra, a média de tempo decorrido entre a certificação e o assassinato é de aproximadamente 10 anos. Em outras palavras, o processo de titulação fica paralisado numa fase por uma década em média, enquanto a situação de violência e o conflito se intensificam e alcançam seu ponto mais trágico, o assassinato das lideranças. A paralisia dos órgãos competentes está na raiz das causas que geram parte significativa dos assassinatos”, acrescenta o relatório.
O que diz o Governo do Maranhão
Leia na íntegra a nota do Estado enviada a O IMPARCIAL:
O Governo do Maranhão informa que realiza o acompanhamento de casos de violência contra as comunidades quilombolas e/ou tradicionais através de instâncias e comissões coordenadas pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop), através da Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade (Coecv). Igualmente, os casos são investigados pela Polícia Civil do Maranhão (PC-MA) e os inquéritos, quando concluídos, são remetidos ao Poder Judiciário para apreciação.
Em paralelo, a gestão estadual segue executando políticas públicas efetivas, como o programa Paz no Campo e adotando uma série de ações com foco na mediação, prevenção e resolução de conflitos no campo.
Além disso, emitiu decretos que estabelecem portarias para certificação de comunidades e limites em licenciamentos ambientais nestes territórios; e a criação da secretaria adjunta de Povos e Comunidades Tradicionais que já incluiu mais de 1.300 comunidades no Cadastro Estadual deste tipo de comunidade tradicional. Em 2024 já foram reconhecidos nove territórios quilombolas no Maranhão.
Por fim, o governo reforça seu compromisso com a segurança e o bem viver da população de comunidades tradicionais em todo o Estado, disponibilizando a Ouvidoria dos Direitos Humanos, no número (98) 99104-4558, para recebimento de todas as denúncias de violações de direitos.“
Fogo como tática
Além de ameaças de morte, intimidações por agentes privados e públicos de segurança, instalação de empreendimentos, registro de denúncia falsa e perseguição, uma das estratégias usadas contra os quilombolas é o incêndio criminoso, que, se não debelado a tempo, é capaz de destruir pertences e mesmo a moradia de muitos.
“O fogo é uma das artimanhas que eles tentam usar para nos tirar do local que é nosso de fato, para que possam ocupar de outras maneiras”, diz Holdry.
Segundo a jovem líder, embora os quilombolas sofram diversas investidas, a forma como encaram a luta permite que, de certo modo, ainda deem a volta por cima.
“O povo quilombola é muito unido. Infelizmente, quando a gente lida com outros, tentam achar nosso ponto fraco. Assim como atacar as terras com fogo, atacar um familiar, um primo, um parente mais próximo também é uma forma de desestruturar nossa luta. Quando a gente perde um líder, perde uma parte de nós, mas a luta continua e outros líderes nascem. Então, podem continuar nos assassinando, mas a nossa linhagem vai lutar, vai permanecer e persistir”, afirma.
*Da Agência Brasil EBC