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Maranhão lidera ranking de assassinatos de quilombolas, segundo relatório

Abaixo, Edvaldo Pereira Rocha (à esquerda) – morto a tiros em São João do Soter, em abril de 2022; e José Alberto “Doca” Moreno Mendes (à direita), assassinado em outubro de 2023

À direita, vídeo do advogado de Direitos Humanos Diogo Cabral expõe casas incendiadas na comunidade de Acerto, em Balsas (MA), em agosto de 2023. Créditos - Diogo Cabral no Instagram/Reprodução

De janeiro de 2019 a julho de 2024, o Maranhão foi o estado brasileiro com maior registro de assassinatos de quilombolas — é o que aponta o relatório da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq);

Segundo o levantamento, os estados que mais perderam quilombolas no período citado foram o Maranhão (14), a Bahia (10) e o Pará (4).

Os crimes foram registrados em 10 municípios maranhenses e têm como principal motivação a disputa pela terra.

O relatório mostra ainda que três municípios concentram metade dos assassinatos: Arari (2), Santa Rita (3) e São Vicente Ferrer (2).

Os assassinatos registrados em Santa Rita e São Vicente Ferrer foram cometidos no mesmo quilombo. Já em Arari, as vítimas eram de quilombos diferentes.

  • O IMPARCIAL aguarda retorno das Secretarias de Estado de Segurança Pública (SSP-MA) e de Direitos Humanos (SEDIHPOP) divulgados pela Conaq, acima e a seguir.

Segundo o levantamento da Conaq, os dez municípios maranhenses com registros de assassinatos de quilombolas foram:

  • Arari (quilombos Fleixeiras/Búfalos e Santo António);
  • Capinzal do Norte (quilombo Santa Cruz);
  • Caxias (quilombo Olhos d’Água do Raposo);
  • Codó (quilombo Palmeira do Norte);
  • Itapecuru-Mirim (quilomno Jaibara dos Rodrigues);
  • Pinheiro (quilombo Encantado);
  • Santa Rita (quilombo Cedro);
  • São João do Sóter (quilombo Jacarezinho);
  • São Vicente Férrer (quilomnbo Bom Lugar)

Alagoas, Minas Gerais e Pernambuco tiveram três casos cada, assim como Goiás e o Tocantins, cada um com dois, e o Ceará, Paraná, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo, todos com um assassinato. 

Ao comentar os dados apurados, a Conaq distingue como “situações de violência sistemática com assassinatos em série” os homicídios ocorridos na região da Baixada Maranhense (Cedro, Fleixeiras, Santo Antonio) e nos quilombos de Rio dos Macacos e Pitanga dos Palmares, na Bahia.

Outra situação de desumanidade, lembrada pela organização, foi a chacina que vitimou pessoas de uma mesma família, em novembro do ano passado em Jeremoabo, na Bahia.

O levantamento mostra também que em 29 dos registros (63%) as vítimas foram mortas com arma de fogo. Nesses casos, a Conaq destaca que muitas vítimas foram executadas com tiros na nuca ou na cabeça.

No que diz respeito à autoria dos crimes, aproximadamente metade (48%) dos suspeitos ou responsáveis identificados era ex-companheiros (21,2%), familiares ou conhecidos das vítimas (14,8%), vizinhos/posseiros/proprietários das terras em disputa (12,7%), membro de organização criminosa (6,38%), assaltante (4,26%) e policiais militares/agentes penitenciários (4,26%).

As últimas categorias, conforme a Conaq, sugerem que diversos assassinatos foram encomendados. 

O documento ainda revela que quatro em cada dez vítimas (42%) eram lideranças ou pessoas vinculadas a elas. Uma informação adicional sobre o perfil das pessoas que perderam a vida é a sua idade média, de 45 anos, o que mostra as dinâmicas de militância e de transmissão de conhecimento. 

“Querendo ou não, é a juventude que mais toma a frente. Falo jovem como adulto de 30, 40, 50 anos. Porque os nossos ancestrais, os nossos mais velhos têm mais locais de orientação, instrução, espiritualidade e raramente estão ali na primeira linha que vai para o embate, que busca, sai da comunidade, que tem acesso a informações e tecnologias. Isso é um fator determinante”, explica Holdry Oliveira, liderança quilombola da comunidade Carrapatos da Tabatinga, em Minas Gerais. 

“O principal impulsionador dos assassinatos de quilombolas é o conflito pela terra (aproximadamente 35% dos casos), seguido da violência doméstica/familiar (aproximadamente 24% dos casos). Nos casos em que os assassinatos ocorrem devido ao conflito por terra, na data do crime a maioria dos quilombos estava em fase de certificação, com processo de regularização fundiária aberto no Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], mas sem grandes avanços para obter a documentação. Outros territórios estavam em fase de autoidentificação como quilombo, iniciando o processo de certificação”, diz a entidade.

“Nos casos de conflito pela terra, a média de tempo decorrido entre a certificação e o assassinato é de aproximadamente 10 anos. Em outras palavras, o processo de titulação fica paralisado numa fase por uma década em média, enquanto a situação de violência e o conflito se intensificam e alcançam seu ponto mais trágico, o assassinato das lideranças. A paralisia dos órgãos competentes está na raiz das causas que geram parte significativa dos assassinatos”, acrescenta o relatório.

Fogo como tática

Incêndio na comunidade quilombola Jacarezinho. Créditos – Agência Tambor/Reprodução

Além de ameaças de morte, intimidações por agentes privados e públicos de segurança, instalação de empreendimentos, registro de denúncia falsa e perseguição, uma das estratégias usadas contra os quilombolas é o incêndio criminoso, que, se não debelado a tempo, é capaz de destruir pertences e mesmo a moradia de muitos.

Ao todo, foram contabilizadas oito ocorrências desse tipo pela Conaq, nos estados do Maranhão, da Bahia, do Tocantins, Espírito Santo, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro.

“O fogo é uma das artimanhas que eles tentam usar para nos tirar do local que é nosso de fato, para que possam ocupar de outras maneiras”, diz Holdry.

Segundo a jovem líder, embora os quilombolas sofram diversas investidas, a forma como encaram a luta permite que, de certo modo, ainda deem a volta por cima.

“O povo quilombola é muito unido. Infelizmente, quando a gente lida com outros, tentam achar nosso ponto fraco. Assim como atacar as terras com fogo, atacar um familiar, um primo, um parente mais próximo também é uma forma de desestruturar nossa luta. Quando a gente perde um líder, perde uma parte de nós, mas a luta continua e outros líderes nascem. Então, podem continuar nos assassinando, mas a nossa linhagem vai lutar, vai permanecer e persistir”, afirma. 

*Da Agência Brasil EBC

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