“Depoimentos de policiais começaram a acusar crimes contra militares”, diz Dino
Ministro da Justiça, afirma que, em oitivas, integrantes da Polícia Militar e da Polícia Federal apontaram delitos cometidos por integrantes das Forças Armadas.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, está convencido de que existe uma inteligência a comandar os movimentos antidemocráticos que vêm se manifestando na crônica política brasileira.
Em sua ótica, o país enfrentou, de 30 de outubro a 8 de janeiro, uma sequência de atos organizados para desacreditar o resultado das eleições, incitar um levante das Forças Armadas e impedir o governo Lula de assumir o mandato concedido pela maioria dos eleitores brasileiros.
Lembra, ainda, que as intenções dos extremistas eram de alta periculosidade: um dos golpistas, preso em 24 de dezembro, estava em treinamento para atuar como um sniper, atirador de longa distância.
Titular de uma das pastas de maior visibilidade do governo Lula, Dino é um ator fundamental e testemunha privilegiada dos atos infames ocorridos em 8 de janeiro.
Nesta entrevista ao Correio, o ministro conta detalhes daquele trágico domingo. Revela, por exemplo, que o presidente Lula chegou a cogitar uma intervenção mais drástica no Distrito Federal, que afastaria todas as autoridades locais.
Mas o chefe do Planalto, após refletir melhor, decidiu pela intervenção somente na área da Segurança. Dino relata ainda como assistiu, da janela de seu gabinete, a horda de terroristas avançar pelos edifícios dos Três Poderes.
Naquele momento, ele estava na companhia da então vice-governadora do DF, Celina Leão — que havia acabado de conhecer; do chefe da Casa Civil do GDF, Gustavo Rocha; e do futuro interventor do DF, Ricardo Cappelli.
Flávio Dino acredita que, passados pouco de mais de 50 dias da posse, o Ministério da Justiça tem cumprido uma diretriz: garantir a aplicação da lei.
Esse princípio está presente nas operações de combate ao garimpo, na regulamentação dos CACs e na colaboração com as investigações do caso Marielle Franco. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida na última quinta-feira.
Sobre o 8 de janeiro. O que aconteceu naquele dia?
Houve pessoas que sabotaram o planejamento que foi feito em 6 e 7 de janeiro. Nesses dias, à semelhança do que aconteceu para a posse, houve reuniões. E, para a posse, tudo que foi acordado foi feito. Tudo. Eu diria até que mais do que acordado foi feito. E não tivemos um único incidente. Miraculosamente, o mesmo sistema que funcionou uma semana antes para 300 mil pessoas depois não dá conta de 5 mil? Não tem lógica, e portanto fica evidente que houve uma intencionalidade de sabotagem, no sentido de que aquilo que foi pactuado no dia 6 não foi feito, sobretudo no que se refere ao policiamento ostensivo, que constitucionalmente compete à Polícia Militar do Distrito Federal. Não estou dizendo nenhuma novidade. Quem disse isso foi o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, a governadora interina Celina Leão.
E o senhor viu tudo daqui, do gabinete do ministério.
Nessa janela estava a então vice-governadora Celina Leão (aponta para a vidraça). O chefe da Casa Civil, Gustavo Rocha, estava aqui. E eles viram o que eu vi. Viram que a Polícia Militar estava em contingente ínfimo, despreparado, não estava equipado. As linhas previstas, os bloqueios não funcionaram. Mas como? Se funcionaram no dia 1º? Então houve um engendramento que passou por civis, por agentes militares, e os nomes estão aparecendo.
O que essas pessoas pretendiam?
Provavelmente que o dia 8 funcionasse como uma espécie de gatilho. Elas imaginavam, no seu mundo paralelo, que haveria uma grande adesão popular — que não houve, nem em Brasília nem fora de Brasília. E que as Forças Armadas iriam se levantar para restabelecer a ordem – que estaria perdida, naquele momento pela inédita invasão dos prédios. E com isso eles conseguiriam essa virada de mesa que buscavam. São golpistas, terroristas, pessoas perigosas.
O senhor diria que essa inteligência foi neutralizada?
Eu diria que ela sofreu uma grave derrota. Todos aqueles que entre 30 de outubro e 8 de janeiro tentaram o golpe perderam. O presidente Lula venceu, foi diplomado, subiu a rampa e governa. Esse é o fato. Eles diziam que nada disso ocorreria. Aconteceu.
Dá para relaxar?
Não, porque a base social que alimentava essa gente, em muitos aspectos, continua. Latente, mas continua.