Dia Internacional da Pessoa com Deficiência

Uma história de vida no dia Internacional da pessoa com deficiência

Dia 03 de Dezembro é o dia internacional promovido pelas Nações Unidas, desde 1992, com o objetivo de promover uma maior compreensão dos assuntos concernentes à deficiência

Seu Manoel é vendedor de coco e personagem conhecido na cultura popular de São Luís. Foto: Diego Noleto/O Imparcial

As únicas coisas que Manoel de Jesus Silva, 58, ainda guarda de sua antiga casa são memórias. Ele não esquece dos tempos difíceis na roça e nem da estrada coberta de terra, quando partiu de Santa Luzia do Paruá com a mãe Zuíla e os irmãos e veio para São Luís, na década de 70.

A família veio a cavalo pela estrada de chão de Santa Luzia do Paruá, tomaram uma lancha até Santa Helena e depois atravessaram de Ferry Boat até a ilha Upaon Açu, para trabalhar e sobreviver.

Seu Manoel é vendedor de coco e personagem conhecido na cultura popular de São Luís. Foto: Diego Noleto/O Imparcial

“Quando meu pai deixou minha mãe, fomos embora de casa e nunca mais voltamos”, é que o diz, ajustando a marmita do almoço nas pernas.

Com a colher na mão direita, Jesus corta a carne na bacia, faz umas voltas com o arroz e os legumes, e leva a colher até a boca, depois pega uma garrafa, põe água no copo e bebe. Não tem dificuldades, não tem erro, e nem uma única gota de água derrama sobre a bandeja.

É tão acostumado a ter apenas o braço direito, “sem que tenha inveja de quem tem os dois membros” que é como se tivesse nascido assim. Mas não.

É tão acostumado a ter apenas o braço direito, “sem que tenha inveja de quem tem os dois membros” que é como se tivesse nascido assim. Mas não.

No início da década seguinte, a família já estava habituada na capital, e a mãe comprara uma casa no bairro Divinéia, quando ele começou a trabalhar de ajudante de pedreiro, enquanto os três irmãos mais novos prestavam serviços em “casas de família”, como eram conhecidos os antigos casarões das famílias tradicionais. Jesus diz que foi mais ou menos aos vinte oito anos de idade que mudaria para sempre sua forma de trabalhar e viver. Comprara uma moto com o dinheiro de ajudante de pedreiro, mas sofreu um acidente onde perderia um dos braços e desde então teve que se acostumar a uma nova realidade.

Deixou o trabalho de servente e começou a vender bombons, segundo ele, quando “as coisas eram bem melhores”. Melhor como?, pergunto. Era um período em que as coisas não custavam tão caro, e que “hoje é preciso lutar muito para fazer dinheiro”. Ele dia isso porque, naquela época, costumava chegar em casa com 30 cruzeiros ou até mais – uns 50 cruzeiros – quando vendia nas festas e nas serestas do Kabão, ao lado do Terminal da Integração, ou na frente do Bar Bacanal. Já com a mudança das vendas, comprou isopor para vender cerveja e água nas ruas, no Anel Viário e também na praia.

Mesmo com dificuldades é preciso trabalhar para sobreviver

Foto: Diego Noleto/O Imparcial

Manoel deixa as coisas sobre uma cadeira e levanta-se para fazer pontos imaginários com o braço, como se quisesse indicar todos os lugares por onde já passou com suas vendas, até fixar o gesto para área ao redor. Quer dizer que já são trinta anos só de Reviver. Nesse intervalo de tempo, trocou o carro de pipoca por uma barraca alugada para vender cerveja, água e coco gelado, e é o lugar que ocupa há seis anos na Rua da Estrela, em frete à Defensoria Pública do Maranhão.

“Hoje, faço em média R$250, R$300 ou R$500 por dia, mas tem vezes que não faço nada”, explica. Há os gastos diários com transporte das mercadorias – o coco, por exemplo, vem de outros estados e ele recebe pelo Anel Viário e os outros produtos que vêm de ônibus – e também as despesas em casa, “por isso que meu serviço é de segunda a segunda”, reitera.

A renda se completa com o benefício que recebe de uma das filhas. Ele explica que as meninas já são adultas, a mais velha já casada, mas a mais nova tem Síndrome de Down, por isso a esposa não trabalha e fica em casa para poder acompanhá-la.

Mas trabalhar não é um problema, mesmo com as suas limitações. Acostumou-se ao labor desde os oitos anos de idade quando ia para roça com a mãe para ajudar na criação dos irmãos mais novos. Hoje não é diferente. Todos os dias sai de casa com o mesmo percurso: às cinco da manhã, pega o ônibus da linha Pirâmide até integração Cohab e depois outro até o terminal da Praia Grande. No final do dia é o caminho de volta e as mesmas paisagens pela janela até chegar em casa às nove da noite.

“Eu não tenho preconceito comigo, e nem inveja de quem tem dois braços, pois tem muita gente que tem os dois, mas não faz nada”, diz

“Eu não tenho preconceito comigo, e nem inveja de quem tem dois braços, pois tem muita gente que tem os dois, mas não faz nada”, diz. Seu incômodo é ainda o preconceito e quando debocham de sua deficiência. “Você se incomoda de falar sobre o fato de ser deficiente? ”, pergunto. “Não, e já até sugeriram que eu fosse para a Rua Grande pedir ajuda, mas eu prefiro trabalhar”. Seu Manoel se levantava para atender um cliente. Ele ajusta o coco numa base de ferro parecida a torre Eiffel e com o facão na mão direita começa a arrancar lascas verdes e marrons. Pressiona o furador de metal até romper a camada mais fina por onde põe o canudo. Então peço o contato de WhatsApp para enviar o texto e ele mostra para mim a tela do celular com um número. “Telefone da Minha mulher. Ela quem resolve essas coisas” diz e esqueço que seu Manoel não sabe ler e mal escreve o próprio nome, mas ele já passava o troco de R$5,0 com a maior certeza matemática do mundo

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