No Brasil

56% das meninas tem medo ao andar na rua

Pesquisa divulgada no dia 23, ouviu meninas de 10 cidades do Brasil para entender como elas vivem e o que esperam do futuro.

Do Maranhão, foram entrevistadas meninas da cidade de Codó e de São Luís. (Foto: Divulgação)

“É ser potência todos os dias e em todos os locais”.  Essa foi a definição que uma das 490 entrevistadas do Maranhão deu na pesquisa “Por Ser Menina no Brasil”, realizada pela Plan International Brasil. A pesquisa divulgada no dia 23, ouviu 2.589 meninas de 10 cidades das cinco regiões do país para entender como elas vivem e o que esperam do futuro. Do Maranhão foram entrevistadas 197 meninas da cidade de Codó e 293 de São Luís.

Para a maior parte das meninas ouvidas na pesquisa, ser menina é sinônimo de ser forte, corajosa e enfrentar dificuldades. “É saber que nem sempre a gente pode”, “que vamos ter que lutar em dobro”, “que é difícil”, é “ser considerada o gênero frágil”, “é ter que aguentar/suportar muita coisa”, “é tentar sobreviver no mundo”, “é já começar a vida sem credibilidade nenhuma”, “ser envolvida desde muito cedo em muitas responsabilidades”, “é lidar com o machismo”, “buscar direitos”, “é muita pressão”. É “aguentar certos tipos de assédio”, “certos tipos de comentários, e se impor”, “é responsabilidade e medo”.

O estudo traz um olhar sobre a vida das meninas e as diferenças de gênero dentro de casa, na escola, on-line, na rua e na sociedade como um todo, aprofundando a compreensão sobre o impacto que essas desigualdades causam. 

Um exemplo é que 56,9% das meninas sentem medo ao andar na rua, revelou um dado. Executado pela consultoria Tewá 225, se debruça também sobre o entendimento a respeito do que elas querem para o futuro e como se preparam para isso.

Foram entrevistadas mulheres das cidades de Brasília (DF), Cachoeirinha (RS), Codó (MA), Formosa (GO), Jacareí (SP), Manaus (AM), Maués (AM), Porto Alegre (RS), São Luís (MA) e São Paulo (SP).

O estudo mostra que 85,7% das participantes gostam de ser meninas, um percentual superior aos 75,4% registrados em 2014, quando a Plan realizou a primeira edição – naquela ocasião com meninas de 6 a 13 anos. Nesse estudo, 69,4% delas revelaram sentirem seus direitos desrespeitados por serem meninas/mulheres. “Sabemos o quão relevante é traduzirmos em dados o que acontece com as meninas para que possamos engajar mais atores na transformação da sociedade que vivemos”, afirma Cynthia Betti, diretora executiva da Plan International Brasil. O aspecto violência revelou que é  dentro de casa que as meninas mais sofrem com a violência física (30,7%), violência sexual (24,7%) e violência psicológica (29,5%). Quase todas as participantes da pesquisa (94,2%) já presenciaram ao menos uma situação de violência com elas ou pessoas próximas. Um dado preocupante é de que 25,9% das meninas não procuraram ajuda. Elas relatam que os pais e adultos responsáveis não acreditaram nelas, o que levou ao não encaminhamento dos casos. No relatório, Codó destacou-se entre os grupos focais por relatar um grande número de casos de feminicídio, ao ponto das meninas identificarem voluntariamente que isso é recorrente no território, mencionando casos de parentes, vizinhas e amigas que foram assassinadas por seus maridos. 

“Eu tenho duas tias minhas que sofreram violência, feminicídio. Quando minha primeira tia sofreu isso eu era pequena e eu não entendia” (16 anos, Grupo focal de Codó). Os casos de violência sexual relatados pelas meninas em todos os grupos preocupam especialmente pela recorrente menção ao fato de que os pais e adultos responsáveis não acreditaram nelas, o que levou ao não encaminhamento dos casos.

Os estudos na pandemia

Quase uma a cada cinco meninas (18,2%) precisou interromper os estudos. A pandemia gerou profundas dificuldades de acesso das meninas às escolas e foi citada por 19,3% das participantes como a causa da exclusão escolar. No Maranhão, essa causa chegou a 30,7% e no Amazonas a 21,4%. As meninas se sentem exaustas com as aulas on-line. O segundo motivo mais citado foi a perda de vontade de estudar, com 17,6% do total. Há também outras razões: 11,2% das meninas amazonenses deixaram de estudar para ajudar nos afazeres domésticos e 22,8% das gaúchas que pararam de estudar alegaram que a razão foi a falta de professores nas escolas.

O Amazonas foi o estado onde houve o maior percentual de interrupção escolar (32,8%). Em seguida, tem-se o Rio Grande do Sul com 18,6%, o Maranhão com 18% de meninas que pararam de estudar. Vale destacar ainda como a gravidez precoce prejudica os estudos das meninas: 4,9% delas deixaram de estudar por causa da gestação. Esse número foi a 8,2% entre as meninas que deixaram a escola no Amazonas e a 6,8% no Maranhão

Direitos e trabalho

“Destacou-se entre os grupos focais do Maranhão (em particular São Luís) o repertório e o vocabulário das meninas sobre os encaminhamentos, leis e órgãos para o caso de desrespeito dos direitos das meninas. Em ambos os casos (tanto São Paulo, cujas meninas destacam-se pelo repertório da leitura sobre o problema, quanto São Luís, onde se destacam pelo conhecimento dos direitos) há atuação da Plan International Brasil no território. “Quando ocorre violência acionamos o órgão mais próximo, mas muitas vezes ignoram, ou quando aparecem não fazem nada. Moro na zona rural e às vezes as mulheres não têm conhecimento de seus direitos. Falta apoio. A violência no campo e a violência doméstica são muito fortes no Brasil”, disse uma entrevistada de São Luís, de 18 anos.

Aqui no Brasil as mulheres sempre lutaram muito. Desde a década de 1920 temos lutas por esses direitos, como a Delegacia da Mulher e Marcha Mundial das Mulheres. Temos vários casos de mulheres violentadas e é muito difícil de lidar, precisa de ajuda para denunciar, levar, ajuda financeira… às vezes os órgãos públicos não funcionam, tem falta de atendimento, violência obstétrica, negligência do governo, apesar desses aparatos serem muito importantes”, disse outra entrevistada de São Luís, de 19 anos. No universo entrevistado, 18,6% das meninas na faixa etária entre 14 e 19 estão atualmente trabalhando. O Rio Grande do Sul apresentou o maior percentual de meninas trabalhando, com 26,1%, seguido de São Paulo (21%), Goiás (16,3%), Amazonas (14%) e Maranhão com o menor percentual, 13,7%. Na pesquisa de 2021, embora não seja o mais citado, constata-se que 20,8% do total das meninas trabalham para ajudar a família, especialmente no Maranhão, com 29,9% e São Paulo com 23,9%. “A pesquisa revelou que a percepção das jovens sobre o que é ser menina é influenciada por seu contexto de interações e sua rede de cuidados. Os desafios variam, mas permanecem, em todos os seus ambientes de interação: em casa, na escola, na rua, na internet e na sua comunidade. Assim, está nas mãos dos formuladores de políticas públicas, da sociedade civil e das organizações que atuam pela proteção às meninas, proporcionar condições de ambiente capazes de amparar seu desenvolvimento até a adultez”, diz o relatório.

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