Intolerância religiosa

Ataques a casas de culto afro são investigados na capital maranhense

Representantes de instituições que combatem a intolerância religiosa e defendem os direitos humanos se reúnem hoje para traçar uma rede de apoio ao enfrentamento.

Telhados de templos afros quebrados após apedrejamento. (Foto: Arquivo Pessoal)

Em apenas 2 meses a Secretaria de Estado Extraordinária da Igualdade Racial (Seir) recebeu 4 denúncias de ataques a casas de culto afro e pessoas ligadas a religiões de matriz africana na Região Metropolitana de São Luís. O mais recente ataque, e que está sendo investigado pela Delegacia de Crimes Raciais, Delitos de Intolerância e Conflitos Agrários, aconteceu na quinta-feira passada, no Anjo da Guarda e quase terminou em tragédia. Vândalos invadiram o Terreiro de Mina Dom Miguel e atearam fogo no espaço. Duas pessoas estavam na casa, e felizmente, nada aconteceu com elas, mas os danos psicológicos, esses não se apagam.

De acordo com o dono do terreiro, Pai Lindomar, desde o dia 13 de maio a casa começou a ser apedrejada todas as noites a partir das 20h, sequencialmente em horários diferentes. Mas o ocorrido na quinta-feira foi mais grave.

“Na quinta-feira passada atearam fogo dentro do meu espaço religioso e nós não sabemos quem foi. Fizemos a denúncia, o delegado mandou a perícia, e estamos aguardando o resultado dessa investigação. Duas pessoas estavam na parte de cima, quando viram o fogo… se eles estivessem dormindo eles tinham morrido. Graças a orixá nada aconteceu com eles. Mas tivemos prejuízo material, psicológico e religioso. Estes últimos são impagáveis. Tudo foi queimado, quebrado. Uma situação triste”, disse o religioso.

Pai Lindomar possui o terreiro há 28 anos e está instalado no Anjo da Guarda há 22. Há 7 anos a filha dele, que tinha 5 anos, sofreu ataques de pessoas de outra religião, inclusive com agressão. Há 2 anos e meio houve outro ataque, inclusive com incêndio novamente, e a casa da mãe de Pai Lindomar também foi apedrejada. Os apedrejamentos não param, mesmo com o incêndio ocorrido na última quinta-feira. Segundo Pai Lindomar, todos os ataques foram denunciados à polícia.

“A polícia esteve ontem aqui teve apedrejamento de novo no barracão, a polícia viu, mas nada foi feito, pois segundo eles, não havia mandato de busca e apreensão. A nossa indignação é que para nós religiosos de matriz africana, não há um reconhecimento, nem a prestação de serviços e solidariedade das autoridades em relação a nós. Não houve nada, e nós continuamos sendo atacados. Como é que vamos manter nosso pessoal, que são 42 pessoas, como é que vamos nos proteger, como vamos poder exercer a nossa religiosidade”?, pergunta.

Também o terreiro do Pai João, na Vila Nova, Papai Oxalá e Mamãe Oxum, foi desrespeitado na sua religiosidade. Grupos de outra religião confrontaram o pai de santo na frente de seu terreiro, e ele foi impedido de realizar seu culto. Segundo a Comissão da Liberdade Religiosa da OAB-MA, que também está acompanhando o caso, foi solicitado que se fizesse boletim de ocorrência e registros em fotos e vídeos.

“Nós recebemos essa denúncia no mês passado e estamos acompanhando o inquérito que foi direcionado para a delegacia especializada. A priori, nesse caso não houve depredação, mas sim a realização de um culto evangélico ao lado que estava incomodando a realização dos cultos no terreiro. Em ambos os casos estamos dando assistência, orientando juridicamente e intervindo junto às autoridades de segurança para que eles possam disponibilizar a segurança dessas pessoas no exercício da sua liberdade religiosa”, comentou a presidente da Comissão, Alda Fernanda Sodre Bayma Silva.

4 denúncias em 2 meses

Intolerância religiosa diz respeito a todo material escrito, imagens ou qualquer outro tipo de representação de ideias ou teorias que promovam e/ou incitem o ódio, a discriminação ou violência contra qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos, baseado na raça, cor, religião, descendência ou origem étnica ou nacional.

Sebastião Cardoso. (Foto: Arquivo Pessoal)

De acordo com o Gestor de Comunidades Tradicionais de Matriz Africana da SEIR, Sebastião Cardoso, o número de denúncias recebidas nos últimos meses preocupa, pois em média são registradas 5 denúncias por ano, e de maio para cá, já são 4.

“Nós, da Secretaria de Igualdade, acompanhamos as políticas que protegem os terreiros. Primeiro foi a Mãe Paula, de um terreiro de Ribamar que está sofrendo assédio, até sexual, pelo telefone. Depois veio o pai Joãozinho, da Vila Nova, que teve um grupo de evangélico que foi para a porta dele impedir que ele fizesse seu ritual. Outro caso foi no Apeadouro, onde os vizinhos disseram que se o Pai Cliger fizesse a festa ele ia ser preso. Por isso, pedimos uma reunião com esses órgãos de defesa para debatermos sobre a resolução para esses casos”, disse Sebastião.

A reunião, em formato virtual, será nesta quarta-feira, às 14h, e terá representantes da Defensoria Pública do Estado do Maranhão, Ministério Público, Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular, Secretaria de Estado Extraordinária da Igualdade Racial (Seir), Comissão da OAB, Federação de Umbanda, além de lideranças religiosas de matriz africana.

Autoridades acompanham o caso

Essas denúncias são de conhecimentos das autoridades do estado. Tanto secretarias estaduais, quanto Defensoria, Ministério Público e OAB estão fazendo o acompanhamento e direcionando suas estratégias para resolver a situação, e para que a atuação seja não só de forma preventiva, mas educativa e preventiva.

Alda Fernanda Sodre Bayma Silva, da Comissão da OAB. (Foto: Arquivo Pessoal)

“Tanto no caso do Pai João, quanto do Pai Lindomar, a Comissão da OAB solicitou que a Secretaria de Segurança dê apoio a esses locais de culto, e para que possamos acompanhar de forma pontual a tramitação de todo o inquérito policial que vai constatar a existência ou não do crime de racismo. Porque a questão da intolerância religiosa, a tipificação penal dela é no âmbito do racismo”, disse Alda Fernanda Sodre Bayma Silva, da Comissão da OAB.

O promotor de justiça e diretor da Secretaria para Assuntos Institucionais, José Márcio Maia Alves, do Ministério Público, informou que a instituição trabalha em um plano de ação para combater a intolerância religiosa, por meio do Programa de Atuação em Defesa de Direitos Humanos (Padhum). Nesse contexto, o Núcleo de Promoção da Diversidade (Nudiv), instalado em 2020, tem entre as atribuições objetivos estratégicos, ações, metas e indicadores de melhoria e igualdade, voltados tanto para o público interno, quanto externo, além de colaborar com organizações da sociedade civil e órgãos estatais com objetivos semelhantes.

Promotor de justiça e diretor da Secretaria para Assuntos Institucionais, José Márcio Maia Alves, do Ministério Público. (Foto: Arquivo Pessoal)

“Esse Núcleo é responsável por catalisar essas demandas que tenham a ver com diversidade de todas as formas. Essa demanda chega muito deficitária, então a gente faz um refinamento delas com o interessado, de preferência com a entidade da sociedade civil organizada e grupos de interesse, encaminhamos para o promotor de justiça e fazemos o acompanhamento, que no caso específico dessa denúncia da Vila Nova, deve ficar a cargo da Promotoria de Direitos Fundamentais da Capital”, explicou José Márcio. A denúncia do Pai João foi a única que chegou ao Ministério Público, direcionada ao NUDIV.

“Assim nós vamos democratizar esse atendimento. Existem alguns interesses que são problemáticos, são questões preocupantes e que ofendem no seu âmago a dignidade das pessoas que precisam entrar na ordem do dia do promotor de justiça. Fizemos um estudo e identificamos vários, mas seis deles precisam para ontem de uma intervenção mais organizacional do MP. Então criamos planos de ação (Padhum) focados em seis desses direitos: vítimas de violência psicológica e das consequências do feminicídio; pessoas em situação de rua, insegurança alimentar, portadores de HIV/AIDS, comunidades quilombolas, racismo, LGBTfobia, misoginia, intolerância religiosa e outras formas de discriminação, monitorando e acompanhando essas situações. Estamos na segunda fase de elaboração desse Padhum Racismo, que envolve a intolerância religiosa, e vamos lançar o GT (Grupo de Trabalho) em duas semanas. Tudo deve ser concluído até o final do ano”, disse o promotor José Márcio.

Por sua vez, a Defensoria Pública explica que a porta de entrada para o recebimento das denúncias é a Delegacia especializada, e que no órgão não são recebidas tantas denúncias, mas ressalta o crescimento desses ataques nos últimos meses e a disponibilidade para atuar nos casos em que for solicitada.

Crime

No Brasil, o direito à liberdade de religião ou crença está previsto no artigo 5º, VI, da Constituição Federal, que determina que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”. Além disso, constitui crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões prevendo pena de reclusão de 1 a 3 anos, além de multa (Lei nº 7.716/1989).

Frequentemente perseguidos, os praticantes de religiões de matriz africana precisam pedir por respeito. “A liberdade religiosa, como o nome já diz, é de termos a nossa liberdade para tocar nossos atabaques, cantar em praça pública sem sermos importunados por outras religiões. Nós respeitamos outras religiões e gostaríamos que respeitassem a nossa”, pediu o Babalorixá Fernando Solon.

As vítimas de violações de direitos, que inclui a intolerância religiosa, podem denunciar pelo Disque 100, e ainda buscar a Ouvidoria de Direitos Humanos, Juventude e Igualdade Racial, a Delegacia de Racismo e Crimes de Intolerância, a Defensoria Pública, o Ministério Público, a Comissão da Liberdade Religiosa da OAB.

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