44% das terras públicas estão sujeitas a ocupações irregulares
A análise da atual situação fundiária do estado consta no relatório “Leis e Práticas de Regularização Fundiária no Estado do Maranhão”
A grilagem de terras é uma realidade ao longo dos anos e tornou-se o foco dos conflitos no campo e da regularização fundiária em regiões da Amazônia Legal. No Maranhão, a situação não é diferente. Com 44% de seu território composto por áreas sem destinação, a atual lei de terras do estado não prevê prazo limite para início de ocupações de áreas públicas estaduais. Sem essa determinação, as terras públicas podem ser ocupadas a qualquer tempo, inclusive futuramente, o que se torna um estímulo para a prática de apropriação de terras públicas, conhecida como grilagem.
A análise da atual situação fundiária do estado consta no relatório “Leis e Práticas de Regularização Fundiária no Estado do Maranhão”, lançado e divulgado na Semana do Meio Ambiente pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). E o seu lançamento, coincide também com a discussão no estado sobre a mudança na lei de terras. Em abril deste ano, um coletivo formado por diversas organizações sociais maranhenses entregou ao governo do estado uma minuta para uma nova lei de terras.
O relatório faz parte de uma série de publicações da entidade sobre as leis e práticas fundiárias dos governos estaduais amazônicos, cujo objetivo é compreender as regras e procedimentos atuais aplicados pelos órgãos estaduais de terra na região a fim de propor melhorias. A publicação analisou o Estado do Maranhão e a atuação do Instituto de Terras do Maranhão (Iterma), identificando as principais modalidades de regularização fundiária executadas pelo órgão estadual e das práticas adotadas para aplicar a legislação vigente. Dando ênfase nos processos de regularização por meio de doação e venda de terras públicas a pessoas físicas, categorias para as quais não existem muitas referências bibliográficas na esfera estadual na região. O estudo também aponta que dependendo de como essas modalidades são reguladas e aplicadas pelo órgão, podem estar associadas à expansão de desmatamento ilegal na expectativa de reconhecimento de direito sobre a terra.
O relatório do Imazon traz análises que podem contribuir com essa atual discussão de uma nova lei de terras no estado. Dentre as sugestões, destacam-se: definir data limite para ocupação de terra pública e impedir a privatização de áreas desmatadas após essa data; exigir antes da emissão do título de terra que os ocupantes assinem termo de recuperação de passivo ambiental no imóvel; instituir a obrigação de publicar na internet dados de terras públicas que serão objeto de regularização e organizar uma consulta prévia sobre a destinação dessas áreas, ouvindo outros órgãos fundiários e a sociedade civil.
De acordo com estudo, que é assinado pelos pesquisadores Jeferson Almeida, Brenda Brito e Pedro Gomes, o objetivo é compreender as regras e procedimentos atuais aplicados pelos órgãos estaduais de terra na região a fim de propor melhorias.
Conforme o relatório, até o final do período estudado, 44% do Maranhão não tinha destinação fundiária ou informações de destinação disponíveis. Cerca de 41% dessa área sem definição, ou 18% do estado, estava inscrita como imóvel privado no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Porém, pela ausência de dados disponíveis sobre a situação fundiária desses imóveis, não é possível afirmar se são propriedades legalmente constituídas ou ocupações em terras públicas pendentes de avaliação pelos órgãos fundiários. A responsabilidade pela destinação dessa área não é majoritariamente (89%) do governo estadual.
Intensificação da regularização fundiária
Para tentar amenizar o problema da regularização no Maranhão, o governo do estado tem realizado diversas ações. A previsão é de que no primeiro semestre de 2021 mais 4 mil títulos sejam entregues pela Secretaria das Cidades e Desenvolvimento Urbano (Secid), por meio do Programa de Regularização Fundiária, beneficiando famílias de todo o Maranhão. As atividades já foram realizadas nos municípios de São Luís, Imperatriz, Buriti Bravo, Colinas, Pedro do Rosário e Paço do Lumiar. De acordo com o coordenador do setor de Regularização Fundiária da Secid, Yata Anderson, uma das funções do título fundiário é dar segurança jurídica ao beneficiário. “A entrega do título fundiário reduz a ilegalidade, diminui as desigualdades e garante o acesso aos serviços públicos para quem precisa”, explicou.
A ação tem o objetivo de garantir a documentação definitiva de propriedades, promovendo mais qualidade de vida aos moradores que, agora, terão segurança jurídica e acesso a serviços públicos. “A Regularização Fundiária é uma das prioridades do Governo do Estado e segue a determinação do governador Flávio Dino. A meta é intensificar ainda mais as ações para abranger um maior número de pessoas e, com isso, garantir acesso aos serviços públicos voltados à integração social e geração de emprego e renda”, enfatizou o secretário das Cidades e Desenvolvimento Urbano, Márcio Jerry.
Em junho de 2019 a Secid firmou termo de cooperação para expandir o programa para outras regiões do estado. O termo teve como base a Lei Nº 13.465/2017 e o Decreto Nº 9.310/2018 mudam as regras de áreas públicas mínimas no parcelamento do solo urbano para atender a regularização de áreas consolidadas e irreversíveis, que permitem o reconhecimento da propriedade de forma mais célere, revogando as legislações federais anteriores que tratavam sobre Regularização Fundiária Urbana (Reurb).
Também flexibilizaram os paradigmas administrativos e registrais envolvendo a Regularização Fundiária Urbana, sobretudo no que se refere à gratuidade de custas dos atos de registro advindos da Reurb-S, mantendo as limitações de tamanho de área máxima de 250 m² e tempo mínimo de 5 anos de posse como requisitos para Reurb.
Na época, o corregedor-geral da Justiça, desembargador Marcelo Carvalho Silva, observou que a regulamentação auxilia e orienta quanto aos procedimentos necessários no âmbito das serventias, sobretudo para uniformização e maior agilidade dos atos a serem praticados.“O instituto da regularização fundiária atende ao princípio da dignidade da pessoa humana, porque confere segurança jurídica ao cidadão que tiver o seu título em mãos, inclusive para poder obter financiamentos bancários”, disse o corregedor.
Amazônia Legal
Os pesquisadores estimam que os estados sejam responsáveis por 60% das áreas ainda sem clareza fundiária na Amazônia Legal. Por essa razão, é fundamental considerar como as terras públicas estaduais são geridas e quais as lacunas e oportunidades de investimento e apoio para aumentar a eficiência dos órgãos fundiários estaduais e na legislação.
O trabalho do Imazon também incluiu o lançamento do relatório “Dez fatos essenciais sobre Regularização Fundiária na Amazônia Legal”, com análises que ajudam a compreender como as leis e práticas fundiárias atuais acabam estimulando o desmatamento e a grilagem na região.
Entre as principais conclusões, ainda está o fato de que 43% das áreas sem destinação fundiária possuem prioridade para conservação, mas que esse dado não é levado em consideração nos processos de regularização fundiária, o que pode levar à privatização associada ao desmatamento. “O tema da indefinição fundiária na Amazônia está sendo discutido hoje por diferentes públicos e fóruns nacionalmente, devido à relação entre desmatamento e grilagem de terras. Porém, é necessário compreender como as leis e práticas fundiárias contribuem com o desmatamento”, explicou Brenda Brito, pesquisadora do Imazon e coordenadora do estudo.
A pesquisadora acrescentou ainda:
“Com esse relatório, auxiliamos esse processo de compreensão dos desafios e recomendamos o que pode ser feito para que a União e os estados adotem leis e práticas fundiárias que contribuam com a conservação e redução de conflitos no campo”.