DENÚNCIA

Oito anos depois, relatório mostra que nada foi feito com comunidade afetada por poluição de siderúrgica no MA

Um relatório feito pela Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH) aponta que, desde 2011, nenhuma das 39 recomendações feitas às empresas e ao Estado foi cumprida

A comunidade maranhense de Piquiá de Baixo, em Açailândia, desde os anos 80 denuncia impactos causados a moradores e ao meio ambiente pelas siderúrgicas na região. Em relatório lançado nesta quarta-feira (8) em São Luís, a Federação Internacional dos Direitos Humanos (FIDH) revela que nenhuma de suas 39 recomendações feitas às empresas, ao estado e município em relação à situação foram efetivadas desde o último levantamento, em 2011.

Leia também: Moradores de Açailândia são vítimas de resíduo inflamável de usina, no Maranhão

Uma destas recomendações se tratava do reassentamento das 312 famílias da comunidade – cerca de 1.110 pessoas – a um novo bairro, longe dos danos causados pela poluição da empresa Gusa Nordeste S.A., cuja principal fornecedora de minério é a Vale.

A obra das moradias chegou a ter início em 2018, mas já com prazo de ser paralisada: os recursos eram do Minha Casa, Minha Vida, projeto administrado pelo ministério das Cidades, que foi extinto pelo Governo Bolsonaro.

Foto: FIDH

Apesar do reassentamento da comunidade mais atingida, a intensa poluição causada pelos resíduos sólidos da produção do ferro gusa continua afetando a saúde de 7.500 moradores de todo o Piquiá – tendo inclusive poluído o rio, agora inutilizável.

O pó, chamado de “munha”, chega a temperaturas capazes de provocar queimaduras de terceiro grau. Outra das recomendações era que ele fosse depositado em local apropriado, mas até hoje continua sendo amontoado, sem proteções, próximo a casas de moradores.

“Sabe como é aquela coisa linda que você vê na televisão da neve branquinha caindo? Para a gente é o contrário. Em Açailândia, sobe aquele pó que, no verão, fica insuportável”, conta a moradora de Piquiá de Baixo, Kelly Barbosa.

“Crianças ficam abismadas quando olham a descarga do fogo. Para nós, é algo rotineiro. Moramos perto da riqueza da cidade e para a gente só existe pobreza, descaso”, desabafa. A “munha” já fez diversas vítimas na região e chegou a matar duas crianças queimadas.

Foto: FIDH

Além disso, o transporte do ferro também apresenta riscos à comunidade. São quatro caminhões carregando o gusa líquido com temperaturas altíssimas, passando ao lado crianças a caminho da escola e no meio da comunidade. A informação vem do advogado e assessor jurídico da Associação de Moradores de Piquiá de Baixo, Antônio Filho.

De acordo com ele, em abril do ano passado, um destes veículos pegou fogo e o líquido tóxico escorreu pelas ruas da comunidade. Por parte da empresa, não há um programa de segurança para precaver este tipo de situação.

Omissão das autoridades

Nos últimos 20 anos, a comunidade vem cobrando das autoridades que exijam das empresas o controle da poluição ambiental. “Aí é onde o Estado é omisso”, expõe o advogado.

Segundo ele, existe um decreto que regulamenta e dita as obrigações das empresas em relação ao meio ambiente, “mas a Secretaria de Meio Ambiente (SEMA) justificou que não tem condições técnicas, pessoal ou equipamento para fiscalizar este cumprimento”, explica. A última fiscalização feita foi em dezembro de 2017 e não houve nenhuma alteração.

A SEMA pontuou que de fato não emitiu novas licenças para as atividades siderúrgicas em questão. “No entanto, por força de lei, ambas as empresas estão com suas operações resguardadas com base na prorrogação automática (L.C. 140/2011)”, emitiu, em nota. Esta prorrogação acontece desde 2012.

A Secretaria reitera que fez vistorias em anos anteriores, e anuncia que elas também serão realizadas ao longo de 2019 para apurar novas denúncias.

A possibilidade de reverter o cenário surgiu da persistência incansável dos moradores de Piquiá de Baixo. Décadas tentando travar diálogo com as entidades responsáveis, só conseguiram levar as reivindicações adiante após acionarem a FIDH.

“Na medida em que a reparação pelas empresas seja feita exclusivamente com a finalidade de evitar sanções sociais, econômicas, reputacionais e de outra índole, e que o Estado Brasileiro seja incapaz de monitorar e sancionar as violações, o Brasil não estará à altura dos estândares de conduta empresarial responsável da OCDE”, afirmou Maria Isabel Cubides, representante da FIDH.

Até a publicação da reportagem, O Imparcial não conseguiu contato com a Gusa Nordeste SA.

VER COMENTÁRIOS
Polícia
Concursos e Emprego
Esportes
Entretenimento e Cultura
Saúde
Mais Notícias