CONFLITO AGRÁRIO

Indígenas que tiveram mãos decepadas em conflito no Maranhão voltam a receber ameaças

Dois anos após do conflito entre indígenas e fazendeiros em terras tradicionais do município de Viana, indígenas Akroá-Gamella relatam novos episódios de extorsão

Foto: Ana Mendes/The Intercept

Dois anos após um conflito agrário em que indígenas Akroá-Gamella foram atacados e tiveram suas mãos decepadas no município de Viana, no Maranhão, o medo novamente tornou-se rotina na região. A aldeia voltou a receber ameaças constantes de pessoas armadas que tentam tomar aquelas terras. Os relatos foram feitos ao jornal The Intercept.

Os relatos variam entre extorsão direta com armas de fogo, disparos em direção às aldeias e perseguições feitas por veículos sem placa, além das ameaças verbais. Entre outubro de 2018 e fevereiro deste ano, oito ocorrências foram registradas pelos indígenas na Delegacia Especializada em Conflitos Agrários de São Luís.

Uma das ameaças aconteceu com uma Gamella de apenas de 16 anos, quando dois homens apontaram uma arma em direção à sua cabeça e pediram para levar-lhes à liderança indígena. A jovem só foi liberada quando disse que ia gritar, informa a reportagem.

“Desde que Bolsonaro pegou a presidência, a ameaça ficou muito mais perigosa pra nós. Agora, eles tão diretamente nos ameaçando, e até querendo entrar pra dentro do território onde a gente tá”, disse um dos indígenas, que pediu à reportagem para não ser identificado.

Os indígenas ainda dizem ser agredidos verbalmente por moradores de Viana, quando precisam ir à cidade. Olhares de ódio, simulações de armas com os dedos e comentários como “índio tem que morrer” ecoam enquanto eles passam.

A motivação dos ataques contra os indígenas vem desde que eles conseguiram retomar cinco dos sítios do território Taquaritiua – tradicionalmente ocupado por eles desde o século 18 – mas que havia sido invadido por fazendeiros e grileiros desde o século passado.

No dia 21 de fevereiro deste ano, o deputado federal Aluísio Mendes (Podemos-MA), publicou em sua conta no Facebook fotos de uma reunião com o presidente da Funai, o general Franklimberg Farias, e escreveu a seguinte legenda: “Em pauta, as terras de Viana e Matinha, ocupadas por pessoas que se autointitulam índios Gamelas (sic) e a necessidade de ampliação da rede de transmissão de energia elétrica para atender estas regiões. (…) Quanto à insegurança jurídica dos pequenos fazendeiros de Viana e Matinha, vítimas das invasões, defendemos a posse de suas propriedades.”

O ataque de 2017

No dia 30 de abril de 2017, há pouco mais de dois anos, cerca de 30 Akroá-Gamella tinham acabado de se restabelecer no quinto sítio que compõe suas terras tradicionais quando foram surpreendidos pelo ataque de pessoas armadas.

Foram 22 indígenas feridos. Dentre eles, Aldeli de Jesus Ribeiro Akroá-Gamella, hoje com 39 anos, e José Ribamar Mendes Akroá-Gamella, de 52 anos, tiveram suas mãos decepadas por golpes de facão.

Na época, a reportagem relata que o poder público fez pouco caso da situação. Um dia depois do massacre, o governador Flávio Dino publicou em seu Twitter que “não houve vítimas com as mãos decepadas”.

O então diretor técnico do Hospital Geral Tarquínio Lopes Filho, Newton Gripp, também negava o decepamento das mãos dos Akroá-Gamella. Segundo ele, no caso de Aldeli, “a mão ficou presa por estruturas musculares e tendões”.

“A posição do Flávio Dino ao dizer que os índios Akroá-Gamella não tiveram as mãos decepadas retira a grandeza da violência cometida contra eles. O estado deveria proporcionar segurança aos indígenas, mas acabou não fazendo”, disse Gilderlan Rodrigues da Silva, coordenador do CIMI Maranhão, ao The Intercept.

O inquérito foi transferido da Polícia Civil de Viana para a Polícia Federal e, até hoje, nenhuma das testemunhas foi ouvida e nem o local foi periciado, de acordo com o Ministério Público e a Polícia Federal do Maranhão.

A dor diária

Após o acontecido, os dois indígenas passaram por cirurgias e diversos anos de fisioterapia, onde foram implantadas barras de ferro ligando a mão – presa apenas por finos pedaços de pele – ao resto do braço.

Eles relatam a dor sofrida diariamente por causa do ferro, principalmente nas épocas mais frias. As mãos são frias e estáticas, como se pertencessem a um defunto.

“Não tive melhora nenhuma. Tá toda morta minha mão. Sinto muita dor, dói muito. Toda hora eu sinto, toda hora. Eu tô andando por aqui com vocês, mas eu tô sentindo. A mão o tempo todo pesada. Esse ferro aqui. Pode garrá aí, é muito grande esse ferro”, diz José Ribamar.

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