CULTURA E LAZER

Por que o Reviver incha às sextas-feiras?

Em média, 5 mil pessoas frequentam o bairro da Praia Grande às sextas-feiras, trazendo à tona problemas sociais da ilha

Todas as sextas-feiras é quase sagrado: “e esse Revis hoje?”. Apelido “carinhoso” para Reviver, nome do projeto de restauração dos conjuntos arquitetônicos do bairro da Praia Grande, já virou até letra de música. De acordo com dados da Polícia Militar, são cerca de 5 mil pessoas, sobretudo jovens, que desembarcam às sextas no Terminal de Integração e vão ao encontro das praças, ruas e bares do Centro Histórico de São Luís. O momento é de diversão, mas também de desconforto e insegurança – resultado da dificuldade de abarcar um público desta magnitude no bairro. A sensação, entre o público, parece ser a mesma compartilhada por um estudante de 19 anos, que costuma frequentar o local: “Não me sinto mais à vontade, sempre sexta-feira tem assalto, arrastão. O clima fica pesado”.

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Mas por que o Reviver incha às sextas-feiras? Falta de programação em outras áreas da cidade? Superestimação do Centro Histórico como ponto de lazer? É fato que os eventos, feiras, festivais e shows realizados em São Luís são centralizados ali, na Praia Grande. Espera-se sempre que haja “algo para fazer” no Centro Histórico, e mesmo quando não há, a motivação mais recorrente entre os jovens é “tomar uma cerveja barata e sextar”, como conta uma frequentadora assídua, estudante de 19 anos. O debate é recorrente entre quem faz cultura em São Luís. Para o produtor cultural André Lobão, o “inchaço” do bairro não ocorre por falta de opções. “Existe muita programação na cidade. Só que como toda cidade que possui um Centro Histórico como o nosso, ele vira um grande atrativo não só turístico como para os próprios moradores da cidade. E como lá está concentrada a maior parte da oferta de entretenimento, termina sendo o lugar onde se espera uma maior oferta de programação”, explica.

Com o aglomerado, surgem problemas sociais de criminalidade e de falhas na mobilidade urbana. “Os aglomerados sempre serão vistos como espaços propensos à violência, espaços menos seguros, porque você vai precisar de um policiamento mais efetivo, de uma mobilidade urbana que garanta a circulação de todas essas pessoas”, pontua André Lobão. Os dados dizem tudo: só os crimes registrados pela Companhia de Policiamento Turístico (CPTur) na região, em 2017, 56 assaltos e 15 furtos, além de três homicídios e duas lesões seguidas de morte. Para lidar com a questão, são mobilizadas em média, às sextas-feiras, três viaturas, duas motos e dez policiais no policiamento ostensivo, além do apoio do Policiamento de Área Metropolitana e unidades de Choque, Rotam, Batalhão Tiradentes e Companhia de Polícia de Guarda.

O Tenente-Coronel da CPTur, Roberto Moreira, afirma que existe um padrão humanizado do policiamento, mas que são executadas ações de prevenção aos delitos. “Em especial na área do Reviver o policiamento ostensivo e o policiamento ordinário fazem a segurança do local, sendo que na sexta-feira é desencadeada a Operação Saturação, que objetiva a segurança de moradores e transeuntes, dando especial atenção aos turistas que visitam o local com a Operação Turista Seguro, que objetiva um tratar diferenciado aos turistas que chegam em grandes caravanas”, explica o Coronel.

Mais que policiamento consistente, a saída para os problemas da grande aglomeração no Centro Histórico às sextas-feiras pode estar no cerne da questão cultural de São Luís: a necessidade de voltar os olhares a outros lugares e manter programações em diferentes espaços da cidade. André Lobão cita como exemplo o projeto Sebo no Chão, no bairro do Cohatrac, que ocorre todos os domingos. “Hoje [o projeto] é ponto de cultura, conhecido pelo Ministério da Cultura, que reúne uma juventude imensa em torno das mais diversas linguagens culturais”, comenta. O produtor cultural explica que, nestes bairros, há potencial e a juventude é protagonista do processo. O problema é a falta de políticas públicas voltadas a estes locais, como a garantia de segurança, cidadania, direitos humanos e mobilidade. “É uma série de fatores estruturantes que são inerentes a políticas sociais dentro de um grande complexo cultural que garantem as pessoas permanecerem nos seus territórios, mas se sentindo seguras, com seus direitos assistidos, com uma mobilidade que permita transitar pelos lugares […] e aí a gente tem um desinchaço, um alívio do Centro Histórico, desse grande aglomerado”, conclui André Lobão.

A cidade como um todo

Um dos maiores desafios do poder público, dos produtores culturais e da sociedade civil como um todo é aguçar o olhar para a cidade como um todo e explorar o potencial cultural de cada bairro. Esta mudança de perspectiva, diz André Lobão, faz com que as pessoas circulem e conheçam a própria cidade, desconstruindo por consequência os estigmas de determinados locais. “Isso diminui a violência, torna a cidade mais afetiva, porque as pessoas começam a ver a cidade com um outro olhar. Desconstrói o olhar da violência com que certos lugares são estigmatizados”, pontua.

O produtor cultural aponta este processo como “territórios criativos”, o pensamento da política cultural voltado para a territorialidade, que “enxerga os territórios com todos os seus protagonismos, as pessoas que estão ali, construindo suas histórias”. André Lobão traz o questionamento: “O que tem na área Itaqui-Bacanga, por exemplo, que é um celeiro de produção cultural? O que tá sendo feito na área da Liberdade? Do Bairro de Fátima? Na área do Cohatrac? Existem coisas acontecendo nesses lugares que são obrigadas a escoar pro Centro da cidade para que possam ser vistas e consumidas”.

 

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