JOÃO PAULO

Resistência e fé em São Marçal

Após se apresentar nos arraiais da capital, dezenas de grupos de bumba meu boi enfrentam uma prova de resistência para manter a tradição cultural

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Falar de fé em um momento onde só se ouve o som das matracas, dos pandeirões, apitos, toadas e muita gente imbuída do sentimento de “brincar São João”, parece impossível, mas para alguns brincantes, participantes de grupos de bumba meu boi, participar do Encontro dos Batalhões de Bumba Meu Boi, no bairro do João Paulo, no dia de São Marçal, significa muito mais. “Significa que a gente está encerrando essa temporada bem e que a gente precisa agradecer a todos os santos juninos, e a São Marçal, que é o último santo, pelo mês que a gente teve e pedir proteção para o ano que segue”, comenta a estudante de Serviço Social, Amanda Pereira, que integra a diretoria de um boi de matraca de Paço do Lumiar.

E foi nesse clima que o Encontro dos Batalhões de Bumba Meu Boi, no bairro do João Paulo, encerrou, depois de um dia inteiro de festa, reunindo milhares de pessoas. Após se apresentar nos arraiais da capital, dezenas de grupos de bumba meu boi enfrentam uma prova de resistência para manter a tradição cultural.

Este ano completa-se 92 anos da realização da festa. A festa de São Marçal é uma tradição que independe, pelo menos para os grupos, de recursos financeiros. No dia de São Marçal, matracas e pandeirões dão o tom da festa. É uma celebração que atravessa o tempo e também testa a força, fé e resistência de brincantes, organizadores dos grupos e admiradores dos batalhões que ficam na rua desde a madrugada anterior.

A Festa de São Marçal surgiu a partir da proibição aos grupos de bumba meu boi de seguirem para a área do Centro da cidade, sob pretexto de manutenção da segurança, ordem e tranquilidade. A polícia não permitia que os brincantes passassem do Areal do João Paulo. Lá mesmo, eles se encontravam e desde então o encontro dos grupos de bumba-boi foi se consolidando a cada ano e se expandiu, tomando proporções gigantescas.

Um dos “boieiros” que faz questão de marcar presença todos os anos no “São Marçal” é Seu Joaquim Silva, o seu Zuca, do Boi de São José dos Índios. Ele diz que sai da Capela de São Pedro direito para avenida. “É nosso último dia de festejo junino. Então, temos que agradecer pela temporada. Embora seja muito caro sair nessa festa porque temos de alugar um carro de som, reforço que vale a pena manter a tradição” afirmou.

Do preconceito à popularidade

Na pesquisa Os Batalhões Pesados, feita pela escritora Abmalena Santos Sanches, mestre em Antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), professora da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e da Universidade Ceuma, desde a primeira metade do século XIX até a metade do século XX, os grupos de bumba meu boi não eram vistos com “bons olhos” pela elite de São Luís, por isso foram proibidos de entrar no centro da cidade, restringindo-se seus espaços aos bairros do João Paulo até o Areal (onde hoje é o bairro do Monte Castelo), Anil e zona rural da Ilha.

O preconceito, o desprezo e as proibições em relação às manifestações advindas dos setores mais pobres da sociedade maranhense se perpetuaram por vários anos. Até por volta dos anos de 1950, o bumba-boi era alvo de discriminação ativa.

Segundo a pesquisa, na década de 1930, mais precisamente no ano de 1939, um grupo de bumba-boi dançou pela primeira vez dentro da cidade e, em 1940, dançou no bairro do Areal (hoje Monte Castelo) e partir daí, nunca mais deixou de se apresentar. Em 1929, os grupos, ao se deslocarem para o João Paulo, foram se multiplicando, iniciando a tradição do encontro de São Marçal e, por conseguinte, da própria aceitação da brincadeira de bumba meu boi nos bairros urbanos.

Em outra versão da festa, conta-se que um dos principais responsáveis pelo encontro de bois foi José Pacífico de Moraes, mais conhecido como Bicas, nascido em 1901 e falecido em 1972. Tudo começou quando ele, após assistir no bairro Anil diversas apresentações de bumba meu boi, principalmente dos grupos do Sítio do Apicum e de São José dos Índios, ficou bastante empolgado e resolveu contratar as duas brincadeiras para fazerem apresentações no bairro do João Paulo, onde residia.

O pesquisador, jornalista e poeta Herbert de Jesus Santos contesta esta última versão, pois segundo ele, a restrição atingia aquele núcleo (o bairro do Anil) também. “Vasculhei os periódicos, na Biblioteca Benedito Leite, dos últimos 100 anos, e deu que: de 1940 até 1960, nada da passagem dos bois de matraca pela Av. João Pessoa.  Convenhamos: Se os milicos não deixavam um boi de matraca fazer zoada, não fariam ouvidos moucos para uma manada, no auge do autoritarismo! ”, disse o pesquisador.

Segundo ainda Herbert, no dia 30 de junho, naquele período eram só bailes de orquestra. “O São João era no núcleo suburbano densamente habitado, até 1960, indo para o Centro, quando lá houve os concursos de toadas entre bois da Ilha, incentivados pela Voz Diacuí (amplificadora) e pelo vereador e babalorixá José Cupertino. No São Marçal, antes, clubes dançantes disputavam a freguesia, com anúncios, na Imprensa, e eram: Athenas, Moreninhas, Nova Esperança, Ypiranga e Rival”, contextualizou.

Bom, com 92 anos, 70, 40 anos, ou menos, o fato é que a festa permanece, a tradição perdura, e faz os bois guarnecerem na avenida mostrando a verdadeira força e resistência da cultura popular. E que venha 2020 com muito bumba meu boi.

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