Dorival Dias Campos, de 68 anos, é maître há tanto tempo que, de 1966 para cá, atendeu “todos os presidentes brasileiros, exceto Figueiredo” nas casas onde já trabalhou. Passou por locais importantes aqui, como os extintos Café Ideal e Splendido. Atualmente, está no restaurante belo-horizontino Mes Amis, no sofisticado Bairro de Lourdes, e não se cansa de explicar o que é gratin dauphinois aos fregueses. Detalhe: ocorre todo dia.
Esse gratinado francês de batatas e creme de leite não é um caso isolado. Como a gastronomia está cada vez mais presente no cotidiano, consequentemente, uma enxurrada de termos específicos tem colocado um ponto de interrogação na cara de muitos clientes nos restaurantes da cidade. O que esperar de uma carne cozida a vácuo? O que é esse tal amuse bouche antes da entrada? Por que confitar um alimento?
Alguns dos maîtres mais experientes da capital mineira concordam que o público de hoje senta-se à mesa mais bem informado sobre o assunto que o de décadas atrás. Entretanto, apesar da facilidade de acesso à informação, em situações de dúvida, muitas vezes ainda vale um comportamento bem antigo. Quem conta é Élvio do Carmo, da Osteria Mattiazzi: “As pessoas têm curiosidade, mas não querem demonstrar que não sabem e têm vergonha de perguntar. Discutem entre elas na mesa, com a gente de pé ali, sem poder intervir”.
Quando tem uma brecha, ele acha ótimo poder intervir. “Esse é o motivo de estarmos aqui. Se as dúvidas não aparecem, inclusive, a gente não consegue expor tanta simpatia e mostrar o que gostamos de fazer”, conta. Semana passada, por exemplo, explicou o que era prosciutto (presunto cru italiano) e pancetta (fatias de barriga de porco curadas), além de nomes de massas – a que leva tinta de lula gera tantas dúvidas que ele deixa um pacote sempre à mão para explicar com mais clareza.
Por falar nisso, tagliolini, risoni e outras massas são a maior fonte de perguntas no Restaurante A Favorita, onde o maître Robson Freitas trabalha desde a inauguração, nos anos 1990. “Termos como braseado e confit muita gente ainda não entende também”, diz. Ele relata que, frequentemente, é chamado por clientes que, sem conseguir se entender com o cardápio, pedem que ele explique prato por prato. “Engraçado foi o dia em que me perguntaram o que era um carpaccio. É tão comum que nunca havia explicado o que é”, lembra.
O carpaccio – finas lâminas de carne bovina crua, temperadas com azeite, alcaparras e parmesão – também já causou confusão na cozinha do Gomide. “Um cliente mandou me chamar e perguntou se aquilo era carpaccio, dizendo que não comia carne crua. Expliquei que era assim mesmo, mas tive de recolher o prato”, lembra Cleuzonir Martins, maître da casa. Na opinião dele, há entre a clientela uma certa falta de humildade em querer aprender sobre comida.
Semana passada, perguntaram a ele o que era risoto trufado: “Ainda se associa trufa ao bombom de chocolate. Expliquei o que era, e a pessoa me perguntou gosto de quê tinha. Disse que o cheiro era de gás de cozinha e o sabor, forte. Aí ela perguntou se era bom”. O freguês provou pela primeira vez e gostou.
Sopa de letrinhas
Açafrão – Em geral, vende-se gato por lebre: o pó amarelo é, na verdade, a cúrcuma (também chamada de açafrão-da-terra). O verdadeiro açafrão é o (caro) estigma de uma flor, de sabor e aroma inconfundíveis.
Amuse bouche – Não é uma entrada, mas um “mimo” salgado do tamanho de uma mordida, geralmente enviado à mesa como cortesia, preparando o comensal para a refeição.
Aïoli – Espécie de maionese, mas emulsionada com alho. É comum como acompanhamento de mariscos e em pratos franceses e espanhóis (eles o chamam de allioli).
Baunilha – Esqueça aquele vidrinho. A verdadeira baunilha, cujo perfume encanta, é uma fava preta extraída de uma orquídea e repleta de sementes minúsculas. A mais comum aqui é a de Madagascar.
Bisque – Originalmente uma sopa (apontam alguns pesquisadores), hoje é um molho feito com cascas de camarão douradas na manteiga, conhaque (ou vinho branco) e creme de leite.
Brandade – Quase sempre a palavra é usada para definir uma receita francesa de bacalhau desfiado com alho, azeite e creme de leite, cuja textura é semelhante à de
um purê.
Braseado – Ao contrário do que pode parecer, não tem nada a ver com brasa. As carnes (geralmente as mais duras) preparadas assim são douradas e, depois, cobertas com líquido e cozidas lentamente.
Ceviche – Prato símbolo da culinária peruana, consiste em fatias cruas de peixe marinadas com suco de limão, sal, pimenta, cebola e ervas. Também pode ser feito com mariscos e crustáceos. Sempre ácido e picante.
Confit – Hoje indica que um alimento foi cozido lentamente em sua gordura (ou azeite), mas designa uma forma de conservar alimentos em gordura própria, o que confere maciez e suculência a certas carnes depois de prontas, por exemplo. A carne de lata mineira nada mais é do que isso.
Coulis – Molho de consistência densa, quase sempre feito com frutas e usado como complementos de sobremesas. O de frutas vermelhas é dos mais populares
no país.
Cozimento a vácuo – Geralmente é aplicado a carnes, que são colocadas em embalagem hermética e sem ar, submetida a baixa temperatura (abaixo de 100 graus) durante tempo maior que o habitual. O objetivo é ter cozimento preciso, maciez e suculência.
Deglaçar – Adicionar líquido à panela em que foram dourados vegetais e carnes, raspando o fundo para soltar os sedimentos e formar um molho para acompanhar o mesmo prato.
Espuma – Popularizada por chefs vanguardistas espanhóis como Ferran Adrià, praticamente saiu de moda. A ideia é substituir as emulsões à base ovos ou cremes por meio de sifão de gás, obtendo preparos mais leves e puros.
Farinha panko – Espécie de farinha de rosca japonesa, tem sido adotada em muitas cozinhas para frituras de empanados porque seus grãos duros resultam em crostas muito crocantes. Há quem faça farofa com ela.
Flor de sal – Nada mais é que a camada superficial do sal marinho, resultante da evaporação e decantação de elementos químicos. São cristais leves, quebradiços e de sabor delicado, portanto, perfeitos para finalizar pratos.
Foie gras – Fígado gordo de patos e gansos, com textura delicada e sabor intenso. O patê de foie, totalmente diferente, é uma pasta que pode ser feita com fígados de vários animais (como porcos e galinhas).
Marmoreio/marmorização – Termo usado para designar a quantidade e qualidade de gordura entre as fibras de uma carne. Quanto mais, maior o sabor e suculência – melhor exemplo é o carísismo kobe beef.
Molho rôti – Um dos molhos básicos da maior parte dos restaurantes, é feito a partir de carne bovina e seus ossos previamente assados, legumes e ervas. É reduzido por muitas horas.
Redução – Aquilo que foi cozido em fogo baixo para reduzir o volume de água e, consequentemente, concentrar sabor. Alguns ingredientes, como o vinagre balsâmico, tornam-se pegajosos com isso.
Sorbet – Misturas seculares de neve e vinho à parte, é o sorvete feito sem leite, creme de leite ou ovo. Apenas água e açúcar. Mais leves, costumam ser feitos com frutas.
Tartar – No Brasil, convencionou-se chamar de tartar qualquer alimento picado em pedacinhos e servido com qualquer tempero. Tradicionalmente, é carne bovina crua picada na ponta da faca e misturada a alcaparra, cebola ralada e gema, entre outros ingredientes – o steak tartar.
Trufa – A comparação com o bombom não é por acaso, pois ela é um fungo que se desenvolve sob o solo, geralmente próximo de raízes de árvores. O sabor é potente e o aroma é incomparável, parecido com gás de cozinha.
Papillote – Os italianos chamam de cartoccio o envelope/pacote (geralmente de papel-alumínio) que vai ao forno muitas vezes com peixes, que cozinha no vapor escoltados por legumes, ervas e especiarias.
Presunto cru – Na verdade, ele não é cru, mas curado a seco e com sal, dependurado por meses ou até anos. Há uma tendência em chamá-lo genericamente de Parma, mas este é o presunto dessa cidade italiana. Há outros, como o pata negra espanhol e de Bayonne francês.