ESCLARECIMENTOS

Alunos da Ufma expostos indevidamente nas redes sociais têm direito à reparação, diz MPF

Perfis que divulgaram nas redes sociais nomes e fotos de supostos fraudadores de cotas foram apagados. Especialistas comentam polêmica.

As inscrições do concurso da UFMA vai até o dia 9 de maio. (Foto: Reprodução)

No dia 3 de junho de 2020, um perfil no Twitter intitulado “Fraudadores de Cotas – Maranhão”, e outro no Instagram intitulado “Fraudadores não Passarão” divulgaram fotos de estudantes da Universidade Federal do Maranhão (Ufma) que teriam burlado as informações exigidas para os critérios de cotas para negros e pardos.

As duas contas nas redes sociais foram apagadas, mas o Ministério Público Federal no Maranhão (MPF/MA) garante que, em qualquer caso, a pessoa que teve sua imagem indevidamente exposta, ainda que deletada a notícia falsa, tem direito à reparação contra quem a expôs. “Se alguma das notícias divulgadas no Twitter, e no Instagram, for falsa, no final da investigação, é evidente que a pessoa que foi injustificadamente exposta tem direito a reparação”, anunciou o procurador-chefe da República no Maranhão, José Leite.

Já sobre as denúncias, o chefe do MPF/MA garantiu que fraude é ainda uma suposição, e que ela deve ser investigada pela UFMA. “É cabível tanto uma ação penal, para a hipótese do candidato que fraudou ser maior de idade, como também ação civil, para a suposição de a Ufma não cancelar a vaga imediatamente. Mas, uma vez comprovada a fraude, creio que a instituição de ensino superior seria a primeira interessada em cancelar a vaga do candidato”, opinou o procurador-chefe da República no estado.

Leia também: UFMA esclarece sobre denúncias de fraudes no sistema de cotas

Além das fotos dos alunos, o perfil no Instagram Fraudadores não Passarão publicou trechos de listas com os nomes dos universitários nos campos destinados a quem se encaixa no sistema de cotas da Ufma. Dentre as denúncias, está o caso de uma estudante do curso de Farmácia. Ela teria entrado na universidade, supostamente, pela modalidade que diz ser própria a candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas, que, independente da renda, tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

A universitária estudou no Centro de Ensino João Batista de Carvalho, informou que é filha e neta de negros e pardos, apresentou, na matrícula da Ufma, toda a documentação exigida no edital e justificou ter usado a autodeclaração como cotista racial por se considerar parda, bem como por vir de família de descendência negra, com traços claros de afrodescendência. Ela ingressou na Universidade em 2018 e está no quinto período da graduação.

Um estudante do sétimo período de Engenharia Química também foi alvo dos perfis criados com a finalidade de, conforme a “bio” da página no Instagram Fraudadores Não Passarão, “expor fraudadores de cotas das Universidades do Maranhão”. Por ser neto de negro e filho de pardo, o universitário possuiria genes em seu DNA de pessoas negras e pardas nas camadas mais próximas da árvore genealógica, o que corroboraria a cor parda pelo critério do tipo genótipo.

O estudante de Engenharia informou a O Imparcial que fez todas as séries do ensino médio no Centro de Ensino Governador Edison Lobão, que hoje possui o nome de Centro de Ensino João Francisco Lisboa. Ele informou, também, que apresentou, na matrícula da Ufma, toda a documentação exigida no edital, para apreciação de funcionários da Universidade.

Lista com nomes dos universitários destinados ao sistema de cotas da Ufma

Crimes virtuais

A estudante de Farmácia e o aluno de Engenharia Química disseram que ficaram sabendo que suas fotos foram postadas nos perfis das redes sociais ao receberem imagens “printadas” dos conteúdos que os expuseram, reproduzidos por diversas pessoas. Para o advogado criminalista Rondineli Rocha, especialista em crimes cibernéticos, as publicações configuram crime nas esferas penal e criminal.

“Por utilizar fotos e informações de terceiros sem autorização, as publicações podem incidir nos crimes de calúnia e difamação”, atestou o advogado, ao complementar que “prints” da tela e o IP (internet protocol) podem ser utilizados como provas de ato ilícito na internet.

Rondineli Rocha comentou, também, que a vítima poderá contatar um advogado para que busque identificar o autor dos fatos pelas vias judiciais e, assim, tomar todas as providências cabíveis.

Constatações desde 2016

O antropólogo Carlos Benedito Rodrigues da Silva, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Ufma, esclareceu que as denúncias de fraudes se fundamentam por constatações de que pessoas de pele clara estão ocupando vagas destinadas para negros e pardos, por meio das políticas de cotas. Carlos Benedito garantiu que as contestações não são recentes, que elas existem desde o ano de 2016, mas que o tema só voltou a ser discutido de forma ampla devido à notícia dos perfis nas redes sociais, que publicaram fotos dos suspeitos de fraudes.

“É uma questão que, também, a Polícia Federal deveria investigar. É fácil constatar a veracidade das denúncias, pelas fichas das matrículas dos supostos fraudadores, e isto cabe à Ufma apurar”, apontou o pesquisador.

O professor revelou que redigiu um documento pedindo uma reunião com a administração superior da Universidade Federal do Maranhão, para que uma posição seja logo tomada. “Nosso estado tem mais de 80% de população negra, e, nos cursos da principal universidade maranhense, principalmente na área da saúde, pouco se vê universitários negros, enquanto as vagas de cotas raciais estão preenchidas. Se não há negros estudando, por quem as vagas de cotas foram preenchidas!? Isto já é um forte indício que alguém burlou esse processo”, comentou.

Investigações

O Imparcial procurou a Polícia Federal para saber se um inquérito já teria sido instaurado, no intuito de investigar as possíveis fraudes no sistema de cotas da Ufma, mas não houve resposta. O Imparcial também questionou o Ministério Público Federal se houve formalização de denúncias nos canais oficiais do MPF/MA, e se o órgão tem adotado medidas junto ao Poder Judiciário, mas, sobre estes questionamentos, também não houve respostas.

“Cor da pele não define raça, mas determina inclusão ou exclusão”

O antropólogo Carlos Benedito Rodrigues da Silva também fez uma uma reflexão sobre a cor da pele, no Brasil, ainda ser um critério de hierarquização. “E é exatamente esse processo de hierarquização que precisa ser discutido. A cor da pele não define raça, mas define inclusão, ou exclusão, pois é a população negra que está ocupando os espaços mais desqualificados da sociedade, neste país”, analisou o professor.

Carlos Benedito é, também, professor titular da Ufma, e faz parte do Departamento de Sociologia e Antropologia, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e de Licenciatura Interdisciplinar em Estudos Africanos e Afro-Brasileiros. O antropólogo assegurou que, se o vestibulando não preenche os requisitos fenotípicos, ele não tem direito à vaga na universidade, por meio de cotas para negros e pardos.

Comissão de Heteroidentificação

De acordo com o professor Acildo Leite da Silva, membro da Diretoria de Apoio, Acompanhamento e Avaliação Acadêmica (Daava), a Comissão de Validação da Declaração Étnico-Racial de Estudantes Pretos e Pardos é responsável por dizer se os candidatos que foram aprovados a partir de 2018 valendo-se das cotas para negros e pardos o são de fatos. Até 2017, o que valia era apenas a autodeclaração do candidato, o que dava margem a muitas fraudes, segundo o professor.

A Comissão tem seis membros, divididos entre titulares e suplentes, que, conforme Acildo Leite, são servidores docentes e técnicos-administrativos da Universidade, além de membros externos, vinculados a outras instituições de ensino e ao poder público – estadual, municipal e federal. A Comissão teria participação, ainda, do Conselho Estadual e Municipal da Igualdade Racial, e da organização da sociedade civil que desenvolva ação de combate ao racismo.

Avaliação

No dia do procedimento de heteroidentificação, de acordo com o professor Acildo, o candidato é entrevistado por uma banca composta por três pessoas da Comissão. Durante a entrevista, o aspirante à vaga na universidade, por meio de cotas para negros e pardos, precisa responder quais características fenotípicas ele possui, que o identificariam como negro ou pardo. O professor informou que é feito um julgamento, que leva em consideração o fenótipo do indivíduo, como boca, nariz, tipo de cabelo e cor da pele.

“Os membros deliberam escrevendo um parecer, que aponta características fenotípicas negras do candidato, tais como a cor da pele, características faciais textura do cabelo. Quem possui as qualidades distintivas, está apto, do contrário, está inapto, perde a vaga nas cotas, e não pode realizar a matrícula”, explicou o professor sobre a avaliação da banca ter como critério único o fenótipo do candidato. Acildo Leite disse, também, que o parecer resulta de um consenso de análise em grupo.

A decisão

Os membros deliberam na ausência do candidato. O vestibulando recebe o resultado instantes depois. Na Ufma, a decisão tem que ser unânime, por consenso. Outras universidades federais do Brasil decidem por voto, como a Unirio (RJ), onde bastam duas manifestações favoráveis – entre as seis possíveis – para aprovar o candidato.

Punição e fraudadores

Questionado sobre o que fazer com quem for considerado fraudador depois de já estar matriculado, o professor Acildo Leite informou que, conforme a Resolução (nº 1899/2019), do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe-Ufma), a matrícula seria cancelada.

O professor garantiu, ainda, que para cada denúncia feita será aberto um processo de investigação e apuração. Acildo disse que os denunciados, certamente, serão convocados para comparecer perante à Comissão de heteroidentificação.

“A Universidade está em processo de recebimento e formulação dos procedimentos das investigações. O compromisso da Ufma é o de garantir e assegurar que as vagas das cotas sejam ocupadas por quem é de direito. Sobre as denúncias, providências estão sendo tomadas. E, caso tenha pessoa que foi denunciada falsamente, a investigação vai apontar, e a Instituição arquivará o processo baseado em provas de que a denúncia não procede”, concluiu o professor Acildo.

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