ARTIGO

Reforma política e participação popular

O país está mergulhado em gravíssima crise política, que revela a exaustão de modelo carcomido de presidencialismo de coalizão, em que a governabilidade é obtida a custo moral inaceitável, que envolve a partilha de nacos da máquina estatal entre políticos aliados para que se refastelem com recursos públicos. O problema maior não é de governabilidade, […]

O país está mergulhado em gravíssima crise política, que revela a exaustão de modelo carcomido de presidencialismo de coalizão, em que a governabilidade é obtida a custo moral inaceitável, que envolve a partilha de nacos da máquina estatal entre políticos aliados para que se refastelem com recursos públicos. O problema maior não é de governabilidade, mas de legitimidade, e advém não apenas da putrefação moral do regime, mas também da falta de credibilidade e representatividade popular das autoridades e instituições eleitas.
Não há dúvida de que existem fortes componentes culturais na degeneração da política. Contudo, há também aspectos institucionais, que tornam urgente a realização de reforma política no país. Porém, se parece consensual a necessidade da reforma, ninguém consegue concordar quanto ao conteúdo. Existem propostas diametralmente opostas, cada uma com as suas vantagens e desvantagens, e a população segue alienada do debate. Nas principais propostas discutidas, tem faltado, todavia, ingrediente central: é preciso fortalecer os mecanismos de participação do povo na política.
A Constituição de 1988 previu mecanismos dessa natureza, como a iniciativa popular das leis, o plebiscito e o referendo. Contudo, disciplinou-os com grande timidez e eles não adquiriram maior importância na vida nacional. Veja-se o caso de leis. No plano federal, para a deflagração, é necessária a obtenção de assinaturas de mais de 1,4 milhão de eleitores, correspondentes a pelo menos 1% do eleitorado nacional (art. 61, § 2º, da Constituição), o que é missão quase impossível.
Por isso, foram apenas quatro as leis de iniciativa popular aprovadas pelo Congresso nos 27 anos de vigência da Carta de 88. Mesmo quando o número gigantesco de assinaturas é colhido, não se assegura a tramitação mais ágil dos projetos de lei, que se submetem ao mesmo procedimento legislativo dos demais. Seria importante diminuir a exigência quantitativa e facilitar a tramitação parlamentar dos projetos originários do próprio povo.
Em relação aos plebiscitos e referendos, o problema maior está no fato de que a Constituição conferiu ao Poder Legislativo a faculdade exclusiva de convocá-los (art. 49, XV), subtraindo o poder do próprio. Porém, é fundamental dotar o povo de mecanismo institucional para exigir dos mandatários a consulta popular em relação a certas decisões, haja vista o risco nada fictício de traição da vontade dos representados pelos representantes. Ademais, outros mecanismos de participação poderiam ser instituídos, como a iniciativa popular, existente na Suíça e em alguns estados norte-americanos, que permite a elaboração de projeto de lei por determinada fração do eleitorado, com a submissão subsequente à aprovação popular.
Um dos argumentos contrários ao fortalecimento dos instrumentos de participação direta do povo na democracia é a ameaça aos direitos fundamentais das minorias. Esse é risco que não deve ser negligenciado, considerando experiências problemáticas ocorridas em outros países. Porém, no arranjo institucional brasileiro, há um elemento importante que minimiza o risco: a força da jurisdição constitucional na Constituição de 88, e o papel que ela tem desempenhado na salvaguarda de direitos fundamentais, especialmente de minorias estigmatizadas.
Em junho de 2013, o povo brasileiro se ergueu e foi às ruas com ampla e difusa pauta de reivindicações. Mostrou que pode não estar satisfeito com os seus políticos, mas que se importa com a política. Passou da hora de refundar a política no Brasil e, na refundação, as instituições representativas devem ter seu importante papel preservado, mas o protagonismo só pode caber ao povo. Afinal, na democracia, é do povo que emana o poder político.
 
* Daniel Sarmento é advogado, professor de direito constitucional da UERJ e conselheiro do Instituto UniCEUB de Cidadania (IUC)
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