DITADURA

AI-5: tempos sombrios no estado o mais duro golpe do regime militar

Lembranças de uma Ditadura no Maranhão, na época do Ato, o estado era governado pelo ex-presidente do Brasil (1985 a 1990), José Sarney. Entre 1958 e 1965 ele exerceu dois mandatos como deputado federal.

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O Ato Institucional nº 5 (AI-5), baixado em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do general Costa e Silva, foi a expressão mais nítida da ditadura militar brasileira (1964 a 1985). A partir de então, a ditadura pôde dissolver a Câmara de Deputados e o Senado Federal, cassar mandatos parlamentares em todos os níveis, demitir, aposentar e cassar os direitos políticos de qualquer cidadão, suspender o habeas corpus, decretar o estado de sítio e confiscar bens.

Além disso, o Poder Judiciário ficava expressamente proibido de apreciar a legalidade de decisões baseadas no Ato. O Ato vigorou até dezembro de 1978 e definiu o momento mais duro do regime, dando poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou como tal considerados.

Quase 51 anos depois, eis que as lembranças e as feridas do regime retornam com a recente fala do Deputado Federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), sobre a possibilidade de um novo AI-5 caso a esquerda radicalize. O assunto foi pauta em todas as rodas, na imprensa e nas mídias sociais depois que na entrevista, dada para a jornalista Leda Nagle, Eduardo Bolsonaro foi questionado sobre a opinião dele a respeito da situação política em países da América Latina, como o Chile (que passa por uma onda de manifestações de rua) e a Argentina (onde o peronismo ganhou as eleições presidenciais no último domingo, 28). 

“Vai chegar um momento em que a situação vai ser igual ao final dos anos 1960 no Brasil, quando sequestravam aeronaves, quando se sequestravam, executavam-se grandes autoridades, cônsules, embaixadores, execução de policiais, de militares”, disse Eduardo.

No Maranhão, na época do Ato, o estado era governado pelo ex-presidente do Brasil (1985 a 1990), José Sarney. Entre 1958 e 1965 ele exerceu dois mandatos como deputado federal. Politicamente se opôs ao golpe militar de 1964, inicialmente, mas, no ano seguinte, com a instituição do bipartidarismo, entrou para a Aliança Renovadora Nacional, a Arena, o partido governista.

À Agência Senado deu a seguinte declaração sobre o AI-5: “Eu era governador do Maranhão. Estava em Campina Grande, para ser paraninfo na Universidade da Paraíba. Após a solenidade, o reitor informou-me sobre a edição do AI-5. Era de abrangência brutal. Acabava o Estado de Direito. De volta a São Luís, tomei as providências para deixar o governo. Meu desejo era renunciar. Enfrentei a situação e recusei-me a emprestar solidariedade ao AI-5. Fui o único governador que teve essa atitude. Deram aos governadores poderes para criar comissões de investigação, demitir etc. Eu não utilizei nenhum desses poderes. No Maranhão, não foi preciso anistia. Ninguém foi punido.”

Projeção no Maranhão

O historiador e defensor público federal Yuri Costa, destaca o que representou o AI-5. “Até para se entender como o AI-5 se projeta sobre o Maranhão, é relevante a gente destacar a natureza desse ato. O AI-5 foi um dos 16 decretos-lei editados pelo comando do regime militar instalado após 1964 no Brasil. E e apesar de ter esse formato de decreto lei, ele equivalia a uma emenda constitucional, ou seja, ele mudava a principal lei do Brasil e aquela que regulamentava todo o restante da legislação. Assim, ele se projetou, do ponto de vista formal, de maneira uniforme sobre todo o brasil. Então o Maranhão é diretamente atingido pelo Ato, por tudo aquilo que ele previu em termos de dissoluções de instituições, de suspensão de liberdades, de direitos individuais e coletivos.

Tudo isso se projetou de maneira uniforme sobre o Brasil, não só do ponto de vista da norma formal, mas também concretamente em termos de atos, então a gente pode falar que o Maranhão, tal como os outros estados da federação, foi atingido pelo AI-5”, pontuou Yuri Costa. O historiador prossegue: “O AI-5 foi o principal instrumento de reforço do regime militar brasileiro. Ainda hoje é tido como um marco do recrudescimento da ditadura, exatamente porque ele construiu um regime de exceção, no sentido de suspender a legislação, e em grande parte, a própria constituição que estava em vigor no Brasil, e colocar sob a vontade das lideranças, então militares do país, o poder de decidir questões relevantíssimas”.

O Presidente da República tinha o poder de dissolver instituições de extrema relevância para a democracia, como por exemplo, as casas do poder legislativo. “Assim, o Congresso Nacional foi paralisado, dissolvido, ou seja, não existia mais legisladores de âmbito nacional. Uma das características do AI-5 era exatamente possibilitar uma intervenção direta do governo federal por seus líderes militares da época em todos os estados e municípios e assim foi feito. Se dissolveram todas, praticamente, ficou basicamente a Assembleia Legislativa de São Paulo. Então, do ponto de vista institucional há uma projeção imensa e consequências extremamente drásticas para a democracia do Brasil”.  A Assembleia do Maranhão, de fato viveu uma época de fechamentos e reaberturas, sendo que o último grande abalo verificou-se com a deposição do presidente João Goulart, em 1964, o que repercutiu fortemente naquela casa legislativa, com a cassação de mandatos, prisões e ameaças de torturas.

Triste lembrança

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Para o jornalista Douglas Cunha, há 46 anos exercendo a profissão, aqueles tempos foram obscuros, inesquecíveis e muito tristes. Na época ele trabalhava na Rádio Educadora (1973) e vivia um ambiente difícil, sob censura o tempo todo e incontáveis vezes teve que prestar esclarecimentos na Polícia Federal. “A gente vivia sob censura, assim como os demais veículos de comunicação, mas a Rádio Educadora, por ser do clero, era mais marcada porque a igreja se posicionou radicalmente contra o período de exceção. Isso nos rendeu muitas dores de cabeça, inclusive com as visitas constantes de agentes da Policia Federal, com a censura que era diária.

A gente recebia boletins todos os dias informando os assuntos que eram proibidos e isso nos exigia muito de como fazer para driblar essa situação, então eu pedia para os porteiros da Rádio que quando chegasse o censor com o boletim, que eles passassem recibo e botassem a hora que recebiam. Porque geralmente eu botava a matéria e em seguida chegava o boletim proibindo aquela matéria que já tinha ido para o ar, e isso aí me rendia uma chamada na Polícia Federal para dar explicações. E chegava lá eu levava a via em que estava a hora e assim eu me justificava, um delegado que trabalha lá me dizia que eu era escorregadio e que um dia ele ainda me pegava. Acabou a ditadura e eles não me pegaram”, contou.

Douglas lembrou com tristeza os problemas que enfrentavam, como as vezes em que a Rádio foi invadida porque as músicas também eram censuradas e o roteiro também precisava ser aprovado. “Quando o presidente Castelo Branco morreu, a rádio noticiou. E coincidentemente, em seguida tocou uma música que falava que havia morrido ‘o malvadeza durão’. A PF chegou logo em seguida querendo prender todo mundo, para justificar, o advogado que era diretor artístico da Rádio, o desembargador Cutrim que hoje é aposentado, teve que levar o roteiro e mostrar que foi uma coincidência, não havia uma predisposição, esse foi um dos fatos marcantes”.

O outro fato inesquecível vivido por ele, foi a invasão da casa dele pela Polícia Federal, quando estavam a sua esposa e suas filhas. Na ocasião ele estava fora de casa. “Eu fui chamado pelo partido MDB e saí candidato a vereador. Era 1976 e estava no período negro do AI-5. Eles foram à minha casa, perguntaram por mim, e mesmo eu não estando, reviraram tudo, e não encontrara nada, porque o que eles queriam era alguma coisa que me ligasse ao partido comunista. Como não encontraram nada, porque eu nunca fui comunista, ficou por isso mesmo. Trabalhar naquela época como jornalista era matar um leão todo dia. Era ficar atento, não dar bobeira, porque qualquer coisa era enquadrada na Lei de Segurança Nacional, e aí podia acontecer desgraças como a que aconteceu com Wladimir Herzog”, lamentou.

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