SAÚDE

Cada brasileiro infectado com a covid-19 transmite o vírus para outros três

Média registrada entre 25 de fevereiro e 31 de maio é maior que a de países como França e Itália. Mapeamento epidemiológico feito pela USP também mostra que a falta de acesso a testes de diagnóstico pode ter ajudado a disseminar o Sars-CoV-2

(Photo by Victor Moriyama/Getty Images)

Um estudo feito por cientistas da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com pesquisadores ingleses, mostra que, entre fevereiro e maio, cada brasileiro infectado transmitiu o novo coronavírus para três pessoas. O trabalho científico, publicado ontem, na revista britânica Nature Human Behaviour, sinaliza que, no país, a taxa de transmissão do Sars-CoV-2 foi maior que a registrada em nações europeias, onde os casos começaram a surgir antes.

“Estimamos maior potencial de transmissão mediana do Sars-CoV-2 no Brasil: de 3,1, em comparação com Itália, Reino Unido, França e Espanha, que têm estimativas que variam de 2,5 a 2,6”, comparam os autores. Para que a transmissão de um vírus seja considerada sob controle, esse número precisa ficar abaixo de 1 — dessa forma, uma pessoa infectada não consegue passar a doença para nenhum outro indivíduo.

As análises tiveram como base dados fornecidos pelo Ministério da Saúde desde 25 de fevereiro, data do primeiro caso da doença no Brasil, a 31 de maio, quando o país registrava 514.200 infectados e mais de 29 mil mortes. “Os casos foram relatados em 75,3% (4.196 de 5.570) dos municípios em todas as cinco regiões administrativas e incluíram 206.555 (40,2%) pacientes recuperados e 29.314 casos fatais (17,5%)”, detalham os autores.

Recorte social

Os pesquisadores também observaram que diferenças relacionadas ao desenvolvimento social podem ter influenciado os diagnósticos de covid-19 no território brasileiro. “Descobrimos que a proporção de casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) com etiologia desconhecida versus casos confirmados da covid-19 aumentou em todo o país. Os casos graves de SRAG com etiologia desconhecida foram associados a menor renda per capita”, explicam.

Segundo a equipe, considerando bases clínicas e epidemiológicas, é provável que muitos casos de SRAG com etiologia desconhecida tenham sido causados pelo Sars-CoV-2. “As diferenças socioeconômicas estão associadas ao acesso aos cuidados de saúde e devem ser levadas em consideração ao projetar intervenções direcionadas”, justificam.

O detalhamento epidemiológico da doença mostra ainda que municípios mais populosos e com melhor conexão foram afetados mais cedo pela pandemia. Para a equipe, a falta de  acesso igualitário aos testes de diagnóstico foi um fator que contribui para a “disseminação rápida e sustentada da epidemia no Brasil”. “Nossos dados descobrem um viés socioeconômico nos testes e diagnósticos nas diretrizes de vigilância atuais e sugerem que o número de casos confirmados relatados pode subestimar substancialmente o número de casos na população em geral”, justificam.

Combate

Os autores acreditam que os dados vistos no trabalho científico podem ajudar no desenvolvimento de estratégias de combate à pandemia no país, que é um dos mais castigados pela nova doença. “Conscientes dos desafios associados à vigilância desde o início da epidemia no Brasil, nos concentramos em dois objetivos. Primeiro, contextualizamos a epidemia brasileira de Sars-CoV-2 comparando a dinâmica de transmissão local com a observada em outros países selecionados. Segundo, usamos dados geoespaciais relacionados a casos confirmados de covid-19 e SRAG com etiologia desconhecida para avaliar a relação entre fatores socioeconômicos e distribuição de covid-19”, detalham.

Para a equipe, “essas descobertas fornecem uma descrição abrangente da epidemia de covid-19 em andamento no Brasil e podem ajudar a orientar medidas subsequentes para controlar a transmissão de vírus”.  O trabalho foi conduzido por cientistas do Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da USP, da Universidade de Oxford e do Imperial College de Londres.

BCG pode ter reduzido casos

A vacina BCG, que é usada no combate à tuberculose, pode ter contribuído para taxas mais baixas de casos de covid-19 em alguns países, mostra estudo divulgado na Science Advances. Os autores observaram que países que consideram essa vacinação obrigatória pelo menos desde o ano 2000 exibiram taxas mais baixas de infecção e morte durante os primeiros 30 dias do surto da doença em seu território.

As evidências disponíveis demonstram que a vacinação de BCG, normalmente administrada no nascimento ou durante a infância para prevenir a tuberculose, também pode ajudar a fortalecer a imunidade contra várias outras doenças infecciosas, e isso pode incluir a covid-19, destacaram os autores, liderados por Martha Berg, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos.

Os investigadores analisaram a taxa diária de aumento de casos de covid-19 confirmados em 135 países e mortes em 134. O foco foi em mudanças nas taxas de crescimento dos registros e em suas variáveis, como disponibilidade de testes de diagnóstico, idade mediana dos infectados e  densidade populacional.

Apesar da relação identificada, a equipe alerta que os resultados não retratam o BCG como uma “fórmula mágica”. Segundo os autores, variáveis sociais adicionais também podem ter influenciado o resultado do estudo, o que exige a realização de mais pesquisas.

Com os dados recebidos, a equipe também fez projeções sobre mortes e casos da doença. Uma das constatações foi de que apenas 468 pessoas teriam morrido de covid-19 nos Estados Unidos até 29 de março de 2020, o que representa 19% do número real de 2.467 mortes nessa data, se os americanos tivessem instituído a vacinação obrigatória contra o BCG há várias décadas.

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