NÚMEROS CONFUSOS

Foi coronavírus? A difícil questão entre atestados de óbitos e casos confirmados

Registros de mortes por insuficiência respiratória e pneumonia em cartórios de Minas são 10 vezes maiores que em 2019

Reprodução

Já somam 445 os registros por mortes por quadros respiratórios nos cartórios de Minas Gerais este ano. O número é 10 vezes maior do que o do mesmo período do ano passado, quando morreram 46 pessoas, mostram dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil). Mortes por causas respiratórias englobam insuficiência respiratória e pneumonia

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Entre 1º de janeiro e 2 de abril deste ano,  175 pessoas morreram por insuficiência respiratória em Minas Gerais.  No ano passado,  24 pacientes faleceram com a mesmo quadro. Os números foram atualizados às 18h de ontem. O total de mortos por pneumonia saltou de 22 para 270 na comparação com o mesmo período de 2019. 

Os números fazem parte do portal da transparência – plataforma eletrônica que reúne os dados registrados pelos cartórios de todo o país. “O portal surge com o objetivo de proporcionar uma melhor compreensão do impacto da pandemia do novo coronavírus à população, ao governo e à imprensa, contribuindo para a apuração de subnotificações de casos fatais”, disse Luis Carlos Vendramin Júnior, vice-presidente da Arpen. A associação, fundada em 1993,  representa a classe dos oficiais de registro civil de todo o país, que atendem a população em todos os estados brasileiros, realizando os principais atos da vida civil de uma pessoa: o registro de nascimento, o casamento e o óbito. 

As estatísticas fazem o recorte para essas duas doenças porque são patologias relacionadas ao surto de COVID-19 e que podem constar como causas de falecimentos. Consultado pelo Estado de Minas, o médico infectologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais  (UFMG)  Mateus Rodrigues Westin explica que a insuficiência respiratória é o termo utilizado para descrever a inadequada troca de gases pelo sistema respiratório. “Isso pode ser tanto por uma dificuldade de troca do oxigênio ou do gás carbônico, pois precisamos absorver o oxigênio e liberar o gás carbônico”, disse.  A pneumonia é um processo inflamatório, geralmente de origem infecciosa dos pulmões. 

O especialista explica que qualquer agente microbiológico pode levar ao quadro de pneumonia. “Mas, na grande maioria das vezes, são vírus e bactérias”, acrescentou o médico. A COVID-19 é uma doença com grande espectro de manifestação clínica, ou seja, pode provocar poucos sintomas ou sintomas com grande gravidade. “Os poucos sintomas estão atrelados a síndrome gripal (febre, tosse, dor de garganta, dor no copo). O polo de maior gravidade é quando começam as dores no peito para respirar”, explicou o médico.

De qualquer forma, o aumento de número de mortes por causas respiratórias é gritante de 2019 para 2020. E, também, fora de época. Isso porque é o tempo frio que aumenta o risco de doenças respiratórias. “Os casos começam a aparecer no fim do verão, início do outono com pico no inverno. É na época de frio que temos maior frequência de doenças relacionadas ao sistema respiratório”, disse o médico. Pessoas com, por exemplo,  bronquite, asma, enfisema pulmonar, podem desenvolver quadros de insuficiência ou pneumonia. 

Já em relação ao coronavírus no estado, há apenas um registro de morte no cartório, embora a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) já tenha confirmado a quarta morte (leia texto nesta página). Mesmo a plataforma sendo um retrato fidedigno de todos os óbitos anotados pelos cartórios de registro civil do país, os prazos legais para pedir o documento e para seu posterior envio à Central de Informações da área (CRC Nacional), regulamentada pelo Provimento 46 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), podem fazer com que os números sejam ainda maiores. 

Isto porque a Lei Federal 6.015 prevê um prazo para registro de até 24 horas do falecimento, podendo ser expandido para até 15 dias em alguns casos, enquanto a norma do CNJ estabelece que os cartórios devem enviar seus registros à Central Nacional em até oito dias após a comunicação do óbito. 

“O painel em que constam as causas de morte por pneumonia ou insuficiência respiratória existe para dar transparência. O Registrador Civil do Brasil não tem nenhuma qualidade técnica para fazer qualquer referência ou diagnóstico comparativo”, explicou Luis Carlos Vendramin Júnior, vice-presidente da Arpen-Brasil ao ser questionado sobre a possibilidade de subnotificação da COVID-19 entre as outras duas causas de morte. Ele reitera que a competência pelos números oficiais é do Ministério da Saúde.

‘O painel em que constam as causas de morte existe para dar transparência. O Registrador Civil do Brasil não tem nenhuma qualidade técnica para fazer qualquer referência ou diagnóstico comparativo’

Luis Carlos Vendramin Júnior, vice-presidente da Arpen-Brasil

 Ele esclarece, também, que o registro independe de um exame comprovatório, mas, sim, do diagnóstico fechado pelo médico que atendeu o falecido. “Os trâmites para fazer o registro são os seguintes: a pessoa morre e o médico que a atendeu na unidade de saúde elabora a declaração de óbito, atestando a causa, a data e o horário do falecimento. No caso da COVID-19, alguns médicos podem já ter o diagnóstico (seja pelo acompanhamento ou por exame). Então, no laudo médico, ele vai fazer essa identificação. Mas pode haver outros casos de pessoas que vieram a falecer e o laudo é inconclusivo”, disse. Entretanto, esse laudo vai para análise laboratorial e, posteriormente, se confirma se havia ou não COVID-19. “Portanto, o painel não faz essa identificação e, sim, a identificação do que consta nas declarações médicas

O que se sabe com certeza é o que, no Brasil, o número de atestados de óbitos em que a causa aparece como suspeita ou confirmada de COVID-19, assinados por médicos em todo o país, é maior do que o total já divulgado pelo Ministério da Saúde: 368 até as 19h de ontem contabilizados na plataforma contra 299 do Brasil.  No caso do dado do Ministério, o número refere-se exclusivamente a óbitos confirmados por exames. Segundo a plataforma, São Paulo lidera com 261 óbitos, e Rio de Janeiro, com 57, entre confirmadas e suspeitas.

Subnotificação

O infectologista Mateus Rodrigues Westin  lembra que a subnotificação é assumida por todas autoridades sanitárias do Brasil. Isso porque a própria orientação do Ministério da Saúde é que as pessoas com sintomas gripais – infectadas pelo coronavírus ou não – fiquem em casa. Só devem procurar o sistema de saúde quando o sintoma se agrava com a falta de ar, principalmente.  Esse é o sintoma indiciativo que os pulmões podem estar acometido e que a COVID-19 pode evoluir para um quadro de pneumonia”, explica. 

“Além dessa recomendação, temos que considerar que ainda temos muitas pessoas com critério que buscaram o atendimento, foram notificadas como casos suspeitos e que não fizeram teste confirmatório“, disse. Isso porque, depois que se iniciou a transmissão comunitária –  quando as equipes de vigilância não conseguem mais mapear a cadeia de infecção – não é possível atestar a grande maioria dos suspeitos. “Logo, vão aparecer outros levantamentos que mostram subnoficiação. Inclusive, de casos graves e com o aumento de maior frequência de morte pela pandemia e a pneumonia e a insuficiência respiratória podem ser um desses indicativos”, disse.

Base jurídica

Por sua vez, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais informou que “a certidão de óbito é documento expedido nos termos da Lei Federal 6.015, de 31 de dezembro de 1973, conhecida como Lei dos Registros Públicos e normatizações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e tribunais de Justiça. A legislação preconiza que, ainda que não haja certeza da causa da morte, por exemplo por meio de um exame que traga essa comprovação, faz-se o registro indicando a causa provável. Havendo comprovação posterior sobre a causa da morte, é possível a retificação desse dado, nos termos da legislação.” 

Com relação aos dados apontados, de acordo com a SES, eles podem ser interpretados como indicativo de número de ocorrências, mas não há como estabelecer relação de causa e consequência, pois somente com exames é possível determinar que a causa do óbito foi por adoecimento pela COVID-19”.

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