Corte de salários dos servidores públicos entra no radar de autoridades
Com a redução de rendimentos de trabalhadores da iniciativa privada, devido à crise, cresce a pressão para que o funcionalismo público também dê sua cota de sacrifício
Enquanto os trabalhadores do setor privado veem a renda encolher com a suspensão dos contratos de trabalho ou com a redução de jornada e de salários em até 70%, medidas definidas pela Medida Provisória 936/2020, há uma expectativa de analistas de que, a partir de agora, a sociedade vai exigir que os servidores também deem sua cota de sacrifício.
Nessa segunda-feira (13), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que vinha defendendo corte de até 20% nos salários do funcionalismo, sem encontrar apoio nos demais poderes, reafirmou que é preciso um acordo para aprovar essa medida em meio à desaceleração da atividade econômica provocada pela pandemia.
Os poderes são independentes. Não dá para fazer demagogia. Mas acho que esse debate é importante e ele virá. Todos aqueles com salários maiores nos Três Poderes, em algum momento, vão ter de compreender e dar uma contribuição”, sustentou, durante uma videoconferência realizada pela Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo). “Mas, não tendo acordo com o Executivo e o Judiciário, a gente não pode prejudicar apenas os servidores do Congresso
Maia disse, também, que tem conversado com o Ministério da Economia para construir uma proposta alternativa de congelamento de salários por dois a três anos. “Se o governo encaminhar a proposta de congelamento de salários, ela vai ter um debate rápido na Câmara. Mas é preciso também que o Executivo encaminhe as propostas para trabalharmos juntos com as bancadas de todos os partidos”, explicou. Ele disse, ainda, que o Congresso não aumentou o teto de R$ 33 mil para R$ 39 mil, no ano passado, como fez os demais poderes.
O corte na despesa com pessoal junto aos 11,5 milhões de servidores públicos no país é uma das bases do ajuste fiscal adicional à reforma da Previdência tanto no governo federal quantos nos regionais, de acordo com o secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco. “A despesa com pessoal é um dos maiores gastos do governo depois da Previdência, e, por conta disso, não haverá como o governo não atacar também esse custo”, ressaltou. “E, para ter sentido, a regra de redução de salários teria de ser abrangente para todos os poderes e para todas as autoridades do setor público, sem exceções.”
No Orçamento de 2020, aprovado pelo Congresso em 2019, o gasto com pessoal para este ano é bem maior: de R$ 344,6 bilhões, e a reestimativa do Executivo está em R$ 325,7 bilhões. Para Castello Branco, outra despesa que precisará ser atacada são os subsídios, que devem custar aos cofres públicos, neste ano, R$ 398 bilhões.
A economista e advogada Elena Landau, conselheira do movimento Livres, não tem dúvidas de que todos os poderes vão ter de contribuir de alguma forma nesta crise. “Bastava impor um teto constitucional para o funcionalismo e que ele fosse respeitado, já seria espetacular. Mas, para isso, é preciso que a decisão parta do Executivo, como suspender os penduricalhos que fazem com que muitos rendimentos fiquem acima do teto”, comentou. “O desemprego é brutal de um lado, e não faz sentido, alguns estados ou categorias, cogitarem até aumento de salários.”
Elena Landau se mostrou favorável à proposta do deputado federal Rubens Bueno (Cidadania-PR), que defendeu a votação de um projeto de 2015, relatado por ele, regulamentando o teto salarial do serviço público. “Esse é o melhor caminho”, afirmou. A aprovação da matéria pode gerar uma economia de mais de R$ 2 bilhões, pelas contas do parlamentar.
O senador Reguffe (Podemos-DF) vai por um outro caminho. Ele apresentou um projeto de lei propondo que 100% da verba indenizatória e 50% da verba de gabinete dos parlamentares sejam destinados à saúde. E calcula que a medida poderia liberar pelo menos R$ 400 milhões para o setor neste ano, se fosse aprovada neste mês e vigorasse até dezembro. Reguffe ressaltou ainda que o dinheiro abdicado por cada parlamentar deve ser encaminhado para o estado representado pelo deputado ou senador em questão. Mas admitiu que o projeto enfrenta certa resistência no Congresso, já que muitos não querem abrir mão das suas verbas.
Na opinião de Reguffe, contudo, a contribuição do Legislativo não pode vir por meio do corte de salário dos servidores, pois acredita que essa medida reduziria a quantidade de dinheiro que circula na economia brasileira. “Temos de cortar privilégios, mordomias”, defendeu.
Enquanto medidas mais contundentes na diminuição de gastos não saem, na semana passada, a Câmara reduziu em R$ 150 milhões as despesas previstas no orçamento da Casa deste ano, de quase R$ 5 bilhões, e destinou o dinheiro para o combate à Covid-19. Fontes afirmaram que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), vai tratar de assunto semelhante nesta semana.
Sindicalistas pregam cautela
Especialistas reconhecem que o momento atual é crítico e, em algum momento, o governo vai ter de discutir a redução de salários ou o congelamento da remuneração de servidores, contudo, sindicalistas defendem a adoção de outras medidas antes de o Executivo avançar sobre a renda do funcionalismo, como a proposta de “empréstimo compulsório”, em vez de reduzir os salários, que só poderia ocorrer por meio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC).
O vice-presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis), Alison Souza, por exemplo, não descartou essa possibilidade em um momento mais crítico para a economia. “Estamos ainda no início da crise, e começar esse debate falando em redução de salários pode ser um risco para a economia, porque a renda dos trabalhadores vai diminuir, e isso vai prejudicar a retomada da atividade”, disse. Ele sugeriu, como exemplo, a venda do excedente de reservas internacionais como um caminho para custear os gastos que devem aumentar neste ano no socorro às empresas, aos trabalhadores e aos 40 milhões de informais e desempregados no país. Souza lembrou que a equipe econômica já incluiu essa possibilidade na PEC Emergencial, que permite a redução de jornada e de salário em até 25% para os funcionários públicos de estados e municípios em dificuldades financeiras, mas enfrentou obstáculos legais antes da chegada do coronavírus.
O presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público, o deputado Professor Israel (PV-DF), defendeu que, em um momento de recessão econômica, não é recomendado tirar dinheiro da economia por meio dos salários. “O impacto seria enorme. Aqui, no DF, por exemplo, 36% da massa salarial vem dos servidores”, frisou. Segundo ele, até o ministro da Economia, Paulo Guedes, já concordou que há impacto macroeconômico que precisa ser considerado nessa medida.
Pelos cálculos do economista Matheus Hector, associado do movimento Livres, no entanto, um corte de 30% do salário dos servidores, que não permita que ninguém ganhe menos do que um salário mínimo e não afete os profissionais de saúde e da segurança, teria um impacto fiscal de R$ 8 bilhões ao mês. “Se estipulasse essa taxa de 30% até o fim do ano, pagaria mais da metade dos R$ 600 do auxílio emergencial”, defendeu, lembrando, porém, que seria preciso estender o corte aos servidores estaduais e municipais. Hector reconheceu que o corte de rendimentos enfrenta obstáculos no momento, mas avaliou que a ideia de congelar o salário dos servidores em até 10 anos, que ganha força na equipe econômica, não é de todo mal. “É uma sinalização para o mercado de que o ajuste pode vir no longo prazo”, explicou, dizendo que essa medida poderia ter um impacto de R$ 187 bilhões em uma década.
Para Gil Castello Branco, secretário-geral da Contas Abertas, o governo tem muita gordura para cortar em salários e penduricalhos. “O Congresso custa R$ 29,7 milhões por dia. Os deputados federais têm até 25 assessores, e um único senador, pasmem, chegou a ter 80 subordinados em fevereiro deste ano”, destacou. “No caso do Judiciário, há vantagens de todos os tipos, inclusive férias de 60 dias, que poderiam ser economizadas pelos cofres públicos, especialmente, com as decisões com efeito retroativo geram eventualmente pagamentos exorbitantes”, enumerou.