EM MEIO À PANDEMIA

Como superar o luto sem o ritual da despedida?

Especialista sugere atitudes que podem ajudar no processo de superação do luto durante pandemia do novo coronavírus

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“Peço orações pela minha sobrinha, tem 22 anos, o coronavírus afetou o cérebro, está entubada, à espera de um milagre!”. Com o pedido cheio de esperança, a mensagem de Nathália Marão (33) chegou ao grupo da escola no último dia 21 de abril. No dia seguinte, mais uma mensagem de Nathália no grupo, mas dessa vez com a notícia que ninguém queria receber: a sobrinha dela não resistiu às complicações da COVID-19. “É uma sensação de desespero, de profunda tristeza, porque esse vírus não escolhe idade, chega de repente e causa todo esse estrago em nossas vidas”, desabafou a tia da jovem paciente, que estava internada há mais de 20 dias em um hospital particular de São Luís.

Outra morte que causou bastante comoção entre os maranhenses foi a do jornalista Roberto Fernandes, na terça-feira (21). Roberto Fernandes também foi infectado pelo novo coronavírus e estava internado em um hospital particular. Com complicações decorrentes da COVID-19, o jornalista maranhense também não resistiu. “Cuida da gente aí de cima, vovô Beto! Pena que todos os nossos sonhos, de ver o seu Pituquinha (apelido carinhoso do neto de Roberto) jogando bola como você sonhava… Você não vai estar aqui”, lamentou-se Roberto Fernandes Júnior, filho primogênito do jornalista.

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Em comum, essas duas mortes têm um fato doloroso, imposto pela pandemia do novo coronavírus: o isolamento familiar. Tanto a sobrinha de Nathália quanto o jornalista Roberto Fernandes já estavam afastados de suas famílias, cumprindo isolamento, para evitar a propagação do vírus. No caso deles e de tantas outras pessoas ao redor do mundo, após tanto tempo sem uma palavra, um toque, um cheiro ou mesmo um olhar, a perda deixou um vazio inestimável, afinal, nem mesmo se despedir dos parentes que partiram as famílias puderam.

Superar o luto já é um processo bastante delicado e complexo. Agora o dilema de milhares de famílias é: como superar o luto sem o ritual da despedida, que, para muitos, marca a passagem da vida terrena para a vida espiritual?! Sim, tudo é ainda mais complicado. Nesse cenário, o consolo dos familiares pode vir com o apoio da tecnologia: encontros virtuais para orações por aplicativos de teleconferência e grupos de apoio online são indicados para superar a dor da perda alguém querido.

A psicóloga Carmen Campos, explica que a impossibilidade de acompanhar os parentes doentes no hospital, ou de se despedir em caso de agravamento do quadro com evolução para óbito, cria uma espécie de trauma, pela sensação de que a morte é súbita, inesperada. “Estudiosos em vários países já apontam uma perspectiva de impacto que dure cerca de dez anos na saúde mental das pessoas, e muito disso tem a ver com a superação (ou não) do luto vivido por cada uma delas”, atesta Carmen Campos.

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Velório e enterro

É cultural: velório e enterro são rituais que dão a parentes e amigos a oportunidade da despedida. Esses momentos, psicologicamente, afetam diretamente a elaboração do processo de luto, pois são como organizadores emocionais. “É nesses momentos que as pessoas podem expressar o sofrimento, extravasar a tensão, logo, se isso é alterado, consequentemente a superação do luto também pode ser”, enfatiza Carmen, que exemplifica como esses rituais ajudam no processo: “Durante um velório preparado pela família, os parentes mais próximos escolhem a roupa, cantam músicas (geralmente hinos cristãos), enfeitam o local com as flores que aquela pessoa gostava. Com isso tudo, a família tende a imaginar que o semblante da pessoa que se foi está serena. Agora, tudo isso está silenciado”, demonstra a psicóloga.

Apoio e memória

Como alternativa a essas restrições impostas pelo isolamento social, uma sugestão é que familiares e amigos, ainda que virtualmente, possam se reunir em oração, além de criar memoriais em suas casas. “Um jardim, um cantinho de fotos, algo que lembre aquele ente querido pode ser construído, para que as boas lembranças não deixem de existir”, recomenda a especialista.

As 5 fases do luto

O luto é um estado psíquico extremamente doloroso, associado à morte e às perdas. No entanto, por mais difícil que possa ser, é necessário “viver o luto” para não se “viver de luto”. A psicóloga Carmen Campos revela que é imprescindível passar por todas as fases desse processo para que se atinja a superação. O contrário pode provocar o “luto patológico”, que é causa frequente de graves doenças psicológicas, como depressão, transtornos de ansiedade e outras patologias.

Em geral, a vivência do luto se dá em cinco fases. A primeira fase pode ser reconhecida com base em reações e frases como “eu estou bem”, “não preciso de ajuda”. Em um segundo momento, aparecem a negação e raiva, bem percebidas em colocações como “isso não é justo comigo”, “por que Deus fez isso comigo?”.

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A terceira fase, de acordo com a psicóloga Carmen Campos, é a da barganha, quando as pessoas enlutadas querem fazer uma negociação do tipo “Eu faria qualquer coisa para ter ele(a) de volta”. Nesse caso, tem pessoas que recorrem à espiritualidade e se aproximam de determinadas religiões para tentar amenizar a saudade e também a dificuldade de lidar com a perda.

Mais à frente, aparece a fase depressiva, em que a pessoa se nega a sair de casa e acredita que a dor que sente não vai passar. “Essa é a fase em que a pessoa está se despedindo do luto, quando começa a entender que é um sofrimento, mas que precisa sair do fundo do poço e que, para isso, só depende  dela”, explica a especialista.

A última etapa é a mais importante e a mais demorada. Essa é a fase da aceitação, que pode ser bastante prolongada para algumas pessoas. Também conhecida como a fase da conformidade, esse momento é reconhecido quando as pessoas começam a dizer, por exemplo, que a morte trouxe a paz para quem partiu e para quem ficou.

“Aceitar o luto sempre vai ser o melhor caminho, porque quando as pessoas o negam, elas enclausuram o próprio sofrimento, fazem com que aquilo fique muito mais aparente”, defende a professora Carmen, ao lembrar que vai chegar um momento em que a saudade não vai doer mais, será considerada leve, e só trará boas memórias.

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