Bandeira branca após o resultado das urnas
O cenário político deixado pelas eleições de 2022 foi capaz de uma polarização tamanha que afetou até mesmo a vida pessoal de eleitores.
Uma eleição polarizada. Sem terceira via, sem chance para uma outra candidatura alcançar o Planalto Central. As eleições presidenciais de 2022 foram a do “vai ou racha”, a do “sim ou não”, a do “fora ou fica”.
O clima pré-eleição entre eleitores de Jair Bolsonaro (presidente até 1º de dezembro) e Lula (presidente eleito) foi tenso. Esquerdistas e eleitores da extrema direita rivalizaram em todos os sentidos. O Brasil ficou dividido.
Amigos romperam a amizade, parentes brigaram e deixaram de se falar, porque um não aceitou a escolha do outro. Houve (e ainda há) bate-boca em redes sociais, em aplicativos de mensagens, xingamentos, palavrões, ofensas, pessoas que foram às vias de fato, e até morte por causa de preferências políticas. Mas não parou por aí.
Com o resultado das eleições, aí mesmo que o clima esquentou, literalmente. Enquanto os apoiadores de Luís Inácio Lula da Silva comemoravam a vitória dele contra Jair Bolsonaro com 50,9% dos votos válidos, eleitores bolsonaristas que não se contentaram com o resultado das urnas no segundo turno das eleições presidenciais, realizado no domingo (30), foram para as ruas protestar.
Usando camisetas do Brasil, roupas nas cores verde e amarela, bandeira nacional nas mãos ou envolvendo o corpo, eles bloquearam estradas estaduais e federais, fizeram passeatas, fizeram barricadas, acamparam em frente aos quartéis e questionavam o resultado das eleições. Eles pediam intervenção federal.
Passados mais de 11 dias após o resultado das eleições, confirmado após relatório final do Ministério da Defesa (no último dia 9) que não apontou a existência de nenhuma fraude nas urnas, parece que o clima amenizou. Pois assim, não restariam dúvidas quanto ao processo eleitoral. Mas será que o clima de paz está reinando?
O Imparcial conversou com um psicólogo sobre esse momento em que o Brasil atravessa pós-eleição. Afinal, como ficam as relações arranhadas ou rompidas após esse período eleitoral? E as famílias? Como serão os encontros de fim de ano? Qual será o comportamento de quem teve atitude extremista? Confira a entrevista que fiz com Jefther Rocha, psicólogo e professor de psicologia da Estácio São Luís.
Quatro perguntas// Jefther Rocha
- As eleições acabaram, mas a convivência de eleitores contrários precisa continuar. Como fazer, já que muitos deixaram de se falar, viraram inimigos…
“Inicialmente, é importante entender que estamos em uma democracia, e na democracia prevalece a vontade da maioria. Precisamos compreender que um dos lados vai vencer, e quando isso acontece, é importante ganhar com graça e perder com dignidade. Então, entender que o lado vencedor precisa ser respeitoso, e o lado que perde também precisa manter o jogo democrático, ou seja, aceitar o resultado daquilo que foi obtido pela maioria nas urnas”.
- As festas de fim de ano estão chegando. Como deverá ser o clima, tanto para as festas entre amigos, quanto para as reuniões em família?
“As festas de fim de ano costumam ser um momento em que familiares e amigos se reúnem. E por conta disso, alguns atritos podem acontecer, visto que nem sempre relações familiares vão ser relações amistosas o tempo todo. Isso é relativamente normal. Agora, é importante que uma mínima convivência, senso, noção e harmonia aconteçam durante esses encontros entendendo que, se a ideia é reunir-se e estar junto, que pelo menos seja para que uma convivência harmônica aconteça para ambos os lados”.
- Como o senhor avalia o comportamento das pessoas que deixaram de falar com seus familiares por causa da política?
“Quando se fala na relação família e de pessoas que deixaram de falar com familiares por questão política, é importante saber quais são as questões políticas que estão por trás. Algumas questões estão para além das eleições e envolvem questões relacionadas à discriminação, violência, preconceito, e por conta disso também não podem ser negligenciadas, pois são muito maiores do que questões puramente eleitorais. Agora, é importante entender que a família persiste e perdura para além das eleições, e uma relação harmônica é o que costuma se esperar dentro das relações familiares”.
- Nesse cenário, qual orientação para que as pessoas levantem apenas a bandeira branca, a da paz?
“Eu acho importante entender que dentro de uma democracia a gente não pode ver a política de forma tão dicotômica, ou seja, de forma tão diferenciada. A gente não pode colocar o nosso lado como o lado do bem, e o lado diferente do nosso como o lado das pessoas más. É importante entender que dentro de uma democracia vai prevalecer a voz do povo, e quer queira o lado que você siga, ambos queremos: mais igualdade, menos violência, mais qualidade de vida, mais paz, e queremos também o melhor para nosso país”.