ENTREVISTA ÍMPAR

Da Justiça aos Leões: Paulo Velten entre dois palácios

Há quase um mês no comando do Governo do Maranhão, o desembargador faz um balanço da sua gestão, e diz que não pensa em seguir carreira política.

O governador do Maranhão em exercício, Paulo Velten, concede entrevista exclusiva a O Imparcial. (Foto: Divulgação/O Imparcial)

O Imparcial – O governador em exercício, desembargador Paulo Velten, traça um perfil abrangente da gestão estadual, deseja a volta do titular Carlos Brandão o quanto antes, restabelecido e pronto para ingressar na campanha. Quanto sua presença no Palácio dos Leões, segue cumprindo a regra da constituição, preservando a institucionalidade e a harmonia entre os poderes do Estado.

Velten nem pensa em trocar a toga pela política, sabe separar sua interinidade de ações da pré-campanha eleitoral, que esperando o dia para atravessar a rua de volta ao Tribunal de Justiça. No âmbito nacional, ele não acredita e quebra da normalidade democrática decorrente das eleições presidenciais de outubro.

“A sociedade não aceita e as instituições, inclusive as Forças Armadas, estão dentro do cumprimento do papel que lhes cabe”. 

Paulo Velten na Capa de O Imparcial deste sábado (25). (Foto: O Imparcial)

O Imparcial – O que seriam apenas uns cinco dias, já se foram 25 a sua interinidade no governo do Maranhão. Como foram as experiências?

Paulo Velten – Dias bastante movimentados. Já no primeiro dia declarei que faria a agenda do governo. Eu não tenho uma agenda pessoal, eu prezo muito por essa questão institucional, de cumprir aquilo que está dentro da quadratura da nossa Constituição. Então, é a agenda de governo que a gente tem cumprido.

Eu tenho conversado muito com os secretários, com os nossos assessores jurídicos e técnicos, procurado conhecer aqui a realidade administrativa do Estado, a situação da governança de um modo geral.

Já viajei um bocado. Eu tenho a impressão que, pelo menos, uns 20 municípios. O meu discurso lá, no momento que me cabe falar, é sempre um discurso pró-instituição, não é um discurso político, partidário, eleitoral. Tem procurado fala sobre a importância das instituições funcionarem democraticamente. E que a sociedade deve acreditar que a solução dos problemas do Estado para os problemas dos municípios, passa sempre pelo fortalecimento institucional.

O que eu tenho dito aqui é aquilo em que eu confio de fato. Então, vejamos, nós não precisamos de mitos. Nós não precisamos de heróis. Nós precisamos de bons projetos administrativos e que sejam implementados por pessoas capazes. Isso eu tenho visto aqui. Eu estou muito bem impressionado.

O ImparcialQuando o senhor sair daqui, no final destainterinidade, leva uma visão diferenciada do Maranhão?

Com certeza. Eu estou muito admirado de ver o alcance das ações administrativas, já que nós temos uma população que depende muito dessas ações. Eu tenho conhecido aqui áreas do nosso Estado que, como magistrado, eu não conhecia. A gente percebe, por exemplo, quando você reúne essas pessoas.

Hoje mesmo eu falava lá em Anajatuba, pela manhã, quando a gente se reunia no mesmo espaço a sociedade civil organizada, a população, os prefeitos, os vereadores, os secretários municipais, a própria comitiva do Estado. A gente percebe que a população está querendo participar. Estão conectadas com aquela ideia de desenvolvimento econômico do Estado, como por exemplo, os produtores locais que buscam ações coordenadas para o aquecimento da agricultura familiar.

O Imparcial Quando o senhor aparece nos municípios, como governador, um juiz do Tribunal de Justiça, como o senhor acha que a população vê isso?

Hoje mesmo a gente ouviu isso daí. No início há certo estranhamento. As pessoas não conhecem. E aí a turma do cerimonial anuncia “Tá chegando aí o governador em exercício” e você percebe as pessoas “ele é novo no cenário”, mas o que a gente percebe assim, muito rapidamente também, é que a população do Maranhão, isso em todos os municípios por onde eu tenho passado, é sempre uma população muito educada, muito receptiva.

Ela começa a perceber que existe um estado profundo, um “deep state”, esse modelo de estado profundo que funciona. E isso, para mim, tem sido assim maravilhoso, muito espetacular. Eu tenho tido aqui a possibilidade de abrir horizontes para enxergar a administração pública de uma forma que a gente do Poder Judiciário não conhece.

A gente sabe que lá a gestão na administração da Justiça é mais específica. Nós trabalhamos com aquela ideia de que os poderes do Estado são, antes de tudo, especializações do mesmo Estado.

O ImparcialEssa sua presença à frente do governo do Estado tocou, em algum momento, um estímulo para eventualmente ingressar na política?

Ah, não! Isso eu quero deixar bem claro. O Judiciário hoje, que é próprio de um modelo de democracia forte e consolidada, ele assumiu um papel protagonista. Em todo o Estado forte, a gente tem um Judiciário forte. E isso a gente identifica claramente nos países centrais, países que já têm a sua democracia consolidada, instituições eficazes, funcionando.

É natural que, nesse ambiente, os magistrados comecem a ser vistos como agentes políticos que são, mas agentes políticos no sentido de ter uma intervenção pública também na vida das pessoas. Não é a política partidária.

E eu me sinto vocacionado para atuar nesse sentido como agente político do Poder Judiciário. Não tenho nenhuma pretensão política mais ampla. Cumpro isso daqui com absoluta consciência do meu dever, esperando o momento de fazer a travessia de volta e reassumir minhas funções no Poder Judiciário.

O ImparcialO que está acontecendo aqui hoje, com essa interinidade, o senhor ocupando esse cargo, é bem diferente da relação institucional do poder central com o Supremo Tribunal Federal, por exemplo. Qual a avaliação dessas duas situações? O Executivo está numa linha de confronto direto com o Judiciário, com o Supremo Tribunal Federal.

E que é o que deve ser. Eu não sou analista político, talvez não seja a pessoa mais cacifada para fazer uma análise conjuntural desse problema, que você identifica muito bem. E esse cenário não é um cenário positivo. Um cenário positivo é um cenário em que a gente deve ter o respeito e a deferência pelas instituições. Somente as instituições vão nos salvar.

O Prêmio Nobel de Economia de 93, o Douglass North, já dizia que os países que conseguiram avançar, inclusive possuir evolução econômica, foram os países que apostaram nas suas instituições, fortaleceram as suas instituições.

Esse é um objetivo, inclusive, da Agenda 2030, a Agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. O de número 16 fala sobre o fortalecimento e a proposta de tornar as instituições eficazes. Então, todo governo, toda administração, tem que render homenagens a isso.

O ImparcialO senhor acha que as eleições em curso estão andando hoje nessa direção? Elas serão realizadas dentro de uma plenitude democrática?

Olha, é o que nós esperamos. São 34 anos de uma Constituição cidadã que trouxe a estabilidade política para o país. Eu não quero crer que nós teremos um retrocesso nessa área, até porque a sociedade não vai aceitar. A sociedade brasileira hoje é uma sociedade mais madura, mais evoluída, que conhece todos os percalços enfrentados para a construção de uma democracia sólida, de uma democracia plena.

É óbvio que nós temos dificuldades, que são conhecidas de todos. Não conseguimos ainda trazer uma igualdade desejada, sobretudo a nossa desigualdade, as desigualdades sociais. É melhor até aplicar essa expressão no plural. Elas são muitas e a gente busca assegurar a igualdade no plano formal, no plano material e também no próprio plano do reconhecimento público, da diversidade e do direito das minorias.

Tudo isso a gente tem procurado fazer, mas nós sabemos que isso não é da noite para o dia e isso é fruto de um trabalho árduo, que, inclusive, envolve gerações. Será que a sociedade brasileira vai aceitar algum tipo de retrocesso democrático? Parece-memuito difícil. E nem mesmo as instituições, e me reporto a todas elas, incluindo as Forças Armadas, que conhecem bem a importância do seu papel, a responsabilidade do seu papel.

O ImparcialO senhor fala diariamente com o governador?

Tenho conversado muito com ele. A gente se comunica por meio de Whatsapp, de mensagens e ligações. O que eu sei, se essa é a pergunta que vem na sequência, é que ele está se preparando para retornar. Já está bem melhor. Se sente mais restabelecido da saúde. Ele está, obviamente, esperando voltar logo e com muita vontade de fazer isso, eu tenho percebido, mas ele também é muito cuidadoso e ouve as recomendações médicas.

Vem um período mais tenso pela frente…

E que ele tem que estar totalmente restabelecido para enfrentar isso. E os médicos, segundo as informações que ele me passa, têm dito que ele precisa agora aguardar a sua reação orgânica, que é sempre algo que está ali no plano muito subjetivo, é de indivíduo para indivíduo. Uns se recuperam mais rápido, outros nem tanto. A gente tem que ter essa paciência.

Ele está muito otimista, com a vontade de voltar logo para trabalhar. E eu aqui torcendo para que isso aconteça logo, para que eu também possa voltar para a minha atividade, que lá também é muito grande. Graças a Deus os problemas lá do outro lado da praça são bem menores.

A gente percebe, mas é natural pela própria dimensão que envolve uma função executiva. Tem sido uma experiência muito rica, muito rica. Eu estou fazendo um curso intensivo de administração pública central, que certamente vai me auxiliar muito depois lá no próprio tribunal.

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