Processos de improbidade administrativa são o que há de comum entre todos os municípios do Maranhão. Alguns acumulam ainda atraso ou fraude na prestação de contas, lesão ao erário, desvio de verbas, falsidade ideológica, contratação de servidores sem concurso, fraude em licitações, falta de comprovação de aplicação de recursos do Fundo Municipal de Saúde (FMS), má aplicação dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), fragmentação de despesas e dispensa irregular de licitações.
Apenas no último ciclo eleitoral, mais de 74 prefeitos e ex-prefeitos foram condenados pelo Tribunal de Justiça do Estado. Eles respondem por mais de 80 crimes relacionados ao seu papel à frente da administração pública dos municípios. Entretanto, a lista divulgada em Janeiro, não incluía os exemplos mais famosos de escândalos envolvendo prefeitos, e nem o recente afastamento de 180 dias, pela Câmara Municipal, da prefeita de Governador Newton Bello, Leula Brandão, no último dia 6 de março.
Uma nova lista com cidades cujos prefeitos e ex-prefeitos que responderão a processos por improbidade administrativa foi divulgada por magistrados do movimento Maranhão sem Corrupção, e já contabiliza quase 100 processos contra gestores públicos municipais. Outros processos parados atingem todas as prefeituras do estado, segundo o movimento.
Nenhuma das relações, entretanto, inclui nomes como o de Lidiane Leite, ex-prefeita de Bom Jardim, Baldoíno e Richard Nixon, de Bacuri, e Helder Lopes Aragão, de Anajatuba, por exemplo, a despeito da repercussão de seus crimes, que direta ou indiretamente foram prejudiciais à administração pública, e de terem sido afastados das prefeituras, ou terem o mandato cassado ainda em 2015.
Cenário político
Os casos de prefeitos presos no Maranhão ganharam repercussão nacional, e, segundo especialistas, servem como um retrato preocupante da má administração pública no país. Para o cientista político Hesaú Rômulo, o cenário comum à todos municípios de todo o Maranhão, é danoso para o cenário político do estado, ao mesmo tempo em que prejudica a população “Em uma democracia espera-se o poder seja alternado entre os representantes eleitos, mas a necessidade de presença constante do judiciário interfere diretamente no andamento de políticas públicas essenciais aos municípios. Nas duas últimas décadas presenciamos um aumento relevante de investigações que resultaram na conclusão de que os gestores estariam inaptos a governar”, comentou.
O especialista aponta ainda que o número de casos envolvendo prefeitos em exercício nos últimos anos abre espaço para questionar como comportamentos semelhantes, em gestões mais antigas não foram investigados. “Se, em um primeiro momento pode sinalizar uma vigilância maior por parte do judiciário, e indicar que gestores públicos não estão imunes às regras de conduta, ela abre uma interrogação sobre como os gestores públicos mantiveram-se distantes de qualquer lei por tanto tempo”, indaga o cientista político.
O juiz da Comarca de São Luís, Douglas Melo, conta que a morosidade nos processos que agora estão sendo julgados se deu, entre outros fatores, por envolverem gestores em exercício. “É muito complicado um processo contra prefeitos. Eles têm muitos recursos, arrumam testemunhas de lugares completamente diferentes de onde eram gestores. O sistema é feito para o atraso”, comentou o juiz Douglas Melo, um dos líderes do movimento Maranhão sem Corrupção. Melo ainda destacou que os juízes estão optando por não afastar os gestores em exercício. “Apenas em casos que atinjam os direitos humanos os prefeitos serão afastados”, disse.
Prisão a recém-empossado como vice-prefeito
Para a moradora da cidade, Larissa Sousa, a prisão do vice-prefeito, que havia sido recém-empossado em substituição ao prefeito afastado, foi uma surpresa na cidade. “A comunidade ficou chocada. Nixon era o vice-prefeito e só estava no cargo de prefeito há um mês. Depois todo mundo ficou bem revoltado, ele estava desviando dinheiro da educação. Hoje Bacuri é uma cidade sem lei, não há segurança, a saúde está um caos”, comenta.
Para a vendedora, a cidade está ainda muito revoltada. “Foram quatro anos entre idas e vindas de Nixon e Balduíno (José Baldoino da Silva Nery, do PP, prefeito eleito e hoje à frente da administração pública). A cidade coleciona processos judiciais contra os gestores, é vergonhoso”, diz.
Já em Bom Jardim, moradores contam que antes da prisão a cidade já sabia e sofria muito com a administração pública, e que os desvios de verba da merenda escolar eram de conhecimento público. “Não foi surpresa para ninguém o que aconteceu. Hoje temos merenda escolar, mas na época todo mundo sabia o que se passava. Logo que a prefeita Lidiane sumiu daqui a cidade virou um caos, não se sabia o que iria acontecer”, relata o funcionário municipal Ismael Melo.
Lidiane Leite responde, hoje em liberdade após ficar quase 40 dias foragida da polícia federal, a processo criminal por desvio de verbas, fraude licitatória e associação criminosa durante gestão à frente da Prefeitura de Bom Jardim.
Segundo o cientista político, o entra e sai de prefeitos e vices inviabiliza o andamento de políticas públicas e prejudica a população, mas a falta de punições gera um sentimento de impunidade e propicia a continuidade em casos de corrupção. “O prefeito vai criando uma base de aliados e crédito com vereadores. A coisa é diferente quando ele é afastado e o vice assume”, comentou.
“Existe um fosso entre investigações que apontem irregularidades e a efetivação destas condenações. Isto em si é uma questão do próprio judiciário brasileiro que preconiza o foro privilegiado aos prefeitos, tornando a questão sempre complexa e repleta de nuances. A lentidão favorece o investigado, prejudica o andamento da agenda municipal e a população sofre a cada nova atualização. A instabilidade política, mais uma vez, gera uma descrença no poder efetivo das instituições sobre a vida dos indivíduos”, analisa o pesquisador.
prefeitos e ex-prefeitos foram condenados pelo Tribunal de Justiça do Estado
Em Santa Inês, distante 246km de São Luís, moradores e funcionários municipais, que não querem se identificar, relatam que os prejuízos para a cidade durante o processo de prisão e soltura do prefeito Ribamar Alves (PSB), preso sob acusação de estupro, apenas agravaram uma situação já antiga no município, como o descaso com a saúde e com a educação.
“Ficamos sem coleta de lixo por semanas, os salários dos servidores estão atrasados já há três meses. Em cada esquina era um boato quando o prefeito foi preso. Não sabíamos muito bem o que estava acontecendo e como ia ficar a cidade. Agora com a volta dele (Ribamar Alves) vários funcionários estão sendo demitidos da prefeitura”, contam.
“Não entendemos quando o prefeito diz que o vice desorganizou toda a cidade. Já estava tudo bagunçado, não temos nada. Há escolas que o ano letivo não começou. Na escola Edimilson Gonçalves a diretora pediu que os zeladores ‘esquecessem’ os salários atrasados. Não tem merenda escolar, e não é de hoje”, diz uma professora da rede municipal, que prefere manter seu nome em sigilo.
Na cidade de Bacuri, na Baixada Maranhense, o que chama a atenção é a rotatividade entre o prefeito eleito José Baldoino da Silva Nery (PP) e o vice Richard Nixon (PMDB). Desde a eleição em 2012, ambos têm alternando o assento principal da prefeitura.
Nixon foi preso em maio de 2015, com mais cinco pessoas, sob acusação de agiotagem. Ele havia assumido a prefeitura após o prefeito Baldoíno ter sido afastado em março por improbidade administrativa. Nixon foi solto 10 dias depois após expirar o prazo de prisão preventiva. Hoje quem está à frente da Prefeitura Municipal de Bacuri é novamente Baldoíno.