EDITORIAL

Mudança de discurso em xeque

“As árvores querem ficar quietas, mas o vento não deixa.” O dito chinês vem a propósito de novos ares que sopram na América do Sul e, com eles, a mudança de discurso dos governantes. Mauricio Macri, então candidato a presidente argentino, apontou o rumo. Disse que pediria o afastamento de Caracas do Mercosul caso não […]

“As árvores querem ficar quietas, mas o vento não deixa.” O dito chinês vem a propósito de novos ares que sopram na América do Sul e, com eles, a mudança de discurso dos governantes. Mauricio Macri, então candidato a presidente argentino, apontou o rumo. Disse que pediria o afastamento de Caracas do Mercosul caso não fosse respeitado o resultado das eleições parlamentares na Venezuela. Macri se referia à possibilidade de recorrer à cláusula democrática presente no Acordo de Assunção.
Os governos Lula e Dilma se notabilizaram por fazer vista grossa aos abusos do governo chavista. Mantinham comportamento ambíguo, que oscilava entre a neutralidade e o apoio velado. Mesmo ante medidas acintosas de desrespeito aos direitos humanos, cerceamento da liberdade de expressão e cerco à liberdade de imprensa, o Itamaraty apelava para chavões diplomáticos, que falam sem dizer.
Na terça-feira, tomaram assento na Assembleia Nacional os parlamentares eleitos em dezembro. A oposição fez maioria depois de 17 anos de império chavista e, graças aos votos conquistados, ganhou poderes capazes de rever decisões do Executivo e da própria população. Entre elas, anistiar presos políticos e convocar plebiscito sobre a manutenção do mandato presidencial.
A guinada interna, captada por pesquisas de opinião antes do pleito, acendeu a luz vermelha para Nicolás Maduro. Ele chegou a ameaçar com a convocação do povo às ruas caso fosse posto em xeque o socialismo do século 21, criação retrógrada da demagogia de Hugo Chávez. Em dezembro, nota do governo brasileiro surpreendeu pelo endurecimento do tom ao falar na “responsabilidade das autoridades venezuelanas de zelar” para que as eleições transcorressem “de forma limpa e pacífica”.
Maduro prometeu respeitar o resultado das urnas. As palavras, porém, não se tornaram fatos. Truque do Judiciário, controlado por governistas, impugnou, com argumentos controversos, a eleição de três opositores. Não só. O presidente tomou medidas para esvaziar, por meio de decretos, os poderes da Assembleia Nacional e criar poder paralelo ao Legislativo recém-empossado. Em bom português: sabotagem do resultado das urnas.
Depois da posse tumultuada dos congressistas, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro advertiu que o presidente deve respeitar o resultado das urnas. “Não há lugar na América do Sul do século 21”, disse o texto, “para soluções políticas fora da institucionalidade e do mais absoluto respeito à democracia e ao Estado de Direito.”
Ontem, Maduro anunciou corte no orçamento da Assembleia Nacional. A medida põe à prova a nota do Itamaraty. Espera-se que Dilma Rousseff sustente a posição pró-democracia. O Planalto tem dois serviços diplomáticos. Um de alinhamento ideológico, comandado por Marco Aurélio Garcia. O outro, voltado para o continente, dirigido pelo embaixador Mauro Vieira. Passou da hora de o Brasil devolver a voz à competente Casa de Rio Branco.
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