Foto: Agência Ansa.
Pelo Twitter, o vice-presidente negou, por meio da assessoria, que tenha dado publicidade à carta destinada a Dilma
Depois de manter silêncio em relação ao pedido de impeachment e de desmentir declarações de fontes do Palácio do Planalto em relação a ele, o vice-presidente, Michel Temer, enviou carta de três páginas à presidente Dilma Rousseff. No documento, o vice-presidente desabafa sobre a insatisfação dele em relação ao lugar reservado para ele no governo desde que assumiu o cargo em 2011. Michel Temer enumera uma série de episódios nos quais se sentiu “escanteado” das decisões governamentais e encerra dizendo que ela não confia nele nem no PMDB. Em que pese o tom forte da missiva, o vice-presidente ressalta que a carta não é uma declaração de rompimento com o governo Dilma, mas uma preparação para as conversas com a presidente. Temer destaca que, desde a semana passada, Dilma tem feito declarações públicas dizendo que confia em seu vice. Na avaliação do peemedebista, no entanto, o tom da fala da presidente levanta a desconfiança de que ela não confia nele.
Pelo Twitter, o vice-presidente negou, por meio da assessoria, que tenha dado publicidade à carta. “Em face da confidencialidade, (Michel Temer) surpreendeu-se com sua divulgação”. E continua: “Diante da informação de que a presidente o procuraria para conversar, Michel Temer resolveu apontar por escrito fatores reveladores da desconfiança que o governo tem em relação a ele e ao PMDB. Ele rememorou fatos ocorridos nesses últimos cinco anos, mas somente sob a ótica do debate da confiança que deve permear a relação entre agentes públicos responsáveis pelo país. Não propôs rompimento entre partidos ou com o governo. Exortou, pelo contrário, a reunificação do país, como já o tem feito em pronunciamentos anteriores. E manterá a discussão pessoal privada no campo privado”.
As movimentações de Michel Temer nos últimos dias já despertavam a desconfiança do Planalto, que via nas declarações e nas reuniões políticas, especialmente com integrantes da oposição, sinais de que ele estaria estimulando o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Peemedebistas governistas acusam-no de agir de maneira açodada, já que, caso o afastamento se concretize, ele será, naturalmente, o sucessor da petista. E defensores do desembarque imediato do PMDB afirmam que Temer apenas busca o consenso nacional para cacifar-se caso Dilma seja afastada do cargo.
Ontem à noite, o vice ofereceu um jantar para a cúpula do PMDB. O partido está cada vez mais dividido. “O Ciro Gomes vem dizer que o Temer é o capitão do golpe. Esqueceu-se de que ele foi ministro de Itamar Franco? Itamar também conspirou contra (Fernando) Collor?”, criticou o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA).
Para o baiano, Temer se comporta como alguém que, caso o impeachment se torne realidade, tem condições de dialogar com todos os agentes políticos e empresariais. “Se Dilma não consegue, como prometeu durante o discurso de posse, dialogar com a oposição, não é culpa do Michel”, completou.
Peemedebistas afinados com o Planalto concordam com a avaliação de que Temer está se precipitando. E que esta seria a terceira vez que isso acontece. Na primeira, o vice-presidente disse que “o país precisa de alguém com liderança para construir uma unidade nacional”. Segundo o mesmo peemedebista, Temer ainda disse, perante investidores em Nova York, que, caso fosse presidente, manteria Joaquim Levy como ministro da Fazenda. Recentemente, o terceiro açodamento, ao lançar o documento “Uma ponte para o futuro”, com propostas econômicas e sociais.
Padilha
Símbolo desse distanciamento do PMDB, o agora ex-ministro da Secretaria Nacional de Aviação Civil Eliseu Padilha deu entrevista ontem. Depois de se reunir com o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, ele formalizou sua saída do cargo. Durante a entrevista, Padilha insistiu em evidenciar sua lealdade a Michel Temer, mas negou que a saída tenha sido um pedido do vice. “Deixo o governo porque quero retomar minha carreira de empresário e advogado, porque quero servir ao presidente do PMDB no partido e porque já não estava tendo autonomia para colocar em prática o que havia planejado na pasta”, garantiu.
O ex-ministro descartou qualquer tentativa de conspiração dele e de Temer em prol da saída de Dilma. “Quem me conhece e conhece o vice-presidente sabe que conspiração não é uma palavra que está no nosso vocabulário. Não esperem um golpe de nós.”
Leia a carta na íntegra, divulgada pelo colunista Jorge Bastos Moreno, do jornal O Globo:
Senhora Presidente,
“Verba volant, scripta manent”.
Por isso lhe escrevo. Muito a propósito do intenso noticiário destes
últimos dias e de tudo que me chega aos ouvidos das conversas no Palácio.
Esta é uma carta pessoal. É um desabafo que já deveria ter feito há
muito tempo.
Desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a
necessidade da minha lealdade. Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos.
Lealdade institucional pautada pelo art. 79 da Constituição Federal. Sei quais
são as funções do Vice. À minha natural discrição conectei aquela derivada
daquele dispositivo constitucional.
Entretanto, sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora
e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB. Desconfiança incompatível
com o que fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo.
Basta ressaltar que na última convenção apenas 59,9% votaram pela aliança.
E só o fizeram, ouso registrar, por que era eu o candidato à reeleição à Vice.
Tenho mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo usando o prestígio
político que tenho advindo da credibilidade e do respeito que granjeei no
partido.
Isso tudo não gerou confiança em mim, Gera desconfiança e
menosprezo do governo.
Vamos aos fatos. Exemplifico alguns deles.
1. Passei os quatro primeiros anos de governo como vice
decorativo. A Senhora sabe disso. Perdi todo protagonismo político que
tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era
chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas.
2. Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir
formulações econômicas ou políticas do país; éramos meros acessórios,
secundários, subsidiários.
3. A senhora, no segundo mandato, à última hora, não
renovou o Ministério da Aviação Civil onde o Moreira Franco fez
belíssimo trabalho elogiado durante a Copa do Mundo. Sabia que ele
era uma indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me. Cheguei a
registrar este fato no dia seguinte, ao telefone.
4. No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o
Ministério em razão de muitas “desfeitas”, culminando com o que o
governo fez a ele, Ministro, retirando sem nenhum aviso prévio, nome
com perfil técnico que ele, Ministro da área, indicara para a ANAC.
Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) que ele saiu porque faz
parte de uma suposta “conspiração”.
5. Quando a senhora fez um apelo para que eu assumisse a
coordenação política, no momento em que o governo estava muito
desprestigiado, atendi e fizemos, eu e o Padilha, aprovar o ajuste fiscal.
Tema difícil porque dizia respeito aos trabalhadores e aos empresários.
Não titubeamos. Estava em jogo o país. Quando se aprovou o ajuste,
nada mais do que fazíamos tinha sequencia no governo. Os acordos
assumidos no Parlamento não foram cumpridos. Realizamos mais de
60 reuniões de lideres e bancadas ao longo do tempo solicitando apoio
com a nossa credibilidade. Fomos obrigados a deixar aquela
coordenação.
6. De qualquer forma, sou Presidente do PMDB e a senhora
resolveu ignorar-me chamando o líder Picciani e seu pai para fazer um
acordo sem nenhuma comunicação ao seu Vice e Presidente do Partido.
Os dois ministros, sabe a senhora, foram nomeados por ele. E a
senhora não teve a menor preocupação em eliminar do governo o
Deputado Edinho Araújo, deputado de São Paulo e a mim ligado.
7. Democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente,
com a oposição. Sempre o fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento.
Aliás, a primeira medida provisória do ajuste foi aprovada graças aos 8
(oito) votos do DEM, 6 (seis) do PSB e 3 do PV, recordando que foi
aprovado por apenas 22 votos. Sou criticado por isso, numa visão
equivocada do nosso sistema. E não foi sem razão que em duas
oportunidades ressaltei que deveríamos reunificar o país. O Palácio
resolveu difundir e criticar.
8. Recordo, ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião
de duas horas com o Vice Presidente Joe Biden – com quem construí
boa amizade – sem convidar-me o que gerou em seus assessores a
pergunta: o que é que houve que numa reunião com o Vice Presidente
dos Estados Unidos, o do Brasil não se faz presente? Antes, no episódio
da “espionagem” americana, quando as conversar começaram a ser
retomadas, a senhora mandava o Ministro da Justiça, para conversar
com o Vice Presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem significado
absoluta falta de confiança;
9. Mais recentemente, conversa nossa (das duas maiores
autoridades do país) foi divulgada e de maneira inverídica sem nenhuma
conexão com o teor da conversa.
10. Até o programa “Uma Ponte para o Futuro”,
aplaudido pela sociedade, cujas propostas poderiam ser utilizadas para
recuperar a economia e resgatar a confiança foi tido como manobra
desleal.
11. PMDB tem ciência de que o governo busca
promover a sua divisão, o que já tentou no passado, sem sucesso.
A senhora sabe que, como Presidente do PMDB, devo manter
cauteloso silencio com o objetivo de procurar o que sempre fiz: a unidade
partidária.
Passados estes momentos críticos, tenho certeza de que o País terá
tranquilidade para crescer e consolidar as conquistas sociais.
Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em mim e no
PMDB, hoje, e não terá amanhã.
Lamento, mas esta é a minha convicção.
Respeitosamente, L TEMER
A Sua Excelência a Senhora
Doutora DILMA ROUSSEFF
DO. Presidente da República do Brasil
Palácio do Planalto
Brasília, D.F.