EDITORIAL

Eleição do medo

As urnas deram inegável vitória a Recept Tayyip Ergodan. Contrariando as expectativas, o partido do presidente turco obteve 49% dos votos válidos contra 40% do primeiro turno. O AKP (Partido Justiça e Desenvolvimento) aumentou a representação no parlamento. Passou de 258 para 317 assentos. O saldo tem duplo significado. De um lado, permite que Erdogan […]

As urnas deram inegável vitória a Recept Tayyip Ergodan. Contrariando as expectativas, o partido do presidente turco obteve 49% dos votos válidos contra 40% do primeiro turno. O AKP (Partido Justiça e Desenvolvimento) aumentou a representação no parlamento. Passou de 258 para 317 assentos. O saldo tem duplo significado. De um lado, permite que Erdogan governe sem coalizões. De outro, impede que proceda a mudanças na Constituição conforme planeja a fim de transferir para si poderes do primeiro-ministro.
Com base no resultado do primeiro turno, esperava-se, interna e externamente, resultado semelhante na segunda rodada. A sigla, há 13 anos no poder e desgastada por crise econômica e social, recebeu em junho aval de apenas 40% dos eleitores. Enfrentou a divisão do eleitorado com diferentes facções — seja de esquerda, seja de direita, seja pró-curdos, todos derrotados na eleição de domingo passado.
A virada se deveu a estratégia velha conhecida dos venezuelanos e bastante explorada na campanha petista do ano passado: o AKP fez campanha baseada no medo. Recorreu a ameaças concretas que assustam a população e ampliou-as com riscos imaginários. É o caso do terrorismo e da questão curda, que se mantém na pauta desde o estabelecimento da república, em 1923. Sem território próprio, o grupo étnico se espalha por Iraque, Síria e Turquia.
Depois das eleições de junho, o exército turco e militantes do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) suspenderam acordo de cessar-fogo. As consequências não tardaram. O fim da trégua está na raiz de atentado suicida ocorrido em julho, que deixou 30 cadáveres curdos na fronteira com a Síria. Em outubro, 102 pessoas morreram e 400 ficaram feridas em ataque registrado durante marcha pela convivência pacífica com os curdos.
O governo culpou o Estado Islâmico (EI) pela violência. É possível que tenha razão. Os curdos têm oferecido maior resistência à expansão dos jihadistas na Síria e no Iraque. Atacá-los em outras frentes seria resposta do grupo que degola, queima pessoas vivas e destrói patrimônios da humanidade. Muitos, porém, suspeitam que tenha havido participação do governo no ato de violência.
A finalidade seria apresentar Erdogan como o homem forte, capaz de dar resposta ao desafio que cresce com a instabilidade dos vizinhos árabes, a pressão curda e a imigração crescente de sírios e africanos que fogem de guerras e perseguições políticas. Não é pouco. O presidente vai negociar com a União Europeia a adesão da Turquia ao bloco e participar, em condições privilegiadas, da busca por solução para a crise humanitária dos refugiados que arriscam a vida nas águas do Mediterrâneo.
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