ARTIGO

O pacto de Moncloa

Não há presidente da Nova República, de Tancredo a Lula, que não tenha se referido ao Pacto de Moncloa, firmado no Palácio do mesmo nome, em 25 de outubro de 1977, em Madri, sob o beneplácito do Rei Juan Carlos da Espanha. Antes da assinatura, outros documentos de igual teor foram subscritos pelos partidos da […]

Não há presidente da Nova República, de Tancredo a Lula, que não tenha se referido ao Pacto de Moncloa, firmado no Palácio do mesmo nome, em 25 de outubro de 1977, em Madri, sob o beneplácito do Rei Juan Carlos da Espanha. Antes da assinatura, outros documentos de igual teor foram subscritos pelos partidos da situação e da oposição, e por representantes das confederações sindicais de patrões e de empregados. A ditadura franquista caíra dois anos antes, a crise econômica, financeira, politica, ameaçava a viabilidade e a unidade do país, enfrentando problemas de separação na Catalunha e na região basca.
A transição espanhola do regime autoritário para a democracia foi liderada pelo monarca Juan Carlos I e o Presidente do Conselho de Ministros, Adolfo Suarez, antigo funcionário do regime deposto, que convocou as forças econômicas e politicas a renunciarem aos seus pleitos parciais, colocando a sobrevivência da Espanha acima de suas pretensões. O Pacto, inegavelmente de origem conservadora, recebeu o respaldo dos partidos comunista e socialista, permitiu ao país sair da crise aguda, possibilitou a vitória dos socialistas em pleitos posteriores, levando-o a transformar-se em bem-sucedida experiência de administração da transição do ciclo autoritário para a democracia.
Cientistas políticos costumam citar o modelo espanhol, sustentam a sua aplicabilidade aos países do Leste Europeu e da América Latina. No caso brasileiro, sempre que se intensifica a crise, voltam as lembranças do Pacto de Moncloa. Mas existem significativas diferenças a merecem atenção. Começando pelo regime vigorante na Espanha, o monárquico. Fruto da vitória do ditador Francisco Franco na sangrenta Guerra Civil, entre 1936 e 1939, o conflito deixou o país dilacerado, dividido. Continuar a ditadura implantada entre 1939 e 1975, seria prosseguir as divisões internas, além de agravar a falta de apoio internacional. Três anos antes as Forças Armadas de Portugal derrubaram a ditadura salazarista. Serviu de precedente para a extinção dos regimes autoritários da península Ibérica, estabelecidos antes da Segunda Guerra Mundial.
Franco, autonomeado “Caudilho por La Graça de Dios”, era monarquista convicto. Preparou Juan Carlos para sucede-lo, o que veio a ocorrer logo após a morte do ditador em 1975. O Rei, chefe de Estado, representava a nação, logo percebeu ser impossível manter a ditadura. Distante do conflito partidário, avalizou o Pacto para ensejar a estabilidade política e jurídica indispensável a recuperação econômico-financeira, exigível para a integração da Espanha a União Europeia.
No presidencialismo brasileiro da Constituição de 1988, o Presidente da República é ao mesmo tempo Chefe de Estado e de Governo, representa pela última condição, o conjunto dos partidos que o apoiam. Fica, portanto, impedido de exercer a função de articulação suprapartidária. Sarney, Collor, Fernando Henrique, Lula, todos estavam amoldados ao papel imposto pela norma constitucional. Itamar Franco, por sua personalidade, e em razão da delicadeza do afastamento de Collor, parcialmente articulou a sustentação política em bases suprapartidárias, que certamente contribuiu para o sucesso do Plano de Estabilização do Real.
As menções ao Pacto de Moncloa esquecem as diferenças existentes entre o perfil hispano-americano do caudilhismo militar e o luso-brasileiro. Em Portugal, Antônio de Oliveira Salazar, ditador no mesmo período do general Franco, era professor de Finanças na Universidade de Coimbra. Na mesma época, o Brasil era governado pelo bacharel e ditador Getúlio Vargas, ex-Ministro da Fazenda do presidente deposto Washington Luís. Enquanto a vizinha Argentina era dirigida pelos generais, dentre eles, o notável Perón. Mesmo após 1964, os generais brasileiros que assumiram a Presidência, ao empossarem-se no cargo despiram-se da farda, passaram a condição formal de civis. Em Portugal como aqui, as mudanças se fizeram através de acordos entre as elites civis-militares, às vezes respaldados por quarteladas chamadas de Revolução.
Na tradição luso-brasileira predominam os acordos de elite para a transferência do poder político, às vezes precedidos ou seguidos de manifestações populares. Os últimos acontecimentos nos países hispano-americanos e luso-brasileiros apresentaram a novidade da persistência das megamanifestações nas cidades principais a partir de 2013. A população vai ás ruas exigindo serviços públicos de qualidade em contrapartida ao pagamento dos impostos, e a efetiva representação política acompanhada da ética. Os fatos forçaram os cientistas e lideranças a repensarem o refazimento do pacto político.
Sem perder de vista as duas heranças ibéricas, os pactos precisam agregar partidos de esquerda, direita e centro, além dos sindicatos de patrões e empregados, mas não podem cometer o erro não de convidar a principal protagonista: a população.
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