EDITORIAL

Preconceito e retrocesso

A o restringir a definição de família à união entre homem e mulher, comissão especial da Câmara vai na contramão da evolução social brasileira. A decisão contraria a Constituição que, em nenhum dos seus artigos, proíbe o vínculo estável homoafetivo. “Tudo que não está juridicamente proibido, está juridicamente permitido. A ausência de lei não é […]

A o restringir a definição de família à união entre homem e mulher, comissão especial da Câmara vai na contramão da evolução social brasileira. A decisão contraria a Constituição que, em nenhum dos seus artigos, proíbe o vínculo estável homoafetivo. “Tudo que não está juridicamente proibido, está juridicamente permitido. A ausência de lei não é ausência de direito, até porque o direito é maior do que a lei”, afirmou o então ministro Ayres Britto, relator da ação direta de inconstitucionalidade, que levou para o Supremo Tribunal Federal o debate sobre união estável entre pessoas do mesmo sexo.
Na sessão de 5 de maio de 2011, por unanimidade, a mais alta Corte de Justiça sanou as dúvidas quanto à legalidade do casamento gay. “Nada justifica que não se possa equiparar a união homoafetiva à união estável entre homem e mulher”, afirmou o ministro Luiz Fux. A ministra Cármen Lúcia alertou que a Constituição brasileira não tolera qualquer discriminação, e há remédio jurídico contra diversas formas de preconceito. À advertência somou-se o então ministro Joaquim Barbosa ao exaltar o papel do STF para “impedir o sufocamento, o desprezo e a discriminação dura e pura de grupos minoritários pela maioria estabelecida”. Ele acrescentou que o princípio da dignidade humana pressupõe “a noção de que todos, sem exceção, têm direito a igual consideração”.
No conjunto de 513 deputados, 17 (3,3%) tomaram decisão que afeta a vida de milhões de brasileiros, que, no exercício da liberdade individual e do direito à intimidade, têm vida comum com pessoas do mesmo sexo. Mas não somente eles são afetados pelo Estatuto da Família. A redução do conceito colide com a Carta Magna que, hoje, contempla três configurações de família: a decorrente do casamento entre heterossexuais, a formada por meio de união estável e a monoparental, em que apenas um dos cônjuges tem responsabilidade pelos filhos. A Alta Corte admitiu mais um formato do núcleo familiar. “A pretensão que se formula tem base nos direitos fundamentais a partir dos princípios da igualdade e da liberdade”, declarou o ministro Gilmar Mendes, no seu voto.
Ainda que seja aprovado em todas as instâncias do Legislativo, o novo Estatuto da Família não implicará mudanças na orientação das pessoas, nem as impedirá de se unirem pelo afeto. Criará dificuldades para que todos, indistintamente, possam usufruir dos benefícios conferidos pelo Estado aos que têm união estável reconhecida. Como bem lembrou o então ministro Ayres Britto, a união homoafetiva só seria vedada se a Constituição fosse explícita nesse sentido. Se assim o fosse, “seria obscurantista e inútil.” O Estatuto corre os riscos de contemplar as duas opções e de não surtir o efeito transformador desejado por parcela do parlamento.
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