ENTREVISTA

Ministro aponta caminho para redução de mais de 100 milhões de processos

Amparado no novo Código de Processo Civil, sancionado em março deste ano, o ministro do STJ, Reynaldo Fonseca, enfatiza a capacidade do modelo conciliatório na redução dos mais de 100 milhões de processos

Foto: Honório Moreira/OIMP/D.A Press.


Honório  Moreira/OIMP/D.A Press

Ministro do STF, Reynaldo Fonseca, fala da importância da conciliação na prestação jurisdicional

São mais de 100 milhões de processos tramitando na Justiça para exatos 16.900 juízes no Brasil. Estes processos, em sua maioria, são controvérsias que poderiam ser solucionadas de forma rápida e eficiente por meio da conciliação. Assim defende o ministro do Superior Tribunal de Justiça, Reynaldo Soares da Fonseca. Amparado no novo Código de Processo Civil, sancionado em março deste ano, o segundo juiz federal maranhense a ocupar a vaga de ministro do STJ enfatiza a capacidade do modelo conciliatório na redução de processos, muitos destes que se arrastam na Justiça por longos anos. Fonseca é responsável pelas questões penais, ainda vai além e ressalta: o acordo pacífico serve não só para resolver a situação antes de começar uma audiência, mas também no sentido de ressocializar a sociedade e o indivíduo nela inserido. Em entrevista exclusiva a O Imparcial, o magistrado falou sobre o assunto, durante sua vinda a São Luís, na comemoração do aniversário da Constituição de 18 de setembro 1946. No evento em celebração à data, realizado pela Academia Maranhense de Letras Jurídicas, Reynaldo realizou a palestra “A importância da conciliação na prestação jurisdicional”, no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil no Maranhão, na manhã de ontem.

O Imparcial – Por que conciliar?
Ministro Reynaldo Fonseca – O caminho que a sociedade está fazendo é para vislumbrar uma perspectiva de felicidade humana. E, evidentemente, que a sociedade é conflituosa e os interesses antagônicos. Com a Constituição de 1988, esta perspectiva se aprofundou, na medida em que o cidadão descobriu o sentido de cidadania e reivindicação de seus direitos. Tais controvérsias devem ser resolvidas naturalmente na negociação, contudo, com a sociedade cada vez mais conflitosa, tem-se levado tudo para o Judiciário. Os 16 mil juízes brasileiros não conseguem resolver 100 milhões de controvérsias de forma rápida e eficiente. Então, podem aumentar o número de varas e de juízes, mas, se não mudarmos a cultura do litígio por uma cultura de negociação de paz, nós não vamos ter jeito. Isso não é só no Brasil, mas EUA e Europa já estão percebendo a situação. Por que a Constituição Federal fala na solução pacífica das controvérsias no seu preâmbulo? Porque a Constituição verifica que o Estado deve intervir de forma minimamente. A sociedade deve construir a solução para os seus próprios problemas. Isto é o natural para a solução de conflitos. A sociedade na CF se propõe a ser uma sociedade fraterna e solidária e por isso deve-se conciliar antes.
Como ministro da seção penal do STJ, há um inchaço de processos que poderiam ser solucionados na conciliação?
Ano passado, o STJ recebeu 310 mil processos. O STJ é uma corte de uniformização da lei federal, resolvendo em último grau sendo questões dessa natureza. São 33 ministros, sendo três de cargos de administração: presidente, vice e o corregedor. Então, 30 ministros julgam. Além do estoque de processos vindo dos anos anteriores, cada ministro recebeu em média 10 mil processos. É só um exemplo. A Justiça brasileira hoje tem 100 milhões de processos para 16.900 juízes. Então precisamos entender que a sociedade deve reconstruir laços de fraternidade e resolver seus próprios conflitos. Evidentemente que o Estado, quando no litígio, determina que alguém ou ninguém têm razão em determinada ação na justiça, sempre uma das partes sai chateada. Isto mostra que o Estado resolve formalmente o conflito, mas não a animosidade em si. Já na negociação, cada um reconhece seus limites, podendo encontrar uma solução que pacifique o conflito. Nós na área penal precisamos ser implacáveis contra a impunidade, isto é, aquele que violou a norma penal deve cumprir, mas também deve servir de resgate e reinserção na sociedade. É difícil, mas se não tivermos isto como objetivo, não tem sentido a vida.
Em números, quanto já se foi resolvido em termos de conciliação?
Eu vou citar o exemplo da Justiça Federal. De 2000 a 2014, a Justiça Federal da primeira região, que é a do Maranhão e abarca 14 unidades da Federação, homologou quase 500 mil conciliações. Multiplique este valor por cinco, que a média da família brasileira, então teremos 2,5 milhões de pessoas abarcadas por uma cultura não adversarial. E isto em uma só região, na Justiça Federal tem o total de cinco regiões e na Justiça Estadual são 27 tribunais. O novo Código do Processo Civil vai entrar em vigor e está exigindo que a conciliação seja o primeiro caminho. Temos ainda a mediação e arbitragem como meios alternativos para a solução de conflitos, porém eu falo mais em conciliação na medida em que ela está mais aproximada das questões de políticas públicas, que envolvem previdência social, habitação, saúde e educação. Esse dado só na primeira região mostra um caminho, um processo que se inicia e não tem porque dar errado. Pode não ser completo, porque será necessária a intervenção o Estado, mas que seja em último caso, em última instância.
Você acredita que o processo conciliação melhora também o processo democrático?
Não tenho dúvidas. O papel do poder judiciário é exatamente resolver os conflitos que a sociedade não consegue resolver de forma pacificada. Se o poder judiciário é auxiliado por uma ferramenta que estimula desjudicialização de pequenos conflitos, é lógico que vai ter resultado positivo, como está sendo. Há muita resistência ainda ao modelo negociável, pois a sociedade globalizada acabou tornando o ser humano mais egoísta e tecnológico. É preciso nos tornar mais humanos novamente.
Em quais os casos não é possível conciliar?
Em situações que a gente chama de indisponibilidade de interesse público, ou seja, quando um conflito viola princípios constitucionais, a dignidade humana e o interesse público relevante. O exemplo é o crime de homicídio, pois a sociedade pactuou no que tange à consequência no ilícito, mas é possível nesse caso numa situação de conciliação na perspectiva de justiça restaurativa, quando aquela pessoa que cometeu o ilícito poderá cumprir a pena e reatar os laços com a sociedade quando terminar de pagar sua dívida com esta. No âmbito cível, existe o exemplo de quando nós não podemos transigir o dinheiro público com destinação específica, no caso desvio de verba pública de uma escola, uma situação com obstáculo de conciliação de princípios maiores. Contudo, em regra geral, muitos conflitos podem ser resolvidos de maneira pacífica pela conciliação.
Há quanto tempo é praticada a cultura de conciliação?
Na Justiça do Trabalho, já se fazia conciliação entre empregados e empregadores, na Justiça estadual, conciliação na área de família, ambas foram uma experiência embrionária. O Código Civil de 73 determinou efetivamente que o juiz tentasse a conciliação em qualquer fase do processo, antes de iniciar a audiência se preciso. Então, pelo menos se fala há mais de 40 anos em conciliação como uma perspectiva concreta de solução de conflitos. Na partir do final do século 20 e início dos século 21, esta questão se tornou mais evidente com a Lei 9.099/95, que criou os juizados especiais, e com a lei que criou os juizados especiais federais, em 2001. Ambas mudaram a cara do Judiciário e tornaram visíveis aquelas pessoas que eram invisíveis neste sistema, pois achavam muito caro custear uma audiência judicial. Em algumas hipóteses, não precisa sequer de advogado, caso as partes consigam se entender. Sendo assim, esta cultura efetivamente existe há 20 anos. Na questão penal, é de existência humana. Para muitos, a pena é uma retribuição do ilícito cometido e eu concordo, mas, além disso, a pena tem um caráter de ressocialização, apesar de muitos não acreditarem nisso.
Sobre isto, o que você pensa sobre ressocialização? Apenas 22% dos presos voltam a trabalhar depois de cumprir a pena, de acordo com o Ministério da Justiça. Por que o Brasil possui um índice ainda baixo?
O índice é pequeno, pois não temos condições carcerárias adequadas. O sistema é desumano. Temos cerca de 650 mil pessoas encarceradas, destas, 41% estão presas provisoriamente por prisão preventiva, temporária ou flagrante. Temos mais de 130 mil pessoas por prisão domiciliar. No total, são 750 mil pessoas enclausuradas e existem ainda 300 mil mandados de prisão no Brasil aproximadamente não cumpridos. Nós temos uma população carcerária em potencial de um milhão de pessoas. A pergunta que não quer calar é: o que faremos com tantas pessoas? Sendo que nós temos, segundo dados oficiais, menos de 400 mil lugares para presos. Então, temos quase o dobro de pessoas em um espaço. Como que se pode dizer que o modelo de ressocialização irá funcionar em um sistema assim? Portanto, eu sou defensor de que a gente reinvente esse quadro e vivencie essa experiência da ressocialização humana.
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