ENTREVISTA

Procurador da República defende que operações semelhantes ao petrolão podem ser feitas por todo o país

Para Dallagnol, a Lava-Jato tem semelhanças com a Operação Mãos Limpas, da Itália, e é eficiente hoje pelo resultado do julgamento do mensalão

procurador Deltan Dallagnol

Em meio às ações da Lava-Jato que levaram empreiteiros, políticos e executivos à prisão, o Ministério Público Federal deflagrou uma campanha para endurecer a legislação penal brasileira. O objetivo é recolher 1,5 milhão de assinaturas para apresentar projeto de iniciativa popular ao Congresso, nos moldes da Lei da Ficha Limpa. Um dos líderes do movimento é o procurador Deltan Dallagnol, 35 anos, coordenador da Lava-Jato no Paraná e um dos responsáveis pelo sucesso das investigações sobre o escândalo do petrolão.

Formado em Harvard, o procurador integrou a força-tarefa do Banestado, uma escola contra crimes de lavagem de dinheiro. Essa, no entanto, não chegou a políticos, como agora. A Lava-Jato levou o poderoso José Dirceu para a prisão e investiga a participação dos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), além de políticos experientes como o senador Fernando Collor (PTB-AL) — nesses casos, tocadas pela Procuradoria-Geral da República.
Para Dallagnol, a Lava-Jato tem semelhanças com a Operação Mãos Limpas, da Itália, e é eficiente hoje pelo resultado do julgamento do mensalão. Sem condenações tão altas naquele caso, acredita o procurador, não haveria 28 delatores no petrolão. “É o que chamamos de efeito Marcos Valério”, diz. Ele acredita que outras investigações importantes, como a Lava-Jato, poderiam ocorrer em todo o país se não houvesse impunidade no país. Por isso, a ideia de buscar ajuda na sociedade para mudar a legislação penal. “Há diversas motivações que estão levando pessoas às ruas. Uma delas, talvez a principal, pelo menos segundo algumas pesquisas, é o fim da corrupção”, aposta.
O senhor acredita que será possível recolher 1,5 milhão de assinaturas para as modificações na legislação brasileira que facilitem o combate à corrupção, como propõe o Ministério Público?
Acredito. A Lava-Jato abriu uma janela para discussão desse grave problema social, que é a corrupção, e para que medidas que podem contribuir para tornar nosso país mais justo cheguem ao Congresso com forte apoio popular, o que favorecerá sua aprovação. Pessoas estão, hoje, mobilizadas em todo o país para a coleta dessas assinaturas como jamais se viu antes. Vai acontecer. Além disso, há algumas causas pelas quais vale a pena lutar, independentemente do resultado.
O que é mais importante aprovar no primeiro momento?
Todas as medidas são igualmente importantes para aprimorar o combate à corrupção no Brasil. Elas atuam em três diferentes eixos: evitar que a corrupção aconteça; punir e recuperar valores desviados de modo adequado; e acabar com a impunidade. Não adianta, por exemplo, ter uma legislação que preveja uma punição exemplar, se ela fica só no papel. Essas propostas encontram amparo no modo como funciona a Justiça em diversos países democráticos.
O que é preciso fazer para acelerar a recuperação de recursos desviados no exterior?
Uma das medidas recomendadas internacionalmente, mas que não existe no Brasil, é o confisco alargado, que é o confisco da diferença entre o patrimônio legal de uma pessoa e tudo o que se encontrou em nome dela, quando essa pessoa é condenada por um crime altamente lesivo e que gera muito dinheiro, como corrupção ou tráfico de drogas. Não é atingido o patrimônio quando há indicações de que sua origem é legítima, mas apenas o dinheiro ilegal. Na Lava-Jato, descobrimos que um funcionário da Petrobras mantém cerca de R$ 40 milhões no exterior. Suponha que seus salários e patrimônio ao longo de toda a vida não somam R$ 10 milhões. Se só conseguirmos descobrir e comprovar corrupção no valor de R$ 1 milhão — e a corrupção é um crime muito difícil de descobrir e comprovar —, o valor que será confiscado no processo criminal será de R$ 1 milhão. O confisco alargado permitiria confiscar os R$ 30 milhões, fazendo com que o crime não compense.
Acha que o projeto de combate à corrupção pode ser comparado à Lei da Ficha Limpa?
Ambos podem ser comparados, em vários aspectos. A força popular que a Ficha Limpa ganhou e hoje impulsiona as 10 medidas contra a corrupção decorre da indignação que todos nós compartilhamos com os seguidos escândalos de corrupção nos diversos governos de diferentes partidos. A Ficha Limpa e as 10 medidas canalizam toda essa nossa indignação em ações concretas que podem contribuir com um país melhor.
Os acusados e vários advogados tentam desvalorizar as delações premiadas. O que o senhor acha dessas críticas e qual é a importância da delação premiada para as investigações?
A colaboração premiada é sempre um ponto de partida e jamais um ponto de chegada. Jamais é suficiente para, sozinha, condenar alguém. Ela permite, sim, aprofundar as investigações para alcançarmos provas materiais dos crimes, as quais, por sua vez, a depender da força, podem embasar uma condenação. Quando investigamos um crime, há diversos caminhos possíveis, como se estivéssemos em um labirinto. A colaboração lança luz sobre os melhores caminhos a seguir, isto é, aqueles que podem conduzir mais provavelmente à produção de provas. No caso da Odebrecht, por exemplo, após diversos colaboradores indicarem o envolvimento da empresa em crimes, foi possível chegar a extratos e documentos bancários que provam que ela depositou milhões de dólares no exterior em favor dos ex-funcionários da Petrobras.
O Brasil vive um momento parecido com a Operação Mãos Limpas?
Há semelhanças e diferenças, mas ela é, certamente, fonte de inspiração de onde podemos extrair lições. A Mãos Limpas representou um marco no combate à corrupção e ao crime organizado, de natureza mafiosa, na Itália. Contudo, o problema que a Mãos Limpas enfrentou continuou a existir. O sistema é cancerígeno, favorecendo o surgimento reiterado de novos tumores. A Mãos Limpas, como a Lava-Jato, atuou sobre tumores. O problema é que um sistema de Justiça penal brasileiro, inspirado no modelo italiano, não funciona bem, produzindo impunidade, que caminha de mãos dadas com a corrupção. Precisamos atuar sobre esse sistema.
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