A apreensão com o terrorismo não constitui exclusividade deste ou daquele país, deste ou daquele continente. É dilema global. Apesar da amplitude, falta a definição do termo. A Organização das Nações Unidas debruça-se sobre o assunto há décadas sem sucesso. Encontrar resposta apta a delimitar o crime que desafia Estados pobres e ricos continua em aberto.
Chama a atenção, por isso, a rápida aprovação do Projeto de Lei nº 2.016, que cria a primeira lei antiterrorismo no Brasil. De autoria do Executivo, o texto foi encaminhado à Câmara dos Deputados há dois meses com o objetivo de garantir aos ministérios da Defesa e da Justiça mecanismos de prevenção e repressão dos atos de terror nas Olimpíadas do ano que vem no Rio de Janeiro.
A proposta surpreende pela abrangência. Tipifica como ato de terrorismo, sujeito a penas que vão de 12 a 30 anos em regime fechado, crime como depredação de bem público ou privado e o atentado contra a vida ou a integridade física de pessoa. Com razão, parlamentares e especialistas em segurança pública alertaram para o risco de a medida criminalizar movimentos sociais e protestos da população por melhores condições na educação, na saúde, na mobilidade urbana.
O alcance é tal que lembra o conto O alienista, de Machado de Assis. Simão Bacamarte, depois de conquistar o respeito na Europa graças ao sucesso na carreira médica, volta à terra natal, Itaguaí. Lá, constrói o manicômio Casa Verde para acolher os loucos da cidade e da região. Os primeiros internos sofriam realmente de transtorno mental. Com o tempo, o psiquiatra passou a encarcerar cada vez mais cidadãos, todos lúcidos. Quando se dá conta de que só ele tem a personalidade perfeita, diagnostica que o anormal é ele. Tranca-se sozinho na Casa Verde pelo resto da vida.
Ninguém questiona o fato de o Congresso ter o direito subjetivo de propor qualquer tipo de alteração nas leis brasileiras e também de criar as que julgue necessárias para a segurança e o bom funcionamento da sociedade e o do Estado. O terrorismo internacional, sem dúvida, causa apreensão, sobretudo em grandes eventos, como os Jogos Olímpicos. O sinal amarelo, porém, não justifica a aprovação de norma incapaz de responder aos desafios que o tema apresenta.
Os excessos precisam ser retirados porque, quanto mais se criam leis, mais se abrem, principalmente no campo penal, hipóteses de interpretação, o que dificulta a punição de quem realmente praticar o ato delituoso. A depredação de bens não é terrorismo, é ato criminoso previsto no Código de processo Penal. Enorme distância separa o ataque a um orelhão de bomba que explode avião, ônibus ou metrô. A abrangência confunde.
Impõe-se contenção, não exagero. O projeto, como todos os de sua característica, deve ser debatido pela sociedade no âmbito do Congresso e das instituições civis para que se possa chegar à conclusão coerente de punir certos crimes. Espera-se que o Senado, na condição de casa revisora, chegue à medida certa. Sem mais nem menos.