Nelson Rodrigues gostava de belas frases. Várias ganharam notoriedade e se repetem em diferentes contextos. Uma delas: “Toda unanimidade é burra”. Mas, com uma ou outra exceção — marcada pelo advérbio quase —, a uniformidade de opinião deixa de existir. É, pois, com o peso da quase maioria que foi às ruas no domingo, que ficou claro o rumo que a nação quer tomar.
O apoio à Operação Lava-Jato, observado de norte a sul do país, é sonoro não à corrupção endêmica instalada nos escaninhos do poder. Não por acaso, Deltan Dallagnol, procurador que investiga o desvio de verbas na Petrobras, lembrou a Operação Mãos Limpas. O caso brasileiro e o italiano constituem divisor de águas entre o passado e o futuro.
Em entrevista exclusiva ao Correio Braziliense publicada em 8 de agosto, Dallagnol não deixou dúvidas: lá e cá, as forças-tarefas que expuseram as entranhas da corrupção atuaram sobre tumores cancerígenos. Alimentadas pela certeza da impunidade, metástases se espalharam pelo corpo do paciente — sem limites e sem pudor.
Desde sempre, poderosos do universo político e econômico estiveram acima da lei e da ordem. Recorriam a manobras jurídicas ou a jeitinhos que tornam certas pessoas mais iguais que outras perante as normas que regem condutas da sociedade. Livres dos freios legais, os inescrupulosos navegam com desenvoltura nas ondas lamacentas da corrupção.
A Operação Lava-Jato, que trouxe à luz esquema bandido que sangra a Petrobras, provou que a história pode ter outro enredo. É a nova narrativa que as ruas aplaudiram. O juiz Sérgio Moro, que mereceu faixas e elogios nas manifestações que se espalharam pelas urbes nacionais, simboliza o desejo dos brasileiros por mudanças aptas a passar a nação a limpo.
Impõem-se outras Lava-Jatos. Tumores com aceleradas metástases pedem punção rápida. A limpeza, porém, precisa mais do que remediar estragos. Tem de preveni-los. Entre as medidas que pedem urgência, sobressai a modernização da legislação e da administração pública. A resposta do Planalto não satisfaz.
Dizer que manifestações pacíficas são legítimas na democracia é truísmo. A sociedade quer algo mais que tautologias. Quer iniciativas capazes de provar que o governo não quer apenas salvar a pele e conservar o poder. O desafio é dar respostas à altura das vozes que ocuparam as ruas no último domingo.