As discussões que ocorrem no Congresso Nacional em torno do aumento da remuneração dos saldos individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) já vêm tarde. Na verdade, estão atrasadas há 48 anos, quando o fundo foi criado pelo governo militar para substituir a antiga e anacrônica legislação que garantia a todo trabalhador registrado o direito à estabilidade depois de 10 anos no emprego. É claro que a maioria era dispensada antes disso, o que gerava um desemprego forçado.
A criação do fundo cumpriu roteiro bem ao estilo autoritário do governo da época: era uma espécie de opção obrigatória do trabalhador com menos de 10 anos de casa, e mais ainda para o candidato a um emprego. Com o tempo, o processo se consolidou e caiu em desuso a expressão optante pelo FGTS, que muitos trabalhadores tinham anotada na carteira de trabalho.
Desde que nasceu, o FGTS tem três características. A primeira: é uma obrigação da empresa, já que ela se livrou do problema da estabilidade. A segunda: os depósitos são equivalentes a 8% do salário do empregado. Durante anos, a empresa abria a conta em nome do empregado no banco de sua preferência. Mais tarde, todas as contas foram concentradas na Caixa Econômica Federal, que é o banco que administra o fundo.
A terceira, embora seja mais importante, é desconhecida pela maioria dos brasileiros: o FGTS não é um fundo fiscal. Traduzindo, o fundo não pertence ao governo, não é parte do Orçamento da União, seu recolhimento é obrigatório, mas seu destino não é tributário. Pelo contrário, o dinheiro vai do caixa do empregador para conta aberta em nome do empregado com carteira assinada.
O problema é que, como tudo que tem DNA autoritário, o trabalhador não tem direito de resgatar o fundo, a não ser nos casos de demissão sem justa causa, aposentadoria, aquisição da casa própria, doença grave ou morte (a família pode retirar o saldo). Há um conselho de administração do fundo, mas o governo tem a metade dos membros, os patrões, um quarto e representantes dos trabalhadores, um quarto.
Com essa formação do conselho e contando com a falta de informação do trabalhador, o governo fica à vontade para usar o dinheiro do FGTS e financiar obras de saneamento e programas habitacionais. Pior: toma emprestado do trabalhador e lhe paga os juros mais baixos de todo o sistema financeiro nacional. Atualmente, os depósitos na conta do trabalhador são remunerados em 3% de juros mais a variação da Taxa Referencial (TR), ou seja, perde feio da poupança e até da inflação.
É uma distorção mantida por todos os governos até hoje. Única exceção, assim mesmo parcial, foi quando o governo de Fernando Henrique Cardoso autorizou, em 2000, a aplicação de parte do saldo das contas do FGTS em ações da Petrobras, autorização negada por Lula, quando do lançamento do pré-sal.
O que se pretende, agora, é igualar a correção do FGTS à da poupança, ou seja, 6,17% ao ano mais TR. Ainda é pouco, mesmo assim o governo é contra. Mas como o Planalto e seu principal partido, o PT, não estão mandando quase nada, o mais provável é que essa histórica injustiça com o trabalhador — verdadeiro dono do FGTS — seja, pelo menos, amenizada.