A responsabilidade política do chefe do Executivo no regime democrático é pessoal e intransferível. Nos países parlamentaristas, o primeiro-ministro responde pelo governo. Nos países presidencialistas, o presidente da República. Os reis não podiam ser responsabilizados: “The king do not wrong”. Com o advento da democracia representativa, seja no parlamentarismo monárquico (Espanha, Reino Unido) ou republicano (França, Alemanha, Itália), seja nos regimes presidencialistas (EUA, Brasil, México), os chefes de governo, não os chefes de Estado, são responsáveis por seus atos, já que os ministros são demissíveis ad nutum, ou seja, sem necessidade de motivação, pois são auxiliares de confiança.
Essa conversa pseudo-jurídica, a dizer que a presidente Dilma não é responsável pelas transgressões às leis da República, eis que praticadas por seus delegatários, a transforma em rainha (reina, mas não governa), ou seja, “the queen do not wrong”.
A ser assim, jamais haverá crime de responsabilidade política, porquanto o presidente da República, no plano federal, os governadores (vice-reis) no plano dos estados-membros da Federação, e os prefeitos serão sempre irresponsáveis, politicamente falando, apenas seus ministros e secretários. A transgressão à lei será sempre imputada aos auxiliares, de acordo com a área do governo pela qual respondem (educação, saúde, fazenda, tesouro, agricultura, planejamento et caterva).
Tratemos então da República brasileira e da Constituição que no Art. 85 prescreve: “São crimes de responsabilidade os atos do presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: (omissis); V – a probidade na administração; VI – a lei orçamentária; VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais”.
Depreende-se que a presidente tem que exercer a função com probidade, observar a Lei Orçamentária, em seu todo e partes constitutivas, e obedecer a Constituição e as leis, entre elas, uma em especial, ligada, de um lado, à administração proba e, de outro, à observância do orçamento, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O orçamento não é apenas roteiro indicativo, mas conjunto de regras cogentes a subordinar os Poderes da República.
De lembrar o impasse que quase deixou os EUA paralisado pela negativa do Congresso americano de aumentar o limite da dívida pública daquele país, fixada no orçamento em 16 para 17 bilhões de dólares, praticamente igual ao Produto Interno Bruto (PIB).
A diferença é que Obama requeria endividar ainda mais o país porque a receita orçamentária anual acabara. A solução era emitir dólares e tomar emprestado em troca de títulos do Tesouro. Fez as duas coisas, porém autorizado de acordo com a Lei Maior (Paramount Law).
Dilma, ao contrário, fez barafunda tremenda. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), 13 ações irregulares foram-lhe imputadas, dando-lhe, em meados de junho, 30 dias para justificar-se. Confira-se: ocultamento de dívidas com o BB, BNDES e o FGTS; benefícios trabalhistas, programas sociais pagos com dinheiro da CEF e do FGTS; despesas da União pagas pelo BB, BNDES e FGTS sem autorização orçamentária ou congressual; manobras contábeis criativas e falsas relativas ao Plano Plurianual 2012-2015, entre outras.
Ao meu sentir, atos assinados pessoalmente, quais sejam repasses não autorizados no orçamento a empresas estatais; negativa de corte de gastos deixando R$ 28,5 bilhões a descoberto; inscrição em restos a pagar de R$ 1,37 bilhão relativos à Minha Casa, Minha Vida e, além disso, ciente de que o superavit fiscal previsto no orçamento não seria alcançado, pois ao contrário, havia deficit neste item, forçou o Congresso a alterar a meta, em fim de exercício, em troca dos R$10 bilhões das emendas parlamentares então liberadas, livrando-se de incorrer nos rigores da LRF, relativamente à meta do superavit primário. Esses R$10 bilhões se somaram ao colossal deficit das contas públicas. A prova do crime de responsabilidade fiscal não poderia ser mais clara e definitiva.
Das duas uma, ou o governo refaz o orçamento e escancara o deficit ou será necessariamente ré de crime de responsabilidade, o que poderá levar ao impeachment por evidente improbidade administrativa (gravíssima). A presidente, qual uma rainha fez o que quis sentada na curul presidencial. O Brasil precisa decidir se é República de bananas, governada por baratas, ou um país responsável. Nem se diga que eleitos não podem ser impedidos. Somente eles o são, justamente o contrário. Nixon e Collor não foram eleitos? Não renunciaram para evitar o dissabor do impeachment? Tanto lá quanto cá, não há lugar para a má-fé e a incompetência para governar. O impeachment presidencial pode e deve ser cogitado.